terça-feira, 31 de maio de 2011

Maconheiros de todo o mundo, uni-vos

Eu não fumo. Nada - sou um asmático fodido. Mas defendo qualquer causa libertária, mesmo que não tenha nada a ver comigo diretamente. Defendo a causa gay, o direito à escolha das mulheres com relação ao aborto e, porque não, a discriminalização da maconha. Não fumo maconha mas vivo rodeado de maconheiros (e consumidores de outras substancias bem menos inofensivas) há mil anos, e nenhum deles nunca tentou me matar, assaltar ou muito menos estuprar (graças a Deus!). Portanto, foda-se: tem mesmo é que liberar mesmo essa porra. Até Fernando Henrique Cardoso já descobriu isso - muito embora de maneira oportunista, já que eleitoralmente ele já é mesmo carta fora do baralho e portanto pode tranquilamente se dedicar a uma causa, a princípio, anti-popular que lhe renda ibope.

E a idéia parece estar mesmo começando a deixar de ser um tabu, já que até aqui, na provinciana capital do menor estado do país, foi realizada uma Marcha da Maconha relativamente bem sucedida, com cerca de 400 participantes. Cortesia da repercussão negativa da repressão brutal e sem sentido patrocinada pelos trogloditas da policia paulista, comandada pelo proto-fascista Geraldo Alckimin, da Opus Dei, e da Guarda Civil Metropolitana do incolor e inodoro Gilberto Kassab, cujo novo partido não é "nem de direita, nem de esquerda, nem do centro".

Mas a maior surpresa mesmo foi ver no Fantástico, da ainda toda-poderosa Rede Globo, uma materia correta e sem alarmismos xenófobos sobre o tema. Abaixo, reproduzo a reportagem de Rian Santos, do jornal do Dia, sobre a marcha em Aracaju, e a íntegra do texto da reportagem da revista semanal dominical.

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Marcha afronta a caretice de Aracaju

Quem marcha sai de um lugar na esperança de alcançar outro. Na tarde do último domingo, cerca de quatrocentos jovens – chute do próprio escrevinhador dessas palavras rasteiras. Uma estimativa deliberada, de quem estava no meio da muvuca e tentava mensurar o sucesso do movimento de alguma maneira – caminharam pela orla de Atalaia exercendo o maior de todos os direitos garantidos pela nossa Constituição. As câmeras da TV Sergipe não deram as caras. Não vi sequer um repórter com crachá pendurado no pescoço acompanhando a galera. Não faz mal. O que importa é que a gente estava lá.

Liberdade de expressão não é brincadeira e a saúde de qualquer democracia está sujeita a seu exercício. Quase nenhuma fumaça, muita alegria. Na concentração, os organizadores da marcha deixaram claro. Embora o corpo seja uma festa, ninguém ali estava promovendo um carnaval. O objetivo era chamar atenção para a causa, provocar o debate. A única motivação da Marcha da Maconha realizada em Aracaju foi a provocação de uma discussão franca a respeito das políticas públicas sobre drogas no Brasil.
Os argumentos que embasam a luta são, além de muito conhecidos, abundantes. Não é preciso o conhecimento de um cientista social para deduzir a relação entre uma legislação que criminaliza, além do tráfico, o cultivo e o consumo de uma planta, e a violência vivenciada pela população no cotidiano das cidades. As palavras de ordem entoadas durante a caminhada, entretanto, resumiam a peleja de maneira mais sucinta e direta. “Dilma Rousseff, legalize o beck!”; “U-hu Aracaju! Todo mundo fuma um!”; “Polícia é pra ladrão, pra maconheiro não!”; “Pula, sai do chão, quem é contra a repressão!” e, a menos politizada, e talvez por isso mesmo a que mais emocionou os maconheiros presentes, “Eu sou maconheiro, com muito orgulho, com muito amor”.

Quando a coisa bate – Antes da dispersão, a marcha passou pela Passarela do Caranguejo, onde a manifestação pacífica ganhou forte conotação política. Ali, distraídos pelo barulho dos bares, nossos familiares, nossos vizinhos, foram obrigados a nos reconhecer entre os maconheiros a quem sempre consideraram marginais. Pense no susto!

O pior é que não somos apenas os quatrocentos que saíram de casa e caminharam alguns metros para afrontar a caretice de uma cidade provinciana. Nos prédios mais altos de Aracaju, residem maconheiros. Nas melhores escolas da cidade, estudam maconheiros. Na fila do pão, na academia, no cinema, entre os amigos de sua filha, pode estar um maconheiro. Você quer mesmo que esse povo todo – um pessoal educado, que lhe dá bom dia ao entrar no elevador e cede a vez no supermercado para os idosos serem atendidos primeiro – vá em cana por causa de um pedaço de mato?

por Rian Santos - riansantos@jornaldodiase.com.br

Foto: Igor Andrade




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Um ex-presidente da república roda o mundo, grava um documentário e levanta uma bandeira bem polêmica. Segundo ele, o consumo de maconha deveria ser regulamentado.

Sábado, 21 de maio, Centro de São Paulo. A Marcha da Maconha, proibida pela Justiça, vai às ruas e é reprimida pela polícia.

“Não adianta querer tratar um debate de ideias com porrada. A gente não vai aceitar, a gente vai continuar”, argumenta o jornalista Júlio Delmanto.

As vozes pela descriminalização, ou até pela liberação da maconha, estão ganhando apoio de peso. O líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira, já defendeu publicamente até a formação de cooperativas para o plantio de maconha.
E agora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, prestes a completar 80 anos, conduz um documentário que defende a descriminalização do uso de drogas e a regulação do uso da maconha.

Por que o presidente resolveu meter a mão nesse vespeiro? “Porque é um vespeiro. As pessoas não tem coragem de quebrar o tabu e dizer: vamos discutir a questão”, diz Fernando Henrique Cardoso.

No filme "Quebrando o tabu", que estreia nesta semana, Fernando Henrique Cardoso e ex-presidentes do México, Ernesto Zedillo; da Colômbia, César Gaviria; e dos Estados Unidos, Jimmy Carter e Bill Clinton reconhecem: falharam em suas políticas de combate às drogas.

Perguntado sobre o motivo pelo qual não foi implementado em seu governo, Fernando Henrique Cardos responde: “Primeiro porque eu não tinha a consciência que tenho hoje. Segundo que eu também achava que a repressão era o caminho”.

Todos concluem que a guerra mundial contra as drogas, iniciada há 40 anos, é uma guerra fracassada. Bilhões de dólares são gastos no mundo inteiro, mas o consumo cresce, e cresce o poder do tráfico, espalhando a violência. As armas constantemente recolhidas dos traficantes no Rio de Janeiro são a prova de que a polícia trabalha enxugando gelo. É preciso ir além das apreensões de drogas e do combate aos traficantes.

“Um ponto central é questionar a lógica de guerra, não é defender o uso da droga. É apenas dizer: ‘vamos ver, vamos pensar se não existem jeitos mais inteligentes e mais eficientes de lidar com esse assunto’”, diz o diretor do filme Fernando Gronstein Andrade.

No Brasil, a maconha é a droga mais difundida. Consumida por 80% dos usuários de drogas; 5% da população adulta. Mas é inofensiva a ponto de ser legalizada?

“Não há droga inofensiva. Qualquer coisa depende da dose, da sensibilidade do indivíduo. Agora, entre as drogas usadas sem finalidade médica para fins de divertimento, para fins de recreação, a maconha é bastante segura”, afirma Elisaldo Carlini,médico da Unifesp especializado em drogas.

Palavra de quem há mais de 40 anos estuda a questão e trata dependentes. O professor Elisaldo Carlini representa o Brasil nas comissões de drogas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e das Nações Unidas.

“Defendo totalmente a descriminalização”, diz Carlini.

“Eu sou contra porque quanto mais fácil você tornar a droga disponível na sociedade, maior será o consumo”, defende o psiquiatra da Unifesp Ronaldo Laranjeira.

O professor Ronaldo Laranjeira trata de dependentes químicos há 35 anos. “Ela é uma droga perigosa. Um dos principais exemplos é que 10% de todos os adolescentes menores de 15 anos que experimentam com a maconha vão ter um quadro psicótico”, afirma.

Na lista das drogas mais perigosas publicada na revista médica “Lancet”, respeitada no mundo inteiro, a maconha aparece em 11º lugar, bem atrás do álcool e até mesmo do cigarro, que são vendidos legalmente.

“Álcool é mais letal do que maconha. Não se diz isso, mas é. Pelo menos os dados mostram isso. Então, temos que discutir e diferenciar, regular o que pode e o que não pode”, defende o ex-presidente Fernando Henrique.

Regular não é o mesmo que legalizar. E foi isso que Fernando Henrique Cardoso descobriu indo para a Holanda. Lá a maconha é vendida em cafés. Mas o governo não legalizou o uso indiscriminado. Funciona assim: a regulamentação determina que você não pode consumir nas ruas, nem vender fora dos cafés; nos locais determinados, fuma-se maconha sem repressão policial.

“Na Holanda é muito interessante. Os meninos de colégio – eu conversei com eles - não têm curiosidade pela maconha, porque é livre”, garante Fernando Henrique Cardoso.

O consumo de maconha é tolerado e, mesmo assim, vem caindo. Desde 2006, a lei brasileira já trocou a prisão por penas alternativas para quem é pego com drogas e considerado usuário, não traficante. Mas que quantidade de drogas, que situação caracteriza o tráfico? Isso a lei deixa a critério do juiz.

