quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

(*)A Barbárie começa em casa

"Ele despertava o ódio da sociedade ao dizer que a família não era a melhor estrutura social. Dizia que no seio da família é onde as pessoas mais se deformam. Eu tinha 9 anos e me lembro de as pessoas que ironicamente defendiam a moral e os costumes da época telefonarem para nossa casa falando palavrões", conta Flávio Gaiarsa, 61, que seguiu a carreira do pai, José Angelo Gaiarsa, falecido no último dia 16 de outubro de 2010, de causas naturais, aos 90 anos.

Passou batida, pra mim, a morte do grande psiquiatra, introdutor das idéias de Jung e Wilhelm Reich, ideólogos da Revolução Sexual, no Brasil. Conheço pouco sua obra, mas gostava muito do quadro que ele manteve por cerca de 10 anos, de 1983 a 1993, no programa Dia-a-dia, da Rede Bandeirantes. Nunca ia trabalhar sem antes dar uma conferida no que aquele velhinho sábio e sempre simpático tinha a dizer, e eram sempre palavras e idéias ousadas, como na época em que ele defendia obstinadamente (não sei se pra valer) a criação de um "Partido das mães".

Antes tarde do que nunca, fica aqui minha homenagem.

* The Smiths

Biografia por ele mesmo

          Nasci em 1920 e tive a sorte – e o azar! - de viver quase todo o século XX, com sua centena de conflitos armados, suas duas guerras quase mundiais, a maior crise econômica já acontecida (1924-30), suas quatro ditaduras maiores (Hitler, Mussolini, Stalin, Mao-Tsé), três revoluções maiores (nazi-fascismo e os dois comunismos - o russo e o chinês), a explosão populacional, o nascimento do rádio, de Hollywood, da aviação, do automóvel, da teoria (e da bomba) atômica, do motor a jato, do Radar, da Penicilina, da guerra fria, da “janela para o Mundo” (a TV), dos primeiros passos – digo, foguetes – em direção ao espaço sideral, do terrorismo mundial.
          Até ai, como é fácil perceber, temos a sempre triste historia da Humanidade como foi desde sempre, só que acontecendo cada vês mais depressa!
          Mas nos últimos 30 anos (eu com 50) ocorreu uma revolução maior do que todas as outras somadas: o uso intensivo das radiações eletro-magnéticas na comunicação, a difusão vertiginosa da TV pelo mundo (desde a venda dos aparelhos, do número dos espectadores, até do número de horas frente a ela). Surgiram os computadores, a Internet e os telefones celulares cada vês mais multifuncionais.
          Nunca a Humanidade esteve tão dividida e tão solidarizada!
          No entanto, até meus 30 ou 40 anos (1950/60), quase todos à minha volta diziam e se comportavam como se as coisas estivessem indo muito bem, obrigado, tudo em paz, tudo normal – tudo como devia ser… Poucos entendiam Sartre: se, nesse mundo psicótico você não se sentir angustiado (assustado), você é alienado.
          Não obstante a maré montante da informação, até antes da difusão da TV, a imensa maioria das pessoas sabia bem pouco de tudo o que as cercava, e menos ainda das maquinações dos poderosos de alto nível que estavam moldando - a seu modo - a Historia, isto é, o cotidiano de cada um e de todos nós.
Eu era um menino bonito (todas as visitas diziam!), vivo, interessado, inteligente e assustado, mas não tinha consciência de nada disso. Lembro muito vagamente que as andanças e as falas dos adultos me pereciam muito estranhas – como se todos vivessem em um palco (era a primeira e a mais importante manifestação de minha inteligência – ou de minha percepção!).
          Meio século depois, seguindo a custo o que meus olhos me mostravam, me fiz um especialista em comunicação não-verbal. Comecei a compreender que as falas têm bem pouco a ver com os personagens deveras teatrais que podem ser vistos quando você corta o áudio. Ai você só vê o surdo-mudo que se agita em esforços espasmódicos pra se fazer entender - caras, gestos, atitudes, tons de voz. Poucos prestam atenção a ele – ou a ela (à comunicação facial e corporal).
          A Psicologia ignora esta verdade central: o que eu menos sei de mim (minha aparência, minhas caras e gestos…) é tudo o que os outros vêm de mim. A imagem que faço de mim em meu íntimo, tem pouco e nada a ver com minhas expressões faciais, corporais, vocais (que o outro está percebendo o tempo todo)…
Por isso sou inteligente. Aprendi com meu medo. O que as pessoas dizem (consciência) tem pouco a ver com o que mostram (inconsciente). Freud disse a mesma coisa, mas como ele não olhava para as pessoas (que estavam lá, no divã) ele não via o que elas estavam mostrando, e então inventou o famoso Inconsciente para explicar o que estava na cara, nos modos, nas atitudes…
