20 de junho de 2010
A diplomacia não é uma perfumaria para os países sem força militar. Como dizia um importante político chileno: “quem deve se preocupar mais na selva, o elefante ou o coelho?" Mas é indispensável que essa atividade se ajuste à realidade sem alimentar sonhos de grandeza.
Celso Furtado costumava dizer que nós, brasileiros, desconhecemos nossas reais possibilidades e idealizamos nossas potencialidades. As recentes aventuras do presidente Lula no campo diplomático são um exemplo desse desvio. O peso do Brasil na América Latina é real e o bom desempenho do ministro Celso Amorim e do seu antigo imediato, Samuel Guimarães, na mediação de conflitos entre países do continente, na detonação da Alca e na formação da Unasul, ajustaram-se a essa realidade. Ponto para o Lula.
A formação do G20 foi meio confusa e não tivemos uma atuação muito boa na OMC, pois na verdade nossa posição favoreceu os Estados Unidos contra a pretensão legítima dos pequenos agricultores europeus.
A aventura iraniana já é outro assunto. Faz parte do mesmo delírio de grandeza que nos leva a pretender assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O que, na verdade, foi o Lula a fazer em Teerã senão buscar somar pontos para atingir esse objetivo? Prestou por isso, gratuitamente, um serviço aos Estados Unidos, pois seu esforço diplomático tinha por objetivo levar o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, a aceitar o patrulhamento da ONU na questão do enriquecimento do urânio.
Qualquer pessoa de bom senso não aceita a fabricação da bomba atômica. Mas é uma rematada hipocrisia condenar o Irã por querer produzir a bomba ante o fato de que USA, França, Inglaterra, China, Coreia do Norte e Israel detêm este artefato decisivo para definir seu lugar no cenário internacional. Diante dessa realidade não há fundamento ético para a exigência que está sendo posta ao Irã por parte dos países com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Não defendo que o Brasil deva exortar o Irã a produzir a bomba, mas o governo brasileiro não pode alegar qualquer justificativa ética para intrometer-se uma querela complexíssima como esta, ainda mais para fortalecer a posição norte-americana. Na realidade, a operação serviu apenas para nos colocar numa situação de deboche perante o mundo, porque os Estados Unidos descartaram a intromissão no dia seguinte ao propor sanções contra aquele país. Foi um acinte que tivemos de engolir porque a diplomacia norte-americana escora sua força no fato de serem um país detentor da bomba e a maior potência mundial ainda nos dias de hoje – e todos os demais países, especialmente os periféricos, se submetem a essa realidade.
Já quem estiver interessado em saber o que as tropas brasileiras estão fazendo no Haiti apreciará bastante o artigo do professor Osmar Ribeiro Thomaz publicado no último número da Revista do Cebrap. Relatando a conduta dos “brancos” no auxilio às vítimas do terremoto, o professor Thomaz, antropólogo que vive no país e coordena uma pesquisa patrocinada pela Unicamp, expõe com um bisturi implacável a hipocrisia tanto dos países desenvolvidos quanto da ONU no episódio. Com uma argumentação imbatível, Thomaz demonstra que o único auxílio que as vítimas do terremoto receberam veio das próprias instituições haitianas (as igrejas, prefeituras, o Exército e, sobretudo, as próprias famílias).
O propagandeado “patrocínio externo” beneficiou principalmente os próprios funcionários dos “países amigos” que se encontravam no Haiti ou foram para lá a fim de prestar ajuda aos “nativos”.
Causa tristeza o depoimento do professor a respeito do papel das tropas brasileiras, pois ele mostra que a população haitiana não faz a menor distinção entre nossos soldados e os soldados dos demais países que compõem a Força de Paz da ONU. Afirmar, portanto, que nossas tropas ajudam a criar simpatia pelo Brasil entre os haitianos não passa de uma remendada balela.
Não faz parte do artigo do Cebrap, mas cabe acrescentar um outro aspecto da aventura brasileira no Haiti. Nossas tropas foram ocupar militarmente aquele país por determinação dos Estados Unidos - cujo governo não quer desistir do controle que exerce sobre aquele país desde o tempo do Papa Doc, mas não quer sujar as suas tropas nesse trabalho. Para acumular pontos para o sonho do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, Lula embarcou o Brasil nessa triste aventura.
Para quê? Para ser outra vez duramente humilhado, pois quando os Estados Unidos perceberam que o caos deixado pelo terremoto poderia provocar um levante popular contra o governo que instalaram no Haiti, mandaram imediatamente seus mariners para a ilha caribenha. Eles chegaram e desalojaram as tropas brasileiras do único lugar economicamente importante do país (o aeroporto de Porto Príncipe) sem qualquer explicação. E o Exército brasileiro saiu como cordeirinho.
A primeira providência que cabe a um governo democrático é embarcar imediatamente de volta sua tropa e deixar o Haiti sob condução dos haitianos – qualquer ação estrangeira naquele país só se justificaria se fosse efetivamente auxílio humanitário, financiando a permanência lá profissionais que possam de fato ajudar o povo haitiano a reconstruir seu país (médicos, arquitetos, engenheiros, professores, enfermeiros e não soldados).
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