segunda-feira, 7 de junho de 2010

ISTOÉ Entrevista Marina Silva


Os sonhos de Marina - Com propostas que fazem parte do imaginário dos eleitores e um tom de utopia, a candidata do PV faz campanha que lembra o PT dos anos 80 e encanta os mais jovens. Mas pode ser atropelada pela realidade do País
A pré-candidata do PV à Presidência, Marina Silva, é dona de uma história pessoal que emociona pelo passado e entusiasma pelo presente. Nascida pobre num seringal na zona rural do Acre, jamais deixou de acreditar em seus sonhos e de persegui-los. Foi alfabetizada aos 16 anos, conseguiu se formar em história, aderiu à luta sindical, tornou-se a senadora mais jovem da história da República e respeitada internacionalmente como ministra do Meio Ambiente. Sobreviveu não só às dificuldades da vida como também a várias doenças. Chegou ao poder, mas não permitiu que seus sonhos fossem revistos. Como candidata a presidente da República, Marina continua uma incansável combatente pela ética, pela transparência e pela defesa de tudo o que chama de “princípios”. “Pelo seu perfil e postura, Marina é a única em condições de pensar o impensável”, diz o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, um dos colaboradores da campanha do PV.
Idealista por convicção, mantenedora de utopias, como gosta de repetir, Marina tem corrido o País apresentando propostas que fazem parte do imaginário de todos os eleitores. São plataformas impossíveis de refutar, como a bandeira do desenvolvimento sustentável, que cada vez mais ganha adeptos e encanta os mais jovens. A candidata do PV em 2010 lembra as candidaturas do PT no início da década de 80. Boas ideias e boas intenções não faltam a Marina, que não se coloca nem à direita nem à esquerda dos demais candidatos. “Estou à frente”, diz. O problema é que, na hora de explicar como realizar tudo o que Marina sonha para o Brasil e para o mundo, a realidade de um planeta cada vez mais competitivo e de um país com pressa para crescer atropela os seus sonhos. Marina é, por exemplo, uma obstinada defensora da energia limpa. Condena o impacto ambiental da construção da hidrelétrica de Belo Monte, pelo governo Lula, mas não dá alternativas concretas para suprir o abastecimento energético, hoje um dos gargalos da economia brasileira.
Como é difícil imaginar que a indústria possa ser movida exclusivamente à base de energia eólica, as usinas nuclea-res seriam uma alternativa, admitida até pelo empresário Guilherme Leal, candidato a vice na chapa do PV. Leal, porém, argumenta que o custo delas ainda é alto demais. Independentemente do valor, Marina tem, por “princípio”, se revelado terminantemente contra a construção de Angra 3, desde os tempos em que era ministra do Meio Ambiente. E também “por princípio”, a ministra Marina barrou projetos considerados fundamentais para o desenvolvimento do País, como as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, o que contribuiu para que deixasse o governo. A aguerrida seringueira perdeu o poder, mas não abdicou de suas convicções. E, se agiu assim quando estava no governo, nada indica que será diferente na campanha. A senadora já declarou alto e bom som que não aceita contribuições financeiras de empresas que não respeitem o meio ambiente e nem das indústrias tabagista e bélica.
Evangélica praticante, também “por princípio”, a candidata se declara contra o aborto e a união entre pessoas do mesmo sexo. Não ignora que está, no entanto, diante de uma demanda real da sociedade. E quando colocada diante dessa contradição, mais uma vez a candidata se mostra capaz de sonhar. “Questões como liberação da maconha e aborto devem ser resolvidas por plebiscito e não pelo presidente”, advoga a ex-ministra, que, contraditoriamente, condena a democracia direta preconizada pelo venezuelano Hugo Chávez.