          Meu medo – depois rebatizado de ansiedade e/ou de angústia me acompanhou, ondulando, até meus 60 anos – porque o que eu via nas pessoas não casava bem com o que elas diziam e a convenção universal era que as palavras eram as verdades sinceras e realista (imaginem!) – e que as caras e modos eram impressão minha, impressão falsa, moldadas pelos meu desejos e temores secretos. Isto é, a mentira não estava nas expressões corporais dos outros, mas nos meus enigmáticos desejos e temores inconscientes!
Custei muito para ver as coisas ao contrário. Preferia, ao em vez de me sentir sozinho, acreditar que o neurótico era eu e que minha angústia era “culpa” de meu passado, de minha família, de maus tratos sofridos na infância - dos quais, no entanto, não tinha lembrança nenhuma, por mais que os buscasse. Devia tê-los reprimido…
          Minha ignorância ou meu medo – tinha bem pouco de original. Era o que diziam todas as escolas de psicoterapia, durante quase todo o século XX, seguindo a Psicanálise.
Fui psicoterapêuta (era médico, também) até que bem sucedido. Oito a 10 horas de consultório por dia durante meio século. Estudando e praticando quase todas as muitas formas e teorias sobre Psicoterapia, das quais o século XX foi pródigo.
          Dentre meus mestres, dos que mais me ajudaram, lembro Wilhelm Stekel, Mestre Jung (Carl Gustav) e Mestre Reich (Wilhelm). O primeiro me ensinou liberdade na interpretação das manifestações do paciente (e em mim). Jung me ensinou a acreditar em minhas fantasias, muitas vezes mais reais do que a realidade conforme era dita e vivida pelos circunstantes. Reich me deu coragem para acreditar no que eu via nos outros, e para começar a creditar que os outros eram todos mentirosos no que diziam acreditar ou pensar, mentirosos mesmo sem querer e até sem saber. O que diziam combinava pouco e mal com suas expressões não verbais (e com os noticiários internacionais). Mentirosos em boa fé! Será que isso pode existir?
          Outra lição que me desligou do que “todo mundo diz que é” foi quanto ouvi sobre família nestas centenas de milhares de horas. Psicoterapia quer dizer ouvir queixas familiares, ouvir – e ver - todos os malefícios produzidos em família e pela família. No entanto, em público e em palavras, a vetusta instituição continuava e continua praticamente adorada – tida como Perfeita e Sagrada.
          Cada vez eu compreendia melhor meu medo (minha angústia, minha ansiedade crônica). Eu não conseguia me iludir tão bem quanto a maioria das pessoas (meu olhar não deixava!) e aos poucos ia descobrindo todas as falsidades do mundo próximo e todos os perigos e ameaças reais do grande mundo que era meu ecossistema. Meu medo neurótico era muito mais verdadeiro do que minha sabedoria de pessoa normal, de cidadão bem adaptado - até bem sucedido!
          Na verdade, minha ansiedade neurótica era o medo mais do que justificado sentido pelo meu animal saudável. Ele sentia, bem melhor do que eu, o quanto vivíamos (eu e ele!) em um mundo perigoso, agressivo, explorador e implacável. Sobretudo, um mundo falso no qual quase nada era como se dizia que era.
          Por isso me tornei alto especialista em ansiedade e hoje posso falar sobre ela de modo simples e recomendar medidas, também bastante simples para remedia-la – e essa será a segunda e última parte de minha biografia.
          Será, ainda, introdução para a minha galeria de arte na qual consegui entrever – e posso mostrar para todos – tudo quanto disse até aqui sobre minha vida, meu medo e minha angústia (são sinônimos – não esqueça), que de muitos modos é semelhante à de quase todos.
          Os artistas a sentiram tanto quanto eu – e você. Querendo ou sem querer, sabendo ou sem saber, a pintaram – e como!

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5 comentários:

  1. o ricardo é um grande fã do gaiarsa, pra vc ter uma idéia ele foi até são paulo se consultar com ele! massa a homenagem!

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  2. Eu adorava o Gaiarsa e talvez por viver aqui no meu mundo particular e a internet ter negligenciado a notícia, só soube por você. Era um iluminado.

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  3. pior que pelo que vi depois deu a noticia em vários lugares, mas só soube agora em janeiro. É que a internet é meio dispersiva mesmo.

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  4. Fico sabendo da morte do Gaiarsa agora, por esse site. Estava procurando uma foto dele, para colocar num mural de pessoas admiráveis que quero compor. E será um desses admiráveis da minha lista, uma lista bem curta. Uma lista essencial. Minhas saudações ao responsável pelo site/blog, e um brinde à pessoa absolutamente rara que foi José Angelo Gaiarsa.

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  5. Obrigado pelas saudações, Silvio. E um brinde ao Gaiarsa, sempre!

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