É uma linha difícil de estabelecer. Como o doutor Drauzio Varella explica no documentário: “Como a droga é criminalizada, é um crime você possuir a droga, não vão dez pessoas comprar se uma pode comprar e dividir entre as dez. E o menino que usa droga percebe que, dessa maneira, também se ele vender um pouquinho mais caro, a dele sai de graça”, argumenta o médico no filme.

Nesse caso, o usuário vira traficante e acaba na prisão, onde, como se sabe, a droga circula facilmente.

Em Portugal, o consumo de entorpecentes não dá mais cadeia desde 2001. Mas há uma penalidade: o usuário tem que fazer tratamento médico e prestar serviço social.

“A maior parte dos que usam drogas quer sair dessa situação. E a existência de um caminho que não os leve à cadeia, mas que leve ao tratamento, é positiva”, ressalta Fernando Henrique.

O ministro da Saúde de Portugal explica que dez anos depois o tratamento é gratuito para dependência em todo tipo de droga – da maconha ao crack.

“Dez anos depois, o que nós vemos? Os nossos jovens consomem menos drogas ilícitas”, revela o ministro.

“Eu não vejo nenhum sentido em criminalizar o uso e a posse dessas drogas todas. É um caso de saúde, não é um caso de polícia”, avalia Elisaldo Carlini.

Mas qual é a estrutura que o Brasil tem hoje para tratar seus dependentes?

“Essas pessoas ficam perambulando pelo sistema de saúde ou perambulando, literalmente, pelas ruas, no caso dos usuários de crack. E você fica desassistindo ativamente essa população”, comenta Ronaldo Laranjeira.


O Ministério da Saúde já fez as contas do que falta para tratar dependentes químicos: 3,5 mil leitos hospitalares, 900 casas de acolhimento e 150 consultórios de rua, para chegar às cracolândias, por exemplo. Mas a previsão é atingir essa meta só em 2014.

“Como ministro da Saúde, tenho opinião como ministro. Exatamente isso: nós do Sistema Único de Saúde (SUS) precisamos reorganizar essa rede e ampliá-la rede para acolher usuários de drogas, sejam lícitas ou ilícitas”, afirma Alexandre Padilha.

Na Suíça e na Holanda, existem os projetos chamados de redução de danos: dependentes de drogas pesadas, como heroína, recebem do governo a droga e agulhas limpas.

“É terrível ver isso. Mas você vê também que ali está um doente, não um criminoso”, constata Fernando Henrique Cardoso.

Triste, mas é essa redução de danos que evita a transmissão de doenças infecciosas, mortes por overdose e a ligação dos usuários com o crime.

“Eu não estou pregando isso para o Brasil, porque a situação é diferente, o nível de cultura, riqueza e violência é diferente. Cada país tem que buscar seu caminho. É isso que eu acho fundamental. Quebrar o tabu, começar a discutir e ver o que nos fazemos com a droga”, diz Fernando Henrique Cardoso.

Ouvindo um ex-usuário famoso, o documentário dá uma pista: campanhas de prevenção abertas e honestas podem funcionar.

“O grande perigo da droga é que ela mata a coisa mais importante que você vai precisar na vida: o seu poder de decidir. A única coisa que você tem na sua vida é o seu poder de decisão. Você quer isso ou quer aquilo? Seja aberto, seja honesto. Realmente, a droga é fantástica, você vai gostar. Mas cuidado, porque você não vai poder decidir mais nada. Basta isso”, alerta o escritor Paulo Coelho.
Painel do Fantástico

O Fantástico abriu uma votação para saber a votação do público sobre a regulamentação do uso da maconha no Brasil. O resultado da pesquisa instantânea do nosso painel foi: 57% dos telespectadores que votaram defenderam que o consumo deve ser permitido e regulamentado.

domingo, 22 de maio de 2011

“PRIMEIRA ANOTAÇÃO” de “Nós”, de Evgueny Zamiatin

Eu simplesmente copio – palavra por palavra – o que foi publicado hoje no Jornal do Estado:

“Dentro de 120 dias termina a construção do integral. Está próxima a grande hora histórica, quando o primeiro integral subirá ao espaço cósmico. Há mil anos vossos heróis ancestrais submeteram todo o globo terrestre ao poder do Estado Unificado. Tendes pela frente uma façanha ainda mais gloriosa: com o integral vítreo, elétrico e ígneo integrar o nivelamento infinito do universo. Devereis submeter ao jugo benéfico da razão entes desconhecidos que habitam outros planetas – talvez ainda na condição selvagem da liberdade. Se eles não entenderem que nós lhes levamos a felicidade matematicamente infalível, nosso dever é obrigá-los a serem felizes. Mas antes das armas experimentaremos a palavra.

Em nome do Benfeitor anunciamos a todos os números do Estado Unificado:

Cada um, que se sentir com forças, é obrigado a compor tratados, poemas, manifestos e odes ou outras composições sobre a beleza e a grandeza do Estado Unificado.

Esta será a primeira carga que o integral levará.

Viva o Estado Unificado, vivam os números e Viva o Benfeitor”.

Eu escrevo isto e sinto que me ardem as faces. Sim: integrar o grandioso nivelamento universal. Sim: endireitar a curva selvagem, retificá-la pela tangente – assíntota – por uma reta. Porque a linha do Estado Unificado é uma reta. Grandiosa, divina, exata e sábia reta – a mais sábia das linhas.

Eu – D-503 – sou construtor do integral – eu sou apenas um dos matemáticos do Estado Unificado. Minha pena, habituada às cifras, não consegue criar a música de assonâncias e rimas. Eu apenas tento escrever aquilo que vejo, que penso – ou melhor, o que nós pensamos (exatamente isto – nós, e que “Nós” seja o título de minhas anotações). Mas isto será derivado de nossa vida, da vida matematicamente perfeita do Estado Unificado e se é assim, acaso não será, por si só, independentemente de minha vontade, um poema? Será – acredito e sei.

Eu escrevo o que sinto: ardem-me as faces. Provavelmente isto se parece com o que a mulher experimenta, quando sente pela primeira vez em si a pulsação do novo ser ainda cego e minúsculo.Sou eu e ao mesmo tempo não sou eu. E longos meses terei de nutri-lo com minha própria seiva, com meu sangue e depois – arrancá-lo de mim entre dores e colocá-lo aos pés do Estado Unificado.

Mas eu estou pronto. Como cada um ou quase cada um de nós. Estou pronto.

Traduçao: Clarice Lima Averina

Considerações sobre "Nós":

A última edição de "Nós", de Zamiátin, publicada no Brasil, é tosca, com papel e tratamento editorial de péssima qualidade. O livro já havia sido editado duas vezes antes por aqui, a primeira pela Edições GRD, em 1962, sob o título "A Muralha Verde", traduzido do francês. A segunda edição brasileira foi pela extinta Editora Anima, em 1983, traduzida do inglês mantendo o título original. Aliás, um dos méritos da nova edição é que ela foi traduzida diretamente do russo, num excelente trabalho.

Evgueny Zamiatin, autor de Nós, era engenheiro. Isso explica a profissão do personagem principal, D503, matemático, o construtor do Integral. O Integral que levará a felicidade do Estado Unificado aos tantos mundos selvagens existentes no universo.

É aos habitantes desses mundos selvagens que D503 dirige suas anotações, para a glória do Benfeitor e do Estado Unificado. Eles devem receber a felicidade da vida racional nem que para isso seja necessário subjugá-los.

Assim D503 vai narrando as maravilhas da vida em seu mundo (o nosso, 1000 anos no futuro), a forma como cada número (pessoa) é peça de uma engrenagem maior e como cada um é perfeitamente substituível em prol do bem geral. Fala de suas casas com paredes de vidro, pois ninguém tem nada a esconder, da unanimidade do pensamento, da beleza das formas geométricas, de como o estado vem trabalhando arduamente para poder cancelar as horas pessoais de cada um e como isso seria bom.

A narrativa em primeira pessoa, a contradição entre o discurso matemático do protagonista e a confusão mental em que acaba se envolvendo tornam o livro bem mais intimista que 1984 e Admirável Mundo Novo. Chega a beirar o surrealismo, com as descrições fantásticas que faz das coisas e dos mecanismos de seu mundo.

D503 quer reduzir o comportamento humano a uma equação racional, com números inteiros. Na verdade é isso o que faz o Estado Unificado ao controlar e ocupar cada segundo da vida dos habitantes (mesmo relações sexuais acontecem mediante registro público prévio, com hora e local estabelecidos). Porém algo não se encaixa em sua própria equação, há um número irracional, uma raiz quadrada de -1 que insiste em aparecer como resultado.

O livro expõe de forma direta e concisa, a falácia do totalitarismo. Não se dirige especificamente ao stalinismo, facismo ou nazismo, embora seja possivel reconhecer facetas desses sistemas, mas a qualquer forma de poder excessivo sobre as pessoas.

Huxley elege o fordismo e suas linhas de produção como representação do mecanicismo de seu mundo imaginário, Zamiátin busca em Taylor e seus estudos de tempo e movimento a justificativa para o controle absoluto de todos os movimentos dos homens: "E que beleza exata: nem um gesto supérfluo, sem um desvio, nem uma viragem". O taylorismo aplicado à vida pessoal de cada um: Imagine se cada um se comportasse em casa, na rua e nas horas de folga como se estivesse trabalhando no Mc Donald!!!! Mas por sorte existe a raiz quadrada de -1, que impede D503 de agir conforme um relógio

ZAMIÁTIN, Evgueny. Nós. São Paulo: Alfa-Omega, 2004, 212 p.

Sobre o autor da resenha: Me batizaram Celvio Derbi Casal, quando no final da primavera de 1980 eu entrei nesse jogo. A partir daí o mundo nunca mais seria o mesmo, para mim. Inclusive tenho um papel, assinado por um desconhecido, comprovando a minha existência naquele momento. Terei também um para minha morte.