Marina quer vencer a eleição sem abrir mão de seus ideais, sem negociar com seus sonhos e leva para os eleitores a mensagem de um futuro com relações políticas bem distintas das que se observam no cenário atual. Ela sabe que o PV não tem quadros para montar um governo, mas acredita mesmo que pode reunir o que chama de “gente séria” do PT e do PSDB em um mesmo projeto de País sem corrupção, sem poluição e crescendo dentro de uma agenda até agora utópica. Aos críticos, Marina diz que a utopia pode ser possível. Já na pré-campanha importou colaboradores oriundos de outras legendas. Entre os nomes que incorporou destacam-se, além de Giannetti da Fonseca, ligado aos tucanos, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário de Segurança Pública do governo Lula, e a socióloga e doutora em psicologia da educação Neca Setúbal. “Se é verdade que o sonho desligado da realidade é vazio, é preciso ter em mente que a realidade desprovida do poder transformador do sonho é deserta. O futuro responde à força e à ousadia do nosso querer”, diz Giannetti. No mundo da política, porém, nem sempre querer é poder.

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Marina Silva gosta de conceitos. Muitas vezes, parece uma professora aplicada, disposta a entrar em minúcias para se fazer entender pelos alunos. É sempre firme, mas também sempre simpática. A campanha eleitoral não mudou seu jeito. Ela retocou a pintura, não ajeita mais os cabelos num coque muito alto e ainda gosta dos vestidões que chamavam a atenção mesmo quando frequentava o colégio de freiras. Magérrima e bem-humorada, ela conta que algumas fãs a abordam de um modo surpreendente: “Sabe o que mais invejamos na senhora? São suas saboneteiras.” Marina diz que jamais pensou em ser elogiada pelas clavículas salientes.
Junto com o candidato a vice, o empresário Guilherme Leal, Marina explicitou seus planos para o Brasil numa entrevista exclusiva à equipe de editores e articulistas de ISTOÉ. A seguir, publicamos os principais trechos da entrevista:

Istoé – A candidata Dilma Rousseff se apresenta ao eleitor como a extensão do governo Lula. Serra como uma espécie de pós-Lula. E a sra., como se define?
Marina – Eu acho que pós-Lula todos somos. O Brasil está fechando um ciclo de 16 anos em que conseguimos estabilidade econômica e quebramos o paradigma de que primeiro tinha que crescer para depois dividir o bolo. Neste período, se distribuiu e cresceu ao mesmo tempo. Mas o que a gente faz com isso? Considera o fim da história ou, em cima desse acúmulo positivo, se transita para o futuro? Temos dito que não estaremos nem à esquerda nem à direita, estaremos à frente. Porque é disso que o Brasil e o mundo precisam: integrar as conquistas do século XX para transitar para o que chamamos de economia do século XXI.
Istoé – A sra. acha que temos condições de fazer isto?
Marina – O Brasil é o país que reúne as melhores condições. Já somos um país industrializado, com uma base de conhecimento e um avanço tecnológico razoáveis, e temos a imensa vantagem de nossos recursos naturais. O Brasil pode ser neste século XXI aquilo que foram os EUA no século passado. Mas para isso precisamos, além de ter essa visão generosa de um país capaz de integrar desenvolvimento e preservação dos recursos naturais, criar o processo e as estruturas adequadas para encaminhar esta visão.
Istoé – A sra. se considera a candidata ideal para implementar este futuro?
Marina – Seria muito pretensioso eu dizer que sou a candidata que antecipa o futuro. Mas participo deste movimento que acha que é preciso antecipar o futuro. É o futuro das energias limpas.
Istoé – Ao final de quatro anos a sra. acredita que poderá se orgulhar de ter feito o quê?
Marina – Já estou orgulhosa por termos feito o Brasil se posicionar de acordo com as exigências deste século, que já sabe que os recursos naturais são finitos. E já sabe que o nosso grande diferencial é contarmos com 11% da água doce do planeta e 22% das espécies vivas. Temos a maior área terrestre isolada do planeta e uma grande parte agricultável. Eu me sentirei orgulhosa se o Brasil for capaz de se colocar no lugar de potência ambiental.
