segunda-feira, 31 de maio de 2010
Morreu O Selvagem da motocicleta
Sem destino. É a tradução brasileira p/ EASY RIDER, o melhor filme sobre moto de todos os tempos. “Get your motor runnin’/ Head out on the highway/ Lookin’ for adventure/ And whatever comes our way”...
Numa cidade do México, os motoqueiros Wyatt e Billy conseguem – por meios ilícitos – dinheiro suficiente p/ caírem na estrada em uma viagem de costa a costa nos EUA, numa jornada de ‘redescobrimento’ da América. Com a grana muvucada em mangueiras dentro dos tanques de gasolina, os jovens, loucos e rebeldes saem queimando tudo pela Interstate 40 e a Highway 160...
Lançado em 1969, Easy Rider foi o 1º blockbuster de uma nova geração de diretores que iria quebrar convenções e salvar Hollywood do ostracismo [como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese e George Lucas], c/ lucro 10X superior ao seu baixo custo de US$ 400.000. Além disso, lançou Peter Fonda – irmão de Jane e pai de Bridget – ao estrelato e retratou o espírito de uma geração ao mesmo tempo em que antecipou o fim do sonho hippie.
Prêmio de Melhor Filme de um Novo Diretor no Festival de Cannes p/ Dennis Hopper, então c/ 32 anos, protagonista ao lado de Fonda. O roteiro, escrito pelos dois junto a Terry Southern [autor de Dr.Strangelove], também recebeu uma indicação ao Oscar. “Easy Rider foi o primeiro filme independente a ser distribuído por um grande estúdio!”, bradava.
Apesar de ser O CARA na virada dos 60 pros 70, Hopper já estava em cena desde que atuou ao lado do mito James Dean nos filmes Rebel Without a Cause [no Brasil, ‘Juventude Transviada’] e Giant [‘Assim Caminha a Humanidade’], ambos de 1955. Na década seguinte, participa de clássicos do faroeste – Rebeldia Indomável e Bravura Indômita – e torna-se amigo do produtor Roger Corman, rei dos filmes B, e do ator Jack Nicholson, rei dos doidões. Com eles, participou da 1ª película sobre os Hell’s Angels: The Wild Angels, de 1966.
TOP CHOP - “Yeah, darlin’ gonna make it happen/ Take the world in a love embrace/ Fire all of the guns at once and/ Explode into space”...
’69 foi um ano quente nos EUA: festival de Woodstock, eleição de Nixon, auge da guerra do Vietnã, assassinato de 2 líderes políticos [Robert Kennedy e Martin Luther King]. Sem Destino surge neste contexto capturando o clima incerto de uma era de mudanças. Os anti-heróis da história eram maconheiros vivendo à margem da sociedade, que perturbam o status-quo somente c/ as suas presenças aonde chegam.
“Dois jovens em busca da liberdade que encontram a realidade”, resume o pessoal do Mamutes – não a banda de rock, mas o site do motoclube. A trilha sonora é primorosa, c/ Jimi Hendrix, Bob Dylan, The Band, Steppenwolf em seu auge tocando o hino de uma geração... E as motocas! Harley-Davidson modelo Chopper, 1200 cilindradas de potência sobre duas rodas. “Peter Fonda comprou 4 motos num leilão da polícia, elas eram Harleys equipadas com motor ‘Panhead’, uma 1950, duas 1951 e uma 1952”, conta o Mamutes: “Com a ajuda de Cliff Boss foram montadas duas motos de cada.”
As motos foram batizadas de Capitain America e Billy Bike. “Fonda foi o responsável pelo desenho da Capitão América, para o qual se baseou no estilo das motos californianas da época. A moto de Hopper, que não tinha experiência nesse estilo, teve seu guidão mais baixo e freio na roda dianteira para facilitar a pilotagem e minimizar o risco de acidentes.”
As Choppers foram criadas quando os donos da Harley resolveram desenvolver motocicletas mais leves, como as inglesas, sem perder o estilo próprio. Retiraram então todo o peso desnecessário – setas, buzinas, paralama dianteiro, assento do garupa – e reduziram o sistema de frenagem. Alongaram os garfos dianteiros e levantaram o guidon p/ cortar o ar e assim ter estabilidade nas rodovias. Como a lei exigia espaço pro carona, introduziu-se um ‘sissy bar’ [o famoso ‘santo antônio’]. Nascia um ícone.
Falando em mitos, Dennis Hopper participou de mais de 200 produções p/ o cinema e a TV em quase 60 anos de carreira. Dirigiu documentários e atuou em alguns dos maiores clássicos do cinema moderno, como Apocalipse Now e O Selvagem da Motocicleta, de Coppola, e Veludo Azul, de David Lynch.
Após prisões e internamentos por abuso de álcool e drogas, ‘encaretou’ na década de 80. Coincidência ou não, passou a aceitar qualquer trabalho que lhe oferecessem. Em 1988 dirigiu Colors [no Brasil, ‘As Cores da Violência’], o 1º filme a retratar o conflito de gangues em Los Angeles. Dois anos depois faria Catchfire [‘Atraída pelo Perigo’], estrelado por Al Pacino, e Hot Spot [‘Um Local Muito Quente’].
Mesmo nos anos 90, quando se especializou nos papéis de vilões em bombas hollywoodianas [Speed, Waterworld, etc.], ainda mostrava lapsos de brilhantismo. Em sua participação no filme Amor à Queima-Roupa, de Tony Scott [c/ roteiro de Quentin Tarantino], interpretando um aposentado que mora num trailer e é torturado por mafiosos italianos por causa da dívida do filho vigarista, divide uma cena memorável c/ Christopher Walken, na qual zoa seus algozes diante do inevitável destino, dizendo que os sicilianos têm cabelo crespo por causa dos mouros que invadiram a Itália e comeram suas tataravós.
DENNIS TROUT - “I like smoke and lightnin’/ Heavy metal thunder/ Racin’ with the wind/ And the feelin’ that I’m under”...
‘Chopper’ Hopper morreu neste sábado, aos 74 anos, em sua casa na praia de Venice, CA, cercado pela família e amigos. Sua última aparição pública foi em 26 de março, quando recebeu a estrela na Calçada da Fama do Sunset Boulevard, em Los Angeles. “Vocês me ofereceram uma vida que eu jamais poderia ter tido sendo um menino de Dodge City, no Kansas”, falou na ocasião. Irônico que um dos caras c/ mais ‘culhões’ em Hollywood tenha morrido de câncer de próstata, mas assim é a vida.
“Nós tínhamos atravessado a década de 1960 e ninguém tinha feito um filme sobre fumar maconha sem matar um monte de enfermeiras.” Workaholic, atuou em 