Vivi, de lá para cá, 26 anos que, acredito, tenham me habilitado de alguma forma ao convívio social. Não totalmente (esse blog é uma prova disso).

Pretendo viver mais alguns anos, apenas o suficiente. Por enquanto também pretendo continuar usando esse blog como catarse e válvula de escape das pressões constantes que acompanham, inevitavelmente, uma vida.

Comentários:

Duas observações:
a) “Nós” foi escrito em 1920, 1921. Portanto, é improvável que ele faça alusão ao fascismo, ao nazismo ou mesmo ao stalinismo. Simplesmente porque, à época, Hitler era apenas um obscuro agitador político de extrema direita e Mussolini e Stalin ainda não haviam chegado ao poder na Itália e URSS, respectivamente. A sociedade do Benfeitor foi inspirada na então jovem Rússia comunista (ainda com Lênin à frente) e nos preceitos da Administração Clássica (Taylor, Ford). Zamiatin escreveu “Nós” com um olho nas novas formas de organização social em voga no início do século XX e com outro na utopia do progresso.
b) D-503 se ferrou pelo mesmo motivo do Winston: uma buça…

por "pai do Mongol"

“Zamiatin, falecido em Paris em 1937, foi escritor e crítico russo, ele publicou uma série de livros tanto antes, como depois da revolução. “Nós” foi escrito por volta de 1923 e apesar de lá não se tratar absolutamente da Rússia e não ter ligação direta com a política contemporânea – é um quadro fantástico da vida no século XXVI dC – foi proibida a publicação da obra por motivos de caráter ideológico.”

Este é um trecho da crítica do romance “Nós” escrita por George Orwell, autor de “1984″ Aqui ele diz com razão que o livro não trata absolutamente da Rússia, quando ele foi escrito o país estava em plena guerra civil. Isto é, o livro foi escrito não em 1923, mas em 1920.

por Rosa Chiarelli

Rosa, tu e o Flávio (vulgo Pai do Mongol) tem razão, o livro não se refere diretamente aos regimes totalitaristas em questão, eu já tinha concordado com o Flávio, mas não aqui. Me fugiu o fato de o livro ter sido escrito antes disso, mas de qualquer forma, embriões dessas formas de poder já se desenvolviam pela europa, os motivos para a proibição da venda já indicam algo nesse sentido e certamente a comparação pode ser feita sem qualquer prejuízo do impacto da obra.

por The Derbi

“Aliás, um dos méritos da nova edição é que ela foi traduzida diretamente do russo, num excelente trabalho”
Agradeço pela parte que me toca. Fui eu quem traduziu o livro “Nós” do russo ao português.

por Clarice Lima Averina

+ aqui.

sábado, 21 de maio de 2011

Evil Empire

"No final de abril, o WikiLeaks divulgou as fichas dos 758 presos de Guantánamo. O vazamento mostrou que na prisão norte-americana instalada em solo cubano há menores de idade, pessoas sem ligação com grupos terroristas e até portadores de deficiência mental. O governo dos EUA reconheceu a autenticidade das fichas, mas disse que algumas delas estavam “desatualizadas”."

"O único suspeito de ter vazado essas informações secretas é um jovem militar chamado Bradley Manning, hoje confinado em uma solitária na base militar de Quantico, no estado da Virgínia. Mesmo sem provas, vive, há nove meses, sob condições classificadas como tortura por organizações internacionais. Julian (Assange) jamais confirmou a fonte. “Manning é atualmente o preso político número um dos Estados Unidos. Já encarou mais de 310 dias de confinamento em uma solitária de uma prisão militar, e ainda nem foi a julgamento. É uma situação muito sombria”, comenta.

Estas e outras informações estarrecedoras sobre a potência imperial que assombra o mundo posando de paladina da democracia estão na ótima entrevista com Julian Assange, do Wikileaks, publicada na revista Trip deste mês. Leia aqui.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Entrevista com plastique noir

Faz tempo que não leio mais revistas de Heavy Metal (já fui assinante da Rock Brigade, nos anos oitenta), mas sempre folheio nas bancas. Numa destas "passadas de olho", certa feita, vi que a Roadie Crew estava lançando uma coletânea virtual dedicada ao gótico/dark brasileiro. Legal, nem sabia que existia uma cena gótica no Brasil para além do “gothic metal”, geralmente chato e repetitivo. Baixei o disco e uma banda, em especial, me chamou a atenção: plastique noir, de Fortaleza, Ceará. Em termos estritamente estilísticos não traziam nada de novo – era um som derivativo que emulava tudo o que de melhor foi feito na área nos anos de 1980, especialmente - mas se destacavam pela competência na composição e na execução da música presente na compilação, “Those Who walk by the night”. Fui atrás de mais material da banda e confirmei minha primeira impressão: havia realmente algo de especial ali. Tornei-me fã ao ponto de viajar para vê-los, em Recife, no Abril pro rock, e em Salvador. São também muito bons Ao Vivo, tanto que estão conseguindo furar o bloqueio que os deixava naturalmente confinados ao gueto e tocando em vários festivais alternativos Brasil afora, alguns bastante conceituados, como o próprio Abril pro rock.

O plastique noir acaba de lançar seu segundo disco, “Affects”*, o que me fez pensar que era o momento oportuno para uma entrevista com os caras. O resultado, respondido por Airton S., o vocalista, você confere logo abaixo ...

* “Affects”, o novo disco do plastique noir, é mais homogêneo e mais bem gravado que o anterior, “Dead pop”, de 2008. O baixo “cavucadão” de Daniel e as linhas de guitarra cortantes (com um pouco de peso e distorção em alguns momentos) de Marcio Mazela, somados às programações precisas e o vocal soturno de Airton S., passeiam por composições bem acabadas feitas por encomenda para animar “festas estranhas com gente esquisita”. Os teclados, gravados por convidados, também se destacam, criando belos climas em praticamente todas as faixas. Não há nenhum grande destaque: o disco começa muito bem, com a bela “Rose of Flesh And Blood”, e segue no mesmo nível até o fim, oscilando entre passagens abertamente sombrias, embora quase sempre dançantes, e o escracho de letras como a de “Mazela takes a walk”, que foca o comportamento excêntrico de seu já legendário guitarrista.

Grande lançamento! Corra atrás!

por Adelvan

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Programa de Rock – De vez em quando vejo críticas ao trabalho do Plastique Noir chamando-o de “datado” num tom pejorativo, como se música tivesse prazo de validade ou tivesse que se guiar, necessariamente, pelas tendências da moda. Como a banda encara este tipo de questionamento? Há uma preocupação especial em se “atualizar” ou vocês simplesmente ligam o bom e velho botão “foda-se” e estão pouco se lixando se o tipo de som que fazem os empurrará, inevitavelmente, a um gueto?
Airton S – A questão é que o Plastique Noir nasceu como som de gueto e, até certo ponto, exatamente para ser som de gueto. A gente tem tentado se desvincular disso pra que a coisa não fique chata demais de ser feita, isso pra nós mesmos. Eu, Mäzela e Danyel escutamos som pra caralho, que vai desde Aldo Sena até black metal. No começo formamos a banda para que ela fosse estritamente gótica, mas hoje a gente percebe que esse coisa negra da música está presente em vários estilos e sempre foi nosso playground preferido. Dá pra encontrar referências interessantes no drama do tango, no samba escapista do Cartola, no piano de Beethoven e por aí vai. Se isso vai forçar uma identificação de nosso som com o público gótico, melhor! É uma massa numerosa, isso nos proporciona contatos e principalmente amigos. Quando a gente chega em São Paulo e Brasília, pra citar duas cidades em que tocamos com frequência, já saimos do avião direto para caírmos na palhaçada com os amigos! Vamos tomar umas, pôr o papo em dia, farrear e rir bastante. Mas claro que é sempre bom dar atenção ao universo fora do gótico também, se quisermos que nosso som tenha sempre uma sobrevida. O que era só diversão a princípio está chegando a um patamar de trabalho que gera uma responsabilidade de que nosso som se apresente da maneira mais profissional possível. E, para que ele se mantenha assim, é importante que busquemos diálogo com outras cenas, outros palcos, outras opiniões. Acho que se trata tudo de um grande esforço de equilíbrio.

Programa de Rock – Por falar em gueto, é possível escapar dele mesmo se mantendo fiel a uma proposta específica, sem se render a “misturebas” oportunistas? Vocês se sentem parte de um “gueto”? Em caso de resposta positiva, sentem-se bem, aconchegados, dentro dele?
Airton S – Acho que o Plastique Noir é também música de gueto, mas não só isso. Em cidades como Fortaleza e Recife, é comum de se ver uma parte do público de nosso show que não está vestida de preto. É minoria, mas rola. Não temos problema com a palavra “gótico”, que dá nome ao gueto de que estamos falando. E o que temos percebido, principalmente com o novo álbum, é que até mesmo os góticos tem encarado de coração aberto algumas licenças estilísticas a que nos permitimos nesse trabalho mais recente.