Istoé – E como se caminha para isto?
Marina – Precisamos criar uma nova narrativa para os nossos produtos. Basta fazer o dever de casa, passando no teste e não mudando o teste como tentaram fazer aqui. Quando as pessoas falavam que o governador Blairo Maggi tinha se convertido ao ambientalismo, eu passava por cética. É que eu sabia o que estava acontecendo em Mato Grosso. Saí do governo porque o governador de Mato Grosso queria contrapor os dados do Inpe, que acompanha desmatamento com altíssima tecnologia, reconhecida no mundo inteiro, aos de uma Secretaria de Meio Ambiente que tinha acabado de ser criada. O secretário, por sinal, foi agora preso numa operação. Eles estavam fazendo apenas fraude política com a questão ambiental e prejudicando o agronegócio do Brasil. Mas saí vitoriosa e quem fez a opção pelo que dizia o Mangabeira, pelo que dizia o Blairo e pelo que dizia o ministro da Agricultura, se não está politicamente derrotado, eticamente está.
Istoé – A sra. ficou chocada com o que enfrentou no governo?
Marina – Não consigo me vitimizar nessa relação. Não quero fazer isso. Nunca vou fazer isso. Eu tinha grandes aliados: os ministros Ciro Gomes, Luiz Dulci, Tarso Genro, Márcio Thomaz Bastos. O ministro da Defesa sempre foi meu aliado também. Seria impossível prender 725 pessoas, fazer 25 operações da Polícia Federal, acabar com 1.500 empresas criminosas, inibir 35 mil propriedades de grilagem na Amazônia se não contasse com uma base de apoio.
Istoé – Seu maior enfrentamento não foi com a ministra Dilma, então?
Marina – Não posso reduzir a questão à Dilma. Eu discutia as questões de mérito com os ministros dos Transportes, de Minas e Energia, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e da Ciência e Tecnologia.
Istoé – Nestes momentos a sra. já pensava em sair candidata à Presidência da República?
Marina – Não. Para mim isso se colocou como uma equação a ser resolvida quando o PV me fez oficialmente o convite.
stoé – A sra. guarda alguma mágoa do presidente Lula?
Marina – De jeito nenhum. Aliás, de ninguém, graças a Deus. Tenho carinho, respeito e gratidão por ele. Eu tenho um investimento de 30 anos no presidente Lula, defendendo-o das piores injustiças. Hoje, quando eu vejo minha fé ser atacada como se eu fosse uma pessoa fundamentalista, enxergo a época em que atacavam o Lula.
Istoé – Muitos empresários entendem ser incompatível manter a taxa atual de crescimento com essas suas propostas de investir mais em energias limpas, abrindo mão de investimentos como Belo Monte. Como a sra. vê isso?
Marina – É perfeitamente possível. Quem disse que as energias limpas são incompatíveis com a geração de energia?
Istoé – Na quantidade necessária?
Marina – Sim, a nossa maior fonte de geração, 64%, é hidroeletricidade.
Istoé – E por que não Belo Monte?
Marina – A pergunta é: foram resolvidos os problemas de Belo Monte? Há 20 anos que a índia Tuíra botou o facão no pescoço do diretor da Eletrobras e os mesmos problemas seguem ali presentes. Não ouviram as comunidades indígenas, não resolveram os problemas de impacto ambiental em relação ao rio Xingu. Vai um contingente de 100 mil pessoas só para fazer a obra. E agora ainda apareceu a questão da viabilidade econômica do empreendimento. Ele é praticamente subsidiado pelo governo. Não adianta a gente fazer vista grossa para os problemas reais que Belo Monte tem.
Istoé – Há alguma hidrelétrica que a sra. aceita como modelo?
