"O Macaco e a essência", de Aldous Huxley.
Por recomendação de uma amiga, que também me fez a gentileza de me emprestar seu exemplar (valeu demais, Maíra), estou lendo um livro pouco conhecido (ou não tão celebrado) de Aldous Huxley, autor dos clássicos modernos “Admirável mundo novo” e “As portas da percepção”. Sob o título de “O Macaco e a essência”, foi publicado pela primeira vez em 1948 (mesmo ano da publicação de 1984 de Orwell), sob forte impacto das explosões nucleares em Hiroshima e Nagasaki, e é uma interessante alegoria sobre a estupidez humana no trato com o “progresso” e os avanços científicos, magnificamente ilustrada na imagem surreal de fileiras de macacos uniformizados saudando generais igualmente símios que mantém encoleirados representações do físico Albert Einstein. A princípio temi que fosse um livro chato de ler pelo fato de ser escrito como um roteiro de cinema, mas logo vi que estava enganado. O formato de roteiro não é seguido à risca, cumpre mais uma função ilustrativa numa curiosa concepção de que a história relatada , de autoria de um misterioso escritor anônimo e desaparecido, teria sido encontrada por acaso.
A narrativa nos transporta ao futuro, rumo a um mundo devastado pela terceira guerra mundial que, devido aos progressos no desenvolvimento da tecnologia na confecção de armas de destruição em massa, durou apenas 3 dias. O que restou da “humanidade” tenta sobreviver num arremedo de “nova ordem” sustentada na crença de que o responsável pela tragédia foi Belial, Beelzebu, o senhor da moscas – ele mesmo, o demônio em pessoa. Por conta disso, desenvolvem um curioso culto religioso baseado na idéia de saciar os anseios de morte nefastos do capeta com o único objetivo de ganhar tempo, viver mais um dia. Exatamente como se faz tendo um pedaço de carne nas mãos e encontrando-se diante de um tigre enfurecido – sacia-se momentaneamente a fome da fera na tentativa de obter mais alguns minutos de vida. A filosofia por trás da nova religião é explicada de forma brilhante ao personagem Poole, um botânico vindo do único lugar que escapou à devastação, a Nova Zelândia, por um sacerdote, em meio a uma orgia regada a sangue de bebês sacrificados ao “coisa ruim” por terem nascido deformados, fato este que também serve como motivo para severos castigos a suas progenitoras. Assim como na Bíblia e em praticamente todas as religiões conhecidas, a mulher á apontada como causa de todo o mal e tratada como pária, mero instrumento de reprodução – daí o castigo por terem gerado um fruto imperfeito que, em todo caso, acaba servindo de alimento para a besta imaginária. Um ponto em comum com “1984” de Orwell, “Nós” de Zamiátin e diversos outros romances distópicos, é que a redenção acaba vindo do amor despertado em Poole por uma dessas mulheres, que convence o personagem a esquecer a moral repressora herdade de sua formação cristã protestante e alimentada por uma ligação doentia com sua mãe (ele tem quase 40 anos e ainda é virgem) e sucumbir aos “fatos da vida”. Interessante também ressaltar, no discurso do sacerdote, uma aguda percepção de que mesmo que a “coisa” (a guerra) não tivesse acontecido a humanidade como a conhecemos fatalmente sucumbiria devido ao uso irracional dos recursos naturais decorrentes da escravidão do homem à máquina, processo iniciado com a revolução industrial - e, claro, orquestrado e manipulado ocultamente pelo demônio. Quer discurso mais atual que este ? Aldous Huxley era um visionário, sem sombra de dúvidas.
O livro é curto e dividido em apenas dois capítulos. O primeiro, mais sucinto e com uma narrativa romanceada convencional, serve como uma espécie de introdução ao nos apresentar dois amigos ligados à indústria cinematográfica de Hollywood que se deparam por acaso com o roteiro do misterioso e anônimo Tallis. O segundo é o roteiro em si, reproduzido na íntegra. Começa com uma viagem surreal repleta de metáforas e imagens alegóricas um tanto quanto desconfortáveis, com detalhes descrevendo o tipo de música que se deve tocar ao fundo, por exemplo, mas logo adquire consistência e a leitura passa a fluir de forma elegante e prazerosa, sem vocabulários exageradamente rebuscados ou qualquer resquício de hermetismo. Foi relançado recentemente pela Editora Globo e pode ser facilmente encontrado nas livrarias, ao preço (um tanto quanto salgado) de trinta e poucos reais, em média ( http://compare.buscape.com.br/o-macaco-e-a-essencia-aldous-huxley-8525037060.html?pos=1 ). Em todo caso, clique AQUI para baixar a obra na íntegra, em pdf, caso não se incomode em ler no formato digital. O texto disponível é a tradução de João Guilherme Linke, a mesma que estou lendo, numa edição de 1966.
por Adelvan.
de nada! super texto!!!!
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