Programa de Rock – Existe uma cena dark/gótica estruturada e atuante atualmente no Brasil? Se existe, qual o seu real tamanho, onde ela é mais forte, e como ela dialoga, se é que dialoga, com o cenário independente em geral?
Airton S – Existe e está em fase de maturação, talvez mais perto de um profissionalismo que nunca houve antes. Algumas cidades e regiões tem cenas mais fortes e profissionais, como é o caso de Salvador, Brasília e principalmente São Paulo, que tem uma agenda semanal repleta de eventos simultâneos. Semestralmente rola lá o Projeto Ferro Velho, que traz sempre um grande nome mundial do estilo com a abertura obrigatória de uma banda nacional, o que favorece um intercâmbio inestimável em termos promocionais e de troca de know-how entre países. Existe até mesmo um festival nacional, o Woodgothic, que já conta com três edições e é organizado por uma das bandas mais prestigiadas do Brasil hoje, o Escarlatina Obsessiva. Rola bianualmente no alto da serra mineira, em São Thomé das Letras. A DDK, no Rio, põe brincando umas 500 cabeças pra dento da festa. Nada disso existia até dez anos atrás e olha que as primeiras bandas e eventos góticos no país datam de meados dos anos 80. Ou seja, nos últimos anos tá rolando um “boom” bem grande. Tivemos sorte de iniciar nossas atividades no meio disso tudo. Ou talvez não tenha sido coincidência, talvez o momento tenha favorecido nossa banda e nossa cena assim com tantas outras, com a expansão da internet, barateamento da produção musical etc. Agora, diálogo com o independente fora do gótico, acho que praticamente inexiste. Algumas bandas do selo em que estamos agora, a Wave Records, tem obtido vaga nos festivais de maior renome, mas não é sempre que rola.

Programa de Rock – Senti no “Affects”, o novo disco do Plastique Noir, uma maior homogeneidade nas composições, ao contrário do primeiro disco que, como é de praxe em estréias de bandas que atuam já algum tempo no cenário, funcionou mais como um apanhado de músicas que vêm sendo buriladas ao longo do tempo. Como foi o processo de composição do disco, as musicas são todas novas ou houve alguma retomada de trabalhos antigos nunca antes lançados?
Airton S – É tudo novo. O único reaproveitamento foi a faixa-tributo, “Never Look For People Like Us”, que era do Max e resgatamos do fundo do baú pra homenageá-lo. Todas as novas foram surgindo aos poucos, entre um ensaio e outro durante a tour do Dead Pop que durou, ainda que fragmentadamente, uns três anos e rodou boa parte do país. De volta à Fortaleza, vimos que tínhamos composto quase 20 músicas ao final do processo, muito embora durante ele nós já tínhamos uma noção de qual ia entrar na track list final e qual não ia. Ok, até que ainda chegou a rolar uma discussão por essa ou aquela faixa, no sentido de incluir ou limar, mas tentamos formar um consenso e acho que deu certo. Foi interessante trabalhar dessa forma - refiro-me a essa coisa de “criar um disco do nada”. Eu nunca tinha feito isso e talvez tenha sido o que justamente trouxe a coesão que você percebeu. Agora, não sabemos muito bem o que fazer com as sobras. Tem umas coisas que eu particularmente acho bem legais ali. No começo dos contatos com nosso novo selo, até rolou uma pilha mútua de fazer uma versão de luxo com disco extra, mas isso ficou inviável porque nossa verba pra gravar tinha acabado e daí resolvemos garantir o álbum full que já tínhamos em mãos. Talvez essa versão deluxe possa sair ainda. Não sei. Agora ninguém está mais pensando muito nisso, estamos tentando promover o que já tem.

Programa de Rock – Vocês ainda compõem pensando num álbum fechado, com um conceito, mesmo que vago e flexível, amarrando as faixas, ou vão compondo ao longo do tempo e apenas juntam o resultado?
Airton S – Um pouco dos dois. É que, nisso de compor ao longo do tempo sem neuras, coincidentemente ou não as músicas acabaram se mostrando “entrosadas” entre si, por si próprias, sem que tivéssemos que forçar a barra conceitualmente. Digo, conceito havia, mas não deu quase nenhum trabalho perceber depois que o material obtido se encaixava quase completamente nele.

Programa de Rock – Ainda existe espaço para o conceito de álbum, uma coleção de musicas representativas de um momento de uma banda embaladas por uma capa, contracapa e encarte? O Plastique Noir acredita que este conceito vai sobreviver? Em caso positivo, como conseguem resistir à tentação da urgência de nossos tempos hiperconectados para não lançar as musicas aos pedaços na net antes do resultado final acabado?
Airton S – Veja bem, nossa média de idade na banda é de 29 anos, mais ou menos. Não somos tão jovens. Alcançamos o vinil, tínhamos centenas de K7 em casa, já rebobinamos muitas delas na base do giro de caneta (risos) e só agora estamos tendo contato com o MP3, que foi o grande culpado por essa fragmentação no consumo de música. Eu, Danyel e Mäzela ainda trazemos um pouco dessa “cultura de álbum” nos nossos perfis musicais. E por uma questão igualmente cronológica, boa parte da imprensa musical também, já que os mais novos no meio têm o quê, 20 e poucos anos? Esse pessoal ainda leva a sério o formato de álbum assim como nós e é por isso mesmo que não rola conosco essa ansiedade de liberar material de qualquer forma. Penso ainda que, como prensar disco continua sendo uma parada cara e trabalhosa, o fato de a banda ter encontrado alguém que faça isso por elas, leia-se selo, ou mesmo ela ter reunido recursos para fazer por si mesma, denota que atingiu um nível legal de profissionalismo e por isso merece atenção do mercado e dos fãs.

Programa de Rock – O suporte físico ainda é realmente necessário? Pensam em, algum dia, lançar seus trabalhos apenas via internet? Como vocês administram este equilíbrio entre uma coisa e outra, o novo e o velho estilo de se “vender” música? Há espaço para os dois?
Airton S – Por enquanto, sim. E talvez mais ainda no nosso caso, já que somos freqüentemente identificados com uma cultura urbana como a gótica. Gente assim tem seus próprios hábitos de consumo, seus fetiches e seu mercado simbólico interno. Assim como punks, straight-edges, bangers etc, os góticos ainda valorizam o item material colecionável. Agora, como já falei antes, tudo é uma questão de equilíbrio. Também não faz sentido nego ser anacrônico e fazer vista grossa pro ambiente virtual. Tanto é que nossas músicas também são comercializadas em formato de download. Pra não falar no vazamento pirata, que nós nem achamos tão danoso assim. Haja vista o nosso primeiro álbum, cuja permissão de lançar free foi exigida por nós junto ao nosso selo na época. Era nossa estréia, queríamos aparecer legal. Já no caso do Affects, não sentimos a necessidade de tentar forçar uma interferência na maneira como o Alex da Wave acha melhor trabalhar, até porque confiamos demais na competência do cara em termos de distribuição.

Programa de Rock – Como é a relação da banda com os selos que lançam seus discos?
Airton S – A Pisces foi o primeiro selo em que entramos. O Ulysses é um cara muito gente boa, apesar de meio viajandão (risos). É foda conseguir falar com o cara, por exemplo. Mas o apoio que ele nos deu e continua dando é inestimável. Começamos a nos falar em 2007 e ele sempre se mostrou um cara muito honesto e sobretudo apaixonado pelo que faz. Quando resolvemos mandar o Affects pra Wave, não rolou nenhum tipo de mal-estar, até porque o Alex é quem distribui o Dead Pop, adquirido junto à própria Pisces. Inclusive aproveito pra avisar que esse disco já já vai acabar e quem não adquiriu, falou, um abraço. Não creio que ele vai voltar logo aos catálogos. Já sobre o trabalho com a Wave, sei lá, parece que foi um passo natural fechar com o selo. O Alex atua na cena gótica desde os anos 80, é figura carimbada nos principais eventos internacionais do estilo, tem contatos quentes, enfim, não tinha como não ser do jeito que está sendo. Botamos fé demais no trampo dele, musical inclusive. Eu e o Mazela já éramos fãs do 3 Cold Men antes mesmo de formar o Plastique (risos).

Programa de Rock – Vinil: há algum fetiche em especial da banda por este suporte ? Há alguma demanda dos fãs por lançamentos neste formato do Plastique Noir?
Airton S – Não sei, mas acho que deve existir. Confesso que a gente nunca pensou muito nisso até então. O Rafael, nosso produtor, às vezes bate nessa tecla. James, nosso amigo que toca no Facada, também de vez em quando tenta instigar a gente, falando das vantagens da prensagem em vinil, na questão do volume de cópias… Quem sabe um dia?

Programa de Rock – Como tem sido a divulgação de “Affects” no Brasil e no mundo, há algum plano em em ação neste sentido?
Airton S – Bom, felizmente a demanda por shows tá rolando sem que tenhamos a necessidade de sequer correr atrás deles. Algumas datas fora de Fortaleza foram fechadas e algumas até já foram cumpridas com sucesso. O pessoal parece estar curtindo bastante o disco. O promocional tem sido feito pela gente, por meio de nossa onipresença quase constante nas redes sociais e aqui cabem agradecimentos ao Rafael, em parceria com o Alex, que está colocando o disco nas lojas de São Paulo e da Europa, neste último acaso através da distro alemã Nova Media. O lançamento será em São Paulo também, numa festa do Via Underground. O Alex cuida mais da promoção no meio gótico e a gente está tentando colocar o disco evidente no meio independente nacional em geral, aproveitando os contatos que já fizemos em nossas passagens pelos festivais da Abrafin e eventos do Fora do Eixo.