Marina –Todas têm impacto ambiental. O problema é a capacidade de suporte dos ecossistemas em relação a esses impactos. Há um empreendimento pequeno, São Salvador, para 400 megawatts, que levou seis meses para a gente licenciar. Os estudos de impacto ambiental eram exemplares, foram benfeitos.
Istoé – Mas há algum exemplo de maior porte?
Marina – Vários empreendimentos que foram viabilizados na minha gestão. O mais complexo foi a usina do Madeira. Quando cheguei tinha 45 obras na Justiça e resolvemos todos. Depois da minha saída, o presidente do Ibama estava com 17 processos.
Guilherme Leal – Eu queria qualificar essa questão do crescimento. Acho que não se advoga crescimento igual ao da China. O Brasil não está preparado para crescer a taxas de 7% a 10%. Nós não temos poupança de investimento para sustentar crescimento a esses níveis. Quem disser que é capaz de virar esta equação é populista.
Istoé – O Partido Verde tem quadros suficientes para dar resposta a esses desafios?
Marina – A sociedade brasileira tem e isso é uma das coisas que estamos inovando. Se formos pensar só no nosso partido, obviamente não temos. Mesmo o PT, que possui 1,6 milhão de filiados, precisou buscar quadros como Meirelles, Furlan, Roberto Rodrigues...
Istoé – A sra. quer PT e PSDB no seu governo?
Marina – Eu diria que há excelentes quadros em ambos e que ninguém poderia abrir mão deles.
Istoé – A sra. teve uma infância duríssima e um histórico de doenças, com cinco malárias, três hepatites, uma leishmaniose e ainda contaminação por mercúrio. Como está sua saúde hoje?
Marina – Graças a Deus está muito bem. Tenho saúde para ser presidente da República. De fato, enfrentei vários problemas na minha vida. Hoje estou bem, graças a Deus e a tantos médicos e à ciência que me ajudou. Eu inclusive tenho uma gratidão enorme pelo Estado de São Paulo. Todas as vezes que os médicos diziam que não tinha jeito para mim, na minha inocência, mas também por intuição, eu pensava: “São Paulo tem médico bom que vai me ajudar.” Quando, aos 19 anos, um médico previu minha morte, eu, uma menina ainda muito tímida, falei que queria sair do hospital. Assinei os documentos e vim para São Paulo, para o Hospital São Camilo.
Istoé – Como o presidente Lula a sra. teve uma origem humilde, mas, diferentemente dele, sempre estudou, buscou se aprimorar. Como a sra. compara estas situações?
Marina – São trajetórias diferentes, com oportunidades diferentes e que não podem ser comparadas. É assim mesmo: os seres humanos são diferentes e únicos no mundo. A vantagem do presidente Lula é que ele é uma pessoa fenomenal ou não estaria onde está. Como lideranças, a gente tem que manejar o tempo todo essa coisa do exemplo que está passando para as pessoas...
Istoé – Em alguns discursos, o presidente parece elogiar a falta de estudo...
Marina – Quando ele faz isso obviamente não é educativo. Mas também se eu disser: “Olha, é possível, se você estudar, se você se esforçar, virar ministro, virar Pelé” igualmente não seria educativo. Sou uma exceção e a educação tem que ser a regra de oportunidade para todas as pessoas. Vim de um seringal que tinha cerca de 300 famílias e apenas uma pessoa, entre todas, conseguiu fazer faculdade, começando pelo Mobral aos 16 anos. Logo, eu não posso usar isso como uma regra. Foi uma pequena fresta que caiu para uma pessoa em um palheiro, o que só prova uma coisa: se as crianças tiverem educação de qualidade, da educação infantil à universidade, todos têm as mesmas potencialidades. Muitas pessoas às vezes tentam até me usar: “Eles são preguiçosos, veja você como conseguiu, venceu.” Eu não posso me prestar a esse tipo de coisa.
Istoé – E em relação ao presidente Lula?
Marina – Às vezes, na tentativa de comunicar, ele simplifica demais as questões e desfavorece essa coisa educativa. Mas não quero ser injusta com Lula. Estamos falando aqui de análise de discurso. Para que não pairem dúvidas sobre o que eu penso: foi no governo Lula que saímos de 600 mil vagas nas universidades para mais de um milhão. O governo dele criou muitas oportunidades para muita gente.
Istoé – Um dos papéis do vice na campanha é alinhavar um pouco de apoio empresarial à candidatura. Como isso está acontecendo, qual a receptividade?
Guilherme Leal – Não estou na função de arrecadador para a campanha. Mas obviamente uma campanha não se faz sem recursos. Eu acho que a sociedade brasileira, incluindo o empresariado, percebe na candidatura Marina Silva a relevância de um projeto novo para o País. Acredito que esse empresariado está disposto sim a aportar recursos para fazer com que essa campanha possa prosperar. Claro, não nos consideramos os primos ricos dessa família de competidores. Sabemos que corremos por fora, que temos 12% das pesquisas e isso tem um rebatimento nos recursos de campanha.
Istoé – Quanto o sr. vai doar para a campanha?
Guilherme Leal – Esta é uma pergunta que não tem resposta, até porque a doação não está absolutamente definida.
Istoé – A sra. vai aceitar doação de bancos e de empreiteiras? Há algum limite estabelecido?
Marina –Temos feito essa discussão. Queremos que tudo seja transparente e, em hipótese alguma, a função do Guilherme nesse processo pode ser reduzida a isso. Ele é uma liderança, um dos melhores filhos do setor empresarial brasileiro.
Istoé – E um canal privilegiado para o setor empresarial?
Marina – Exatamente. É alguém que foi capaz de antecipar o futuro, há 30 anos, com uma pequena empresa. Mostrou que era possível juntar valores a um empreendimento próspero. Queremos muitos contribuindo com pouco e alguns, na medida do possível, contribuindo com um pouquinho mais. Toda vez que eu pego carona no avião do Guilherme ele doa a hora-voo para o Partido Verde para não ficar essa história de que Marina está pegando carona no avião do Guilherme.
Istoé – Qualquer doador é bem-vindo?
Marina – Se o Blairo Maggi, por exemplo, quisesse doar para mim, eu não ia aceitar.
Istoé – Tem que ter ficha limpa para a doação?
Marina – Você também não pode presumir nenhum tipo de condenação. Mas indústrias de armamentos decidimos que não. É uma questão simbólica, porque defendemos uma cultura de paz. A indústria de tabaco também não.
Istoé – De uma empresa como a Vale do Rio Doce, a sra. aceitaria contribuições?
Marina – Acho que sim. Aceitei a contribuição da Vale para fazer a conferência do meio ambiente. Não é uma empresa marginal. É uma mineradora que faz coisas de forma correta, sustentável, que não invade terra de índios, não vejo problema.
Guilherme Leal – Quem contribuir para a campanha da Marina não receberá medalha de bom cidadão, nem certificação, nem direito a qualquer retorno. Este é o critério.
Istoé – Qual é seu plano para a educação?
Marina – O Brasil está à beira de um apagão de recursos humanos. Faltam engenheiros, geólogos, químicos. Falta gente inclusive para os investimentos do pré-sal. Hoje as empresas já estão cheias de pessoas que vêm da China, da Índia. Um país começa a se desqualificar para o futuro quando não é capaz de suprir os empregos qualificados com seus próprios filhos. Nosso país ainda tem 15 milhões de jovens analfabetos. Aqui o professor não é valorizado, não temos um processo de formação continuada. Se você fizer um concurso para juiz, pode ser no cafundó do Judas, que a pessoa vai lá e toma posse. Agora, um professor não consegue ser deslocado nem para o bairro periférico mais próximo do centro de São Paulo. Na classe média, quando um sonhador diz que quer ser professor, os amigos tentam dissuadi-lo.
Istoé – O que é necessário para mudar isto?