Programa de Rock – A agenda de shows de vocês, como está? Tenho visto que a banda tem conseguido se inserir na agenda de festivais independentes e, com isto, se apresentado para um público mais amplo. Isto é fruto de um esforço em especial da banda neste sentido ou os convites vieram de forma “espontânea”? Pretendem seguir por este caminho? E como tem sido a recepção do público dos festivais à proposta do Plastique Noir?
Airton S – Olha, é meio que as duas coisas. Por aqui em Fortaleza a gente sempre foi alinhado com o coletivo local, a Rede Cem e daí eles nos servem de ponte pras curadorias. Mas acredito que nosso som acabe agradando, nego não ia pôr uma banda no line-up do festival dele que custou 90 mil pra acontecer, se houvesse o risco de, com a inclusão da tal banda, o negócio ficar feio. E o resultado acaba sendo bacana pros dois lados. A gente tem levado um público pros festivais que dificilmente iria pra ver as outras bandas. Nisso, acabam curtindo algo que não conheciam. E de forma semelhante, a gente acaba fisgando uma ou outra pessoa que estava ali, assistindo, sem botar muita fé na gente. Estamos tentando dar prosseguimento a essa via de trabalho. Esse ano já fizemos o Tendencies, em Palmas, e o resultado foi ótimo, travamos um contato amigável massa com a cena rockabilly de Curitiba por exemplo, que estava lá e de repente pode pintar algo disso…

Programa de Rock – Há uma faixa tributo a um antigo integrante da banda, falecido, no disco. Falem-nos um pouco de quem se tratava e qual foi sua contribuição para a construção da sonoridade do Plastique Noir.
Airton S – O Max integrou a banda desde o seu inicio até a metade de 2008, tendo definido muito de nossa identidade melódica e chegando a gravar o Dead Pop. Ele tocou na banda que pioneirizou esse estilo mais pós-punk gótico em Fortaleza, o Rebel Rockets, nos anos 90. A banda já estava extinta quando o convidamos a assumir os synths no Plastique Noir. O cara cativou todo mundo logo de cara com seu jeito amável de ser, sem falar em sua puta bagagem musical, quase enciclopédica. A chegada dele à formação foi, sem dúvida, o marco final para que nos sentíssemos prontos pra começar, como banda de verdade. Tinha ainda o folclore derivado de sua profissão como agente funerário (risos), era divertido mencionar isso em entrevistas. Infelizmente o cara foi se ocupando demais com atividades paralelas e teve que deixar a banda. Digo, deixou mesmo: ele não foi expulso e também nunca pediu pra sair. Foi estranho… simplesmente ele parou de comparecer a ensaios, shows… daí a gente ia se virando. Hoje, interpretamos essa atitude como uma maneira que ele encontrou de evitar de falar em saída por não querer de fato sair. Nosso contato foi ficando cada vez mais esparso desde então, sempre tínhamos notícias de sua vida por meio de um primo dele que é muito amigo nosso, quase irmão dele. Foi um choque quando recebemos a notícia de seu falecimento devido a complicações de saúde. Ele já estava há muitos dias em coma e o fato ocorreu quando estávamos numa reunião de amigos em razão do aniversário do Mäzela, que acabou sendo atingido de forma violenta naquele que era seu dia. O disco estava para começar a ser gravado, já tínhamos o material inteiro pronto. Somos caras bastante céticos, mas gostamos de pensar que ele estava presente posteriormente no processo, ajudando nem que fosse a partir da idéia que sua pessoa representa nos nossos corações de forma inspiradora.

Programa de Rock – Aproveitando o “gancho”: façam-nos um resumo do que tem sido a experiência da existência da banda até agora: os acontecimentos mais marcantes, as maiores dificuldades, as maiores alegrias …
Airton S – Cara, esse começo da minha resposta vai soar clichê, mas é foda: a gente passou por muita coisa nesses 5 anos. Eu juro que não consigo mais repassar minha vida durante esse tempo dissociando-a da banda. Acho que a melhor coisa que ficou são os amigos. As viagens sempre foram e são cansativas, mas eu diria sem pensar muito que elas são o melhor da festa. E é o que mais marca. E olha que eu não gosto de fazer show, meu lance é estúdio. A gente se divertiu muito por aí. Conhecemos gente de toda parte, vivemos momentos engraçados, encontramos freaks de toda espécie. A parte ruim, acho que foram os desentendimentos. A gente já brigou muito, de vez em quando ainda brigamos, aliás. Já fiquei sem falar com o Mäzela por semanas, já “rompi” até mesmo com o Babuê, que é uma moça (risos). Tivemos momentos em que tínhamos grana pra caramba pra investir nas nossas coisas, situações em que nos sentimos rockstars por causa de bobagens como, sei lá, estarmos pela primeira vez em um puta hotel aguardando a hora do show. Sabe, essa coisa meio de moleque sonhador? “Caralho, fodeu, estamos bombando!” (risos) Meio ridículo até… Ou ainda, estarmos ao lado de bandas gringas fodonas, na mesma van… Encontramos o Afrika Bambaataa no backstage do Abril Pro Rock, uma lenda viva, tocamos na mesma noite, o cara mó figuraça, divertidão, tirando sarro do Mäzela bêbado… Assim como também já rolaram momentos em que estávamos quebrados, sem ter nem o que comer esperando o ônibus de volta pra Fortaleza, bebendo cachaça e tocando violão na rodoviária pra passar o tempo. Já rolou de sermos saudados pessoalmente por jornalistas de certa envergadura e de sermos difamados e acusados levianamente por pseudo-produtor de evento. Sua primeira pergunta foi sobre “gueto”, tem um jornalista que você deve saber a quem me refiro, vive batendo verbalmente na gente… Mas é isso. Tudo faz parte e nós fazemos parte de tudo isso.

Programa de Rock – E para o futuro, há planos, metas ou é navegar ao sabor dos ventos?
Airton S – A gente nunca faz planos a longo prazo. Engraçado estar respondedo a essa entrevista logo agora, porque ontem mesmo eu estava tomando umas cervejas com o Babuê e começamos a retomar os planos pra shows no exterior, mas não convém divulgar nada ainda. O que dá pra adiantar é que já tem coisa concreta a esse respeito, mais detalhes em breve. Vamos tentar fazer as cidades que ainda não fizemos, principalmente na região sul. O norte já começamos a desbravar recentemente em Palmas, mas é a maior região do país, ainda tem muito lugar lá pra se ver e nos ver. Interrompemos quase que totalmente os shows durante os três meses de gravação e produção e agora queremos tocar bastante, o máximo, onde der e em quaisquer condições, desde que não seja muito inviável em termos de aparelhagem e deslocamento. Queremos corrigir algumas falhas nossas, como a escassez de merchandising. Gente de toda parte fica enchendo nosso saco por camisas, bottons, etc, e estão certos em vir encher. Vamos tentar tocar nos festivais em que ainda não tocamos e buscar mais visibilidade no geral, aproveitando que estamos com assunto novo. No caso, o álbum.

Programa de Rock – Espaço aberto para considerações finais.
Airton S – A gente queria agradecer de todo o coração por esse seu espaço e principalmente pela divulgação do trampo de bandas independentes como a nossa, que normalmente tem muita dificuldade pra produzir e circular dignamente. Muito obrigado por preencher essa lacuna preciosa. Somos muito a fim de tocar em Sergipe, quem sabe um dia. Abração pra todos que fazem seu programa e que o acompanham também!

+ em http://plastiquenoir.net

quarta-feira, 18 de maio de 2011

GLÓRIA !

A programação de shows da 9ª edição do Rock Sertão foi aberta pelo Karranca, veterana banda de rock com influencias de mangue beat de Itabaiana. Um show energético, com uma boa movimentação de palco e uma interessante mistura de ritmos sob a batuta da guitarra endiabrada de Ferdinando, também da Urublues. É uma banda de personalidade que tem alguns verdadeiros “hits” underground, como “Homem tambor” e “Sangue na feira”. O som estava um pouco embolado e mal equalizado, agudo demais, mas deu pra rolar numa boa.

Naurêa na sequência. Odiada por uns, amada por outros, o que ninguém consegue negar é que os caras fazem um show muito competente e que costuma levantar a galera. Mas nesta noite, em especial, não empolgou, talvez porque não estivesse tocando para seu público habitual. O mesmo pode-se dizer do samba-rock competente porém um tanto quanto arrastado e “malemolente” de Elvis Boamorte e os Boas vidas, que veio a seguir - um mérito do festival, aliás, trazer musica independente das mais variadas vertentes para o palco e dar às pessoas a oportunidade de ter contato com sons e ritmos os mais diversos. Às vezes pode não funcionar num primeiro momento, mas é saudável para a formação musical de qualquer um.

O erro, a meu ver, nesta primeira noite, estava na ordem das bandas. Os shows ficaram meio que divididos em duas partes, a primeira com pouco ou nenhum rock e muita diversidade, do forró estilizado da naurêa ao jazz instrumental do Ferraro Trio, a quarta a se apresentar. Muito bons, mas o público só esboçou reação mesmo nos covers de Jimi Hendrix e, principalmente, de “Beat it”, de Michael Jackson – aquela que conta, na gravação original, com a presença poderosa de Eddie Van Halen nas guitarras. Não deixa de ser válido, no entanto, já que a versão dos caras é bastante diferenciada e adaptada ao estilo deles. Grande show.

O rock, rock mesmo, duro, pesado e distorcido, foi deixado incompreensivelmente para o final. Jezebels foi a primeira banda do estilo a se apresentar, e mandaram muito bem. Estão se reformulando com uma nova formação, já que a baixista/vocalista original, Paula, precisou deixar a banda para morar na Europa. Dani comanda o trio com sua pegada nervosa na guitarra e seus vocais estilosos, cheios de cacoetes bem característicos. Paloma, a baterista, lá atrás, tocando e batendo cabeça (!). Já o baixo, infelizmente, pouco se ouvia, na frente, mas a movimentação de palco de Fabio era muito boa, o que ajudava a criar um clima de empolgação que sacudiu o publico - a esta altura, provavelmente, sedento por rock ! O fato não escapou à observação de Marcelo Larrosa, que entrevistou a(o)s menina(o)s Ao Vivo para a TV Aperipê depois do show e sapecou uma pergunta que deixou Dani com um novo apelido, “vegetariana selvagem”. Foi divertido.

TV Aperipê que repetiu a dose e transmitiu Ao Vivo os shows do Rock Sertão, das 22:00H às 1 da manhã. Muito bom ver a musica independente sergipana ter tanto espaço numa emissora de televisão. A FM também estava presente, registrando todos os shows na íntegra, ao vivo. A noite se encerrou com Fator RH, os anfitriões, e Dark Visions, de Tobias Barreto, que ficou em segundo lugar na votação do público via internet.

No sábado os trabalhos foram abertos, de forma relutante, pelo Lacertae. Deon, o guitarrista/vocalista, não estava se entendendo muito bem com os operadores de som e resolveu improvisar longos números instrumentais até que os problemas, notadamente uma microfonia insistente, fossem resolvidos. Ou parcialmente resolvidos, vá lá. Parecia que o show iria ser abortado, já que ele largou a guitarra e se retirou do palco numa determinada altura, mas o batera continuou tocando e parece tê-lo convencido a começar, finalmente, o show propriamente dito. Não chegou a ser ruim, mas foi esquisito.

Nucleador no palco. Outro clima, mais descontraído. Cenas de filmes de horror trash clássicos no telão, thrash metal crossover no talo no som. Murillo Viana e sua palhetada rápida e precisa comandou o espetáculo de energia e descontração. Diversão parece ser a solução para estes caras, que tocaram com uma empolgação contagiante – tudo registrado pelas câmeras da TV Aperipê, que àquela altura já tinha começado a transmissão. Muito bom ver um som tão “underground” e geralmente desprestigiado ter um espaço como este.

Já os Baggios, que veio a seguir, estão mais acostumados aos “holofotes”, o que não se reflete, felizmente, em estrelismo ou acomodação, muito pelo contrário: Julico e Perninha não deixaram a peteca cair e sentaram a mão no blues garageiro e “brejeiro” com sotaque sergipano que lhes é característico. É blues “do delta do Rio Sergipe”, e dos bons. Show pequeno, infelizmente (“por mim a gente ficava tocando aqui a noite inteira”, falou Julico ao microfone), mas encerrado em grande estilo, com Perninha espancando sem dó a bateria e Julico tendo espasmos no chão.

Depois dA Lapada, Jesse Monroe, a suposta “atração internacional” da noite. Logo no início já deu pra notar que aquela coca-cola era fanta ... Ela abre o show falando em inglês com o público, para logo em seguida emendar: “vejo que vocês não entendem inglês por aqui. Que bom que eu falo português!”. E pôs-se a tagarelar sem parar. Nunca vi uma inglesa tão baiana, “espevitada”. A maior parte do repertório foi, infelizmente, de covers, mas foi divertido. A loira é muito presepeira e meio sem noção – chegou a dançar “descendo até o chão” no melhor estilo “cachorra” ao som de “Summertime”, de Gershwin ! Hilário. Tocou também Luiz Gonzaga e Zeca Baleiro, para encerrar com sua “musica de trabalho”, “famous”. É um soul meio pasteurizado com cara de hit. Boa musica – para as FMs comerciais, não para um festival de rock, assim como o show da “gringaiana” cairia muito bom numa Boate F1 da vida. “Gloria, amo vocês! Pede pra gente voltar que a gente volta, ogayyy ???!!!”. Ok. Pensei tê-la visto em cima de um trio elétrico na “Festa do homem galinha”*, uma micareta que tava rolando em Ribeirópolis na volta, mas deve ter sido uma alucinação ...

Desta vez a programação foi melhor mesclada e, na sequencia do pop local e internacional dA Lapada e Jesse Monroe, Hatend, thrash metal de Paulo Afonso, Bahia. Esta alternância de estilos tão distintos deve ter dado um tilt na cabeça do cara que toma conta da mesa, porque estava tudo muito esquisito no palco. Som embolado e com uma equalização absolutamente nada a ver para uma banda de metal – só se ouviam teclados e baixo, este com um som muito estranho, parecia o estampido de uma metralhadora. As guitarras estavam inaudíveis. Esperei para ver se as coisas se ajeitavam mas não teve jeito não: “desinstiguei” e resolvi começar o longo caminho de volta pra casa sem ver o Ladrão, a banda do Formigão, ex-Dash e Planet Hemp. Gente finíssima, por sinal – em todos os sentidos.

Ano que vem o Rock Sertão fará 10 anos. Estaremos lá.

* No caminho para o show, em Ribeirópolis, cidade geralmente pacata (até demais), fomos surpreendidos por uma movimentação fora do comum. Tivemos, inclusive, que esperar pacientemente para que um cidadão parasse de ciscar feito uma galinha, bêbado, no meio da pista, e finalmente nos desse passagem. Bizarro. Pena que ninguém tinha uma câmera à mão na hora, se fizéssemos um video para o youtube iria bombar.

por Adelvan

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ao Vivo em lugar nenhum ...

Recordar é viver: (por Adelvan) Há uns 10 anos, aproximadamente, um grupo de amigos Headbangers totalmente from hell, os caras da Mystical Fire, me chamou para o que viria a ser o programa de índio da minha vida: um show de Heavy Metal undergound no sertão da Bahia, numa cidade da qual eu só tinha ouvido falar remotamente. Tanto que, para chegar ao lugar com segurança, precisei comprar um mapa rodoviário (na época não havia o Google maps).
Lá fomos nós, sob um sol escaldante e ao som de Black metal tosco undergound a viagem inteira, evidentemente. Já da estrada, chegando ao destino, um enorme edifício chamava a atenção, destoando completamente do resto da cidade, feita de casas simples. Era um Hotel gigantesco, abandonado, mais um daqueles monumentos ao desperdício que povoam nossa nação. Quis saber mais sobre a História daquilo mas ninguém soube me informar direito. Consegui descobrir apenas, através das informações esparsas que recebia, que ali havia funcionado, há muitos anos atrás, uma estância Hidromineral de águas termais muito famosa que, no entanto, encontrava-se já há muito tempo em decadência. E, realmente, o lugar à noite parecia uma cidade fantasma.

Falei que foi um programa de índio, e foi, mas foi também divertido. Especialmente quando os caras da Mystical resolveram dar um role à noite pela cidade já devidamente paramentados para a apresentação, com roupas pretas, botas militares, spikes de prego e “corpse painting”. Sem exagero: as pessoas, na praça central da cidade (que até que era ajeitadinha), saiam correndo apavoradas. E os caras foram rangar numa churrascaria, por conta da produção do show, daquele jeito, travestidos de zumbis do inferno. Muito engraçado.

Não lembro muito bem quais bandas tocaram no show, mas eram algumas de Salvador (Deformity BR, se não me engano) e mais a Scarlet Peace, também de Aracaju. Uma das exigências da Mystical Fire foi que a produção arranjasse uma cabeça de porco para ornamentar o palco, e puta que pariu, os caras apareceram com um negócio enorme, gigantesco! Tanto que Bilal, ao final da noite, foi tirar uma onda chutando o “artefato” e quase quebra o pé. Lembro também que havia um fã de Bilal por lá, um cara que fazia um fanzine em Cícero Dantas, outra cidade do interior da Bahia, no qual eu vi uma foto hilária, com chamada de capa e as porra: “pôster de Gabbirin Nagal Giborin AKA Villas Parakas”. O tal pôster era, na verdade, uma foto de Bilal bêbado em pé num ônibus em Aracaju. Inacreditável. E o cara tava lá, fotografando tudo, tanto que foi apelidado de “clic clic”. Outro fato notório: no meio do show os caras são chamados na porta porque havia um brother deles de Aracaju que havia chegado naquele momento! Era Dackson “Deathrow”, que foi ao show de ônibus! Veja bem, o cara pegou vários ônibus para ir num show de Black metal totalmente obscuro há uns bons 500km (ou mais) de distância no sertão da Bahia! Vai ser underground assim no inferno!

A noite terminou com um banho de água termal quente no meio da praça em plena madrugada. Legal. Haviam algumas garotas de Ribeira do pombal, a cidade vizinha que era uma espécie de “metrópole” local, tomando banho também, o que instigou os instintos animais da galera, mas ninguém comeu ninguém, pelo menos que eu saiba, e foi todo mundo dormir para se preparar para a jornada de cerca de 3 horas de viagem de volta.

Lembrei dessa passagem inusitada de minha vida ao ler recentemente, na revista Carta Capital, uma matéria que finalmente me deixou por dentro do que aconteceu com aquela cidade, Cipó, e seu Hotel/elefante branco perdido no meio do nada. Reproduzo-a abaixo:

Notícias de lugar nenhum

Por Cynara Menezes, de Cipó (BA)

Fonte: Carta Capital

Eram 10 da manhã de 24 de junho de 1952, véspera de São João. O então senador Assis Chateaubriand e o escritor Guimarães Rosa, vestidos como boiadeiros nordestinos, deixaram a galope a praça principal da pequena Caldas de Cipó, na Bahia, à frente de centenas de cavaleiros. Iam até o campo de pouso da cidade recepcionar o DC-3 presidencial que trazia a bordo Getúlio Vargas e o governador do estado, Régis Pacheco. O avião aterrissou tranquilamente na pista de terra batida cercada de cajueiros e mandacarus. Sob sol escaldante, o gaúcho Vargas seria, pouco depois, condecorado com a Ordem do Vaqueiro e paramentado, ele mesmo, com o gibão e o chapéu de couro de boiadeiro sertanejo.