Marina – O professor necessita de tripla valorização: uma valorização simbólica do papel do professor, a remuneração e a qualificação. E as escolas precisam ser premiadas pela melhora que conseguem em relação a si mesmas. Com isto se evitaria um ciclo vicioso: só vai dinheiro para qualificação das escolas que já têm melhor desempenho. As de desempenho pior são castigadas. E sem apoio vão ficar ainda piores. Devemos dar uma cesta de oportunidades para todas e se a escola, em relação a si mesma, melhorar, se aumentam os recursos para ela.
Istoé – E os recursos para isto?
Marina – Estamos falando em aumentar, de cara, o investimento em educação que hoje é de 4% do PIB para 5%. E até 2014 chegarmos a algo em torno de 10%. Temos um dreno de 3% do PIB só com a corrupção.
Istoé – Que métodos a sra. utilizaria para acabar com a corrupção?
Marina – O combate à corrupção depende de duas coisas: de pessoas virtuosas para criar instituições virtuosas e de instituições virtuosas para corrigir as pessoas quando elas falham em suas virtudes, porque todos falhamos. Então é necessário um Tribunal de Contas independente, um Ministério Público atento e um Congresso com autonomia para fazer essa fiscalização.
Istoé – A sra. já falou que Dilma, Serra e Lula extrapolam a lei na campanha eleitoral. Essa constante transgressão que se vê está ligada à cultura da impunidade que costuma permear o meio político?
Marina – É isso que eu falo: a virtude das pessoas é a virtude das instituições. Mas temos um problema: o hiato entre a pré-campanha e a campanha. Não há uma lei que regulamente como deve ser o comportamento até a oficialização do nome na convenção. E, na falta do regramento, as pessoas vão pela linha cinzenta de extrapolar, o que não poderia acontecer, principalmente quando se trata do presidente da República.
Istoé – Como a sra. vê a política pública de combate às drogas no Brasil?
Marina – No caso do crack, o governo acabou de lançar um programa que é muito baseado nas contribuições que foram apresentadas em setembro do ano passado ao ministro Tarso Genro pelo Luiz Eduardo, que é um dos meus coordenadores na parte de segurança. Eu defendo, inclusive, uma reforma na segurança pública no Brasil. Sem isto vamos ficar fazendo puxadinho em cima de puxadinho, enquanto a base está deteriorada.
Istoé – E em relação à maconha?
Marina – Existem pessoas sérias que defendem a liberalização da maconha. Eu defendo que se faça um plebiscito para que a população possa debater esse assunto. Eu não faço um discurso moralista para cima dos que defendem, como se fossem pessoas degradadas que estão propondo destruir os nossos jovens. Não, são pessoas sérias, como o ex-presidente Fernando Henrique, o Gabeira e tantos outros. Mas eu acho que a maconha também é uma porta de entrada para outras drogas.
Istoé – Sobre a questão do aborto e da união entre pessoas do mesmo sexo a sra. também fará um plebiscito?
Marina – Essa questão não tem como ser apenas prática. É por isso que entra o plebiscito. O que está colocado aí é a questão da vida da mulher que faz isso e também da vida que a sociedade protege como um princípio. Temos todos esses aspectos filosóficos, morais, éticos, científicos.
Istoé – A sra. tem arrebatado muito apoio, mas nas pesquisas seus índices não têm se alterado muito. A sra. acredita numa virada?
Marina – No livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, o personagem diz sobre uma moça: “Bonita, porém coxa. Mas por que coxa se bonita? Mas por que não bonita se coxa?” Parece isso quando falam que eu arrebato, mas não tenho voto. Por que arrebata se não vota? Por que não vota se arrebata? Nós estamos apenas no começo e 12% nesse começo é muita coisa. O presidente Lula está há três anos falando da Dilma. O governador Serra era candidato desde que perdeu e o Ciro Gomes estava até um dia desses empatado comigo. É um bom começo.

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