Rosa acabara de chegar da célebre viagem a cavalo por Minas Gerais, levando 198 cabeças de gado, que lhe inspiraria Grande Sertão: Veredas. E assim descreveu a cena: “Em Caldas do Cipó, pude ver reunidos – espetáculo inédito, nos anais sertanejos e creio mesmo que em qualquer parte – cerca de 600 vaqueiros autênticos dos ‘encourados’: chapéu, guarda-peito, jaleco, gibão, calças, polainas, tudo de couro, couro de veado-mateiro, cor de suçuarana. Fui com Assis Chateaubriand, que é o rei dos entusiastas, e tive de vestir também o uniforme de couro e montar a cavalo (num esplêndido cavalo paraibano), formando na ‘guarda vaqueira’ que foi ao campo de aviação receber o presidente Getúlio Vargas. A mim coube ‘comandar’ os vaqueiros de Soure (Nova Soure, cidade vizinha) e de Cipó”.

Aos improváveis visitantes àquelas paragens se juntariam ainda o vice-presidente Café Filho, ministros, governadores e outras autoridades convidados a prestigiar a inauguração de -“um dos mais belos e -luxuosos” hotéis de todo o País, o Grande Hotel Caldas de Cipó, com 80 quartos mobiliados “com o mais absoluto bom gosto, conforto e luxo, nada ficando a dever aos melhores do gênero de toda a América do Sul”. Quem conta é o jornalista Odorico Tavares (1912-1980), em reportagem de sete páginas, publicada na extinta revista O Cruzeiro, dias depois do acontecimento histórico. A hoje esquecida Cipó possuía então “as mais famosas águas termais do Brasil”.

Dona de um quiosque de sorvete ao lado das “cascatas” artificiais na atual Praça das Águas da cidade, Maria José Silva Reis, a Menininha, de 69 anos, lembra como se fosse agora. “Eu tinha 10 anos, era magrinha, parecia um ‘belisco’. Todas nós, estudantes, de camisa de algodão branca de botão e sainha plissada azul-marinho, estávamos em fila, esperando o presidente, que chegou andando no meio do povo, ao lado dos cavaleiros e das charretes. Me arrepio só de falar, olha.”

À noite, com as ruas iluminadas pelas fogueiras de São João, e as luzes dos fogos de artifício refletindo nas águas do Rio Itapicuru, a festança continuou, com um jantar servido por negras baianas de torço e saia brancos, que serviram vatapá e outras iguarias – nada a ver com a região, onde se comem carne de bode e aipim. Um baile caipira nos salões do Grande Hotel durou até a manhã do dia seguinte.

Festas acabadas, a glória de Cipó duraria pouco. A estância termal tinha vivido o seu auge nos anos 1930 e 1940, quando o cassino da cidade atraía os usineiros ricos de Alagoas e de Pernambuco. Famílias inteiras vinham de todos os cantos do País para banhar-se nas águas sulfurosas radiativas, com propriedades terapêuticas, exploradas durante 30 anos pelo médico Genésio Salles, especializado na França. O tratamento durava 21 dias e, reza a lenda, até leprosos foram curados ali. Ricas em cálcio, magnésio, lítio e outras substâncias, as águas de Cipó têm fama de ser eficazes contra problemas de pele a reumatismo, arteriosclerose, doenças do estômago e “fraqueza genital”. “A água só não é boa para quem tem doença do coração e para mulher grávida, que perde o neném”, adverte a dona de casa Ilma Góes. Os efeitos curativos devem compensar o paladar terrível da bebida, tomada aos litros por quem acredita nela.

Sem o jogo, proibido no Brasil por Eurico Gaspar Dutra em 1946, o Grande Hotel não iria adiante: Getúlio, Chatô, Rosa e companhia abrilhantaram, na verdade, a inauguração de um dos maiores elefantes brancos da história nacional. Quem percorre os 242 quilômetros de estrada da capital Salvador até Cipó avista, de longe, pouco depois da placa que anuncia a chegada à cidade, o prédio gigante, destacado entre as construções baixas do município de pouco mais de 15 mil habitantes. “O hotel funcionou a pleno vapor, mesmo, só durante um ano”, conta o professor Evandro de Araújo Goes, o “sábio” do lugar, que pesquisou a história de Cipó desde a descoberta de suas águas, no século XVIII, quando se chamava Vila do Cipó e, mais tarde, Mãe d’Água do Cipó. Em 1935, transformada em estância hidromineral, passou a ser Caldas do Cipó, hoje apenas Cipó.

Em 1928, o médico Salles, um aventureiro que fez a primeira viagem de automóvel pelo Sertão de que se tem notícia, havia inaugurado o Radium Hotel, atualmente em ruínas, com árvores crescendo pelas paredes. Bem ao lado do Radium e seu cassino, foi erguido o Grande Hotel que, volta e meia, seria restaurado, mas que ficou a maior parte de sua existência vazio, despertando o saudosismo da população. O clube balneário, com seus banheiros e piscinas termais, foi inteiramente alagado pelas cheias do Rio Itapicuru, em 1969.

O abandono dos prédios dá ao lugar um ar de cidade fantasma, em que o tempo se esqueceu de passar. Até a década de 1980, quando foi reinaugurado com estardalhaço, mas sem nenhum sucesso, pelo governador Antonio Carlos Magalhães, o Grande Hotel ainda ostentava um piano de cauda e o mobiliário original. Atualmente, só os andares térreos são ocupados, por órgãos da prefeitura. Os demais cinco andares foram lacrados. “Ao longo dos anos, maus cipoenses foram roubando lustres, mobília. A suíte presidencial, onde dormiu Getúlio Vargas, foi inteiramente depredada”, conta o professor Goes. Não sobrou nada da suíte, nem mesmo os vasos sanitários. Em 2009, um funcionário da prefeitura, ao tentar atear fogo a uma colmeia de abelhas nos andares superiores, incendiou parte do telhado do hotel. Os “bons” cipoenses choravam copiosamente diante do edifício em chamas, a quem se apegaram nessas seis décadas como a uma joia de família. Foi preciso vir um carro de bombeiros da vizinha Paulo Afonso para que fossem domados o fogo e a tristeza da população, eternamente crédula de que o velho hotel voltará um dia aos tempos áureos.

Dos dias de fausto, ficou nos habitantes da cidade um curioso sentimento de que tudo aconteceu ontem, como se a água termal tivesse um efeito mágico sobre a memória. Nos jardins do velho Radium, com as janelas inteiramente lacradas, o vendedor de refrigerantes explica que as rodas de jogo no cassino, proibidas 40 anos antes, “aconteceram até os anos 1980”. Na praça, a senhora que vende sorvetes jura que “pouco tempo atrás” a cidade vivia lotada de turistas, a quem os locais chamavam “banhistas”. Nos folhetos turísticos, a Cipó dos edifícios históricos abandonados é descrita como “uma das cidades mais belas do interior da Bahia”.

O velho aeroporto onde pousaram Vargas e sua comitiva foi substituído por outro, inaugurado também pelo finado ACM, na década de 1990, sempre com a esperança (ou a promessa) de ressuscitar o turismo em Cipó. Nada feito. “Às vezes eu penso que a construção desse hotel foi ruim para nós”, especula o vigilante do Aeroporto Bento Macedo, queixando-se da solidão do campo de pouso, onde mora, à espera de aeronaves que nunca descem. Como o turismo ficou na lembrança, de cada três habitantes da cidade, dois vivem do comércio de artesanato – redes e cortinas –, que vendem inclusive em países vizinhos. Uma via de Cipó é conhecida como “rua dos argentinos”, porque seus moradores construíram as casas depois de sucessivas idas e vindas à terra de Cristina Kirchner. “Eles falam um portunhol retado”, conta Bento.

“O Grande Hotel não foi um bom presente para Cipó”, concorda Noure Cruz, professor de História e ex-secretário de Cultura do município. “O governo, dono do hotel, não investiu em atrair turistas como fazia Genésio Salles, que possuía até agência no Rio de Janeiro para trazer gente para cá.” Segundo Cruz, a cidade não prosperou porque não foi construída para os próprios habitantes, e sim para os que vinham de fora. “Os moradores ficavam à margem e os turistas ficavam no centro. A população não se sentia bem no meio daquela elite.” Na época do médico Salles, os banheiros termais eram separados por “doenças de pele”, “doenças internas” e por classe social: somente um dos dez chalés de madeira podia ser utilizado pelos “pobres”. Hoje, ao menos, as cascatas são de uso público.

A tragicomédia da cidade está às vésperas de ter, quem diria, mais um capítulo. No ano passado, por meio do PAC das Cidades Históricas, o Ministério da Cultura assinou um convênio com a prefeitura que prevê a liberação de 35 milhões de reais para restauração do Grande Hotel, do clube balneário, do Radium Hotel e do prédio da prefeitura, que formam um dos maiores conjuntos urbanísticos em estilo art déco do Brasil. A ideia é transformar parte do monumental edifício em um hotel-escola, administrado pelo Senac. A outra metade do prédio seria utilizada pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb) como campus no Semi-Árido. Para o Radium Hotel, os planos são transformá-lo em centro de convenções.

“Vamos tentar algo novo”, promete o atual secretário de Cultura e Turismo, Dernival Santana. A 100 quilômetros dali, a estância hidromineral de Caldas do Jorro tem ocupação turística constante, mas Santana torce o nariz para “o turismo farofeiro” de lá. “Queremos o turismo de saúde de volta a Cipó”, sonha. “Com a popularização dos antibióticos, as pessoas abandonaram as águas medicinais, não foi só em Cipó, não. Mas os tempos mudaram e hoje tem um renascimento das terapias alternativas”, aposta o prefeito Jailton Macedo. “Nosso projeto tem tudo para dar certo, porque não basta revitalizar o prédio, tem de movimentar a cidade. Isso vamos conseguir com a vinda dos universitários”, diz. Às voltas com o Tribunal de Contas, Macedo precisa provar que, ao contrário dos antecessores, não dará outro destino às verbas para restauração e que não deixará o Grande Hotel de Cipó continuar à espera da glória.

domingo, 1 de maio de 2011

72 virgens

Osama Bin Laden era mesmo um abnegado: teve que esperar quase dez anos para poder entrar, finalmente, no paraíso, onde 72 virgens e uma ereção eterna, dentre outras recompensas, o esperavam. Mais que isso: tentou escapar o quanto pôde desta sina aparentemente tão vantajosa, certamente para poder organizar melhor o combate ao "grande satã" e matar o maior número possível de infiéis. Eu sempre me perguntei porque as pessoas que acreditam na vida eterna não parabenizam os doentes terminais, ao invés de se compadecer deles, mas enfim, aconteceu: segundo pronunciamento do presidente Barack Obama agora à pouco na televisão, recebido por uma turba de cristãos eufóricos sedentos de vingança nos portões da Casa Branca, osama Bin Laden está morto.

Foda vai ser se, ao invés de 72 virgens, ele for recompensado com um suprimento vitalício de passas* ...

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* Supondo que a religião islâmica realmente assegure 72 virgens aos que morrem em nome de Alah, será que esta graça está reservada aos mártires ou é estendida a todos os fiéis que adentram o paraíso? E de onde vêm 72 mulheres virgens para cada homem do reino dos céus? São as almas das mulheres que morreram imaculadas que vão ao céu servir os mártires? Se não, o que reserva o céu às mulheres mártires? maridos perfeitos que nunca se esquecem de abaixar a tampa da privada? Pensando em todas estas questões decidi pesquisar um pouco mais sobre o paraíso islâmico.
Comecei pelo Alcorão. O livro máximo da religião islâmica não deixa dúvidas de que o paraíso islâmico é um lugar bastante sensual, mas nada é dito sobre a quantidade de virgens que aguarda os eleitos.
“E se deitarão sobre leitos incrustados com pedras preciosas, frente a frente, onde lhes servirão jovens de frescores imortais com taças e jarras cheias de vinho que não lhes provocará dores de cabeça nem intoxicação, e frutas de sua predileção, e carne das aves que desejarem. E deles serão as huris [virgens] de olhos escuros, castas como pérolas bem guardadas, em recompensa por tudo quanto houverem feito. (…) Sabei que criamos as huris para eles, e as fizemos virgens, companheiras amorosas para os justos.” Alcorão, surata 56, versículos 12-40. (todas as traduções deste texto foram feitas a partir do inglês)
São inúmeras as passagens como esta que mencionam a existência no paraíso de jóias, criados jovens e cheirosos, vinho (uma extravagância, já que o islã proíbe consumir bebidas alcoólicas em vida), rios de leite, rios de mel, rios de água (que costuma ser coisa preciosa nos países muçulmanos), frutas abundantes e moçoilas virgens para fazer “companhia” aos justos… Comparado ao paraíso cristão, com seus anjos assexuados de aparência andrógina tocando harpa e entoando cânticos (quando não estão em missão para destruir alguma cidade ou coisa assim), o céu islâmico parece o Club Med dos paraísos.
Só que diferentemente da Bíblia, que é a única fonte autenticada pela Igreja das palavras de Deus, na religião islâmica o Alcorão é complementado pelos hadiths, uma coletânea de histórias sobre tudo o que supostamente disse ou fez o profeta Maomé durante sua vida, que circularam no boca a boca por mais de um século até serem redigidas em sua forma atual. É aí, nessa barafunda de textos, às vezes antagônicos, que vamos encontrar mais detalhes sobre o paraíso islâmico, incluindo o número de virgens com que os eleitos são agraciados:
“A menor recompensa para aqueles que se encontram no paraíso é um átrio com 80.000 servos e 72 esposas, sobre o qual repousa um domo decorado com pérolas, aquamarinas e rubis, tão largo quanto a distância entre Al-Jabiyyah (hoje na cidade de Damasco) e Sana’a (hoje o Iemem)” Hadith 2687 (Livro de Sunan, volume IV).
Se esta é a menor recompensa que aguarda os felizardos no paraíso, então é certo que os servos e as virgens não foram parar lá por mérito. Quem sabe fossem candidatos ao inferno (não dizem que “é melhor reinar no inferno que servir no paraíso”?). No caso das virgens isto faria todo o sentido, já que a rotina delas no céu não é moleza; sobre isso escreveu Al-Suyuti, um renomado comentador do Alcorão e estudioso dos hadith, no século XV:
“Cada vez que se dorme com uma huri descobre-se que ela continua virgem. Além disso o pênis dos eleitos nunca amolece. A ereção é eterna. A sensação que se sente cada vez que se faz amor é mais do que deliciosa e se você a experimentasse neste mundo você desmaiaria. Cada escolhido se casa com setenta huris, além das mulheres com que se casou na terra, e todas têm sexos apetitosos.”
Para as virgens o paraíso islâmico é mais ou menos como uma versão pornô do mito de Prometheus (aquele do titã que tinha seu fígado devorado todos os dias por uma águia), só que é o hímen das jovens donzelas, e não o fígado do titã, que se regenera perpetuamente.
Se você tem uma ereção permanente e o resto da eternidade nas mãos algumas dezenas de virgens não devem bastar, por isso o paraíso islâmico conta ainda com um local que, cá embaixo seria chamado de “bordel”, mas que no paraíso islâmico chamam de “mercado”. Segundo os hadith, Maomé teria dito:
“Existe no paraíso um mercado onde não há compra ou venda, mas homens e mulheres. Quando um homem deseja uma mulher ele vai até lá e tem relações sexuais com ela.” Al Hadis, Vol. 4, p. 172, No. 34
Os cristãos, a quem devemos a noção agostiniana de que o mundo físico é impuro, gostam muito de apontar o dedo na cara dos muçulmanos e dizer que o paraíso deles é “liberal” demais. Aí, é a vez dos muçulmanos dizerem aos cristãos que se eles querem mesmo falar sobre sacanagem em livros sagrados é bom que se lembrem que têm teto de vidro. É impressionante quanta energia é gasta na internet nesta troca de citações porno-sacras entre cristãos e muçulmanos; eu imagino que jovens beatos de ambas as religiões aprendam bastante sobre estupro, pedofilia e prostituição nestes sites.
Bem, na defesa dos muçulmanos é justo dizer que como os hadith foram escritos muito tempo depois da morte de Maomé, nem todos eles são considerados genuínos pelos estudiosos islâmicos (segundo eles, por exemplo, o trecho acima é falso). Só que mesmo as passagens consideradas verdadeiras podem ser bastante embaraçosas; em algumas delas o constrangimento dos tradutores fez com que a formosura das virgens fosse minguando até que seus detalhes anatômicos desaparecessem por completo. Eis um bom exemplo:
Versão 1 – por Arberry Para os tementes aguardam um lugar seguro, jardins, vinhedos, donzelas de seios arredondados (maduros) e um copo transbordante de vinho.
Versão 2 – por Yusuf Ali Para os justos haverá a satisfação dos desejos em seu coração, jardins e vinhedos, companheiras da mesma idade e um copo cheio de vinho.
Versão 3 – por Rashad Khalifa Os justos merecerão uma recompensa. Jardins e uvas. Esposas magníficas. Drinques deliciosos. Surah an-Naba’ (78:31-34)
Mas existe uma boa chance de que os tradutores islâmicos nunca mais precisem dissimular a exuberância das virgens. Um livro publicado recentemente na Alemanha e muito bem recebido pela comunidade científica, “Die Syro-Aramaische Lesart des Koran” (“Uma Leitura Sírio-Aramaica do Alcorão”), do professor de línguas antigas Christoph Luxenberg, defende a tese de que muita coisa faria mais sentido nos textos sagrados se os tradutores levassem em conta que o Alcorão não foi escrito apenas em árabe, mas num mix de antigos dialetos aramaicos. Por exemplo, a palavra “hur”, que em árabe quer dizer “virgem”, em sírio significa “branca”. Assim, segundo Luxenberg, as “castas huris de olhos castanhos” descritas no Alcorão seriam na verdade “uvas brancas secas” de “clareza cristalina”, uma iguaria bastante apreciada naquela época. Dá para imaginar a decepção dos mártires? Deve ser como comprar uma passagem para um cruzeiro de solteiros e ao embarcar descobrir que não vai ter mulher…
No final o problema das virgens vai ser resolvido com a troca de uma única palavrinha. Nenhum candidato a homem-bomba vai ficar mesmo muito entusiasmado em abandonar esta vida quando souber que sua recompensa por morrer abraçado em dinamite será um suprimento vitalício de passas.
Mas é claro que esta não deveria ser a solução. A continuidade da civilização como a conhecemos não deveria depender da tradução de uma palavra num livro sagrado, ou de distinguir o que de fato disse um homem denominado profeta das fantasias eróticas de um bando de velhos babões. Melhor seria se não houvesse pessoas no mundo dispostas a acreditar literalmente em histórias escritas há milhares de anos, numa época em que a maioria das pessoas sabia tanto sobre o mundo natural quanto provavelmente sabe hoje uma criança da sétima série, e tinha os mesmos temores e superstições infantis de uma criança da quinta série.
Fonte: http://dragaodagaragem.blogspot.com/
por widson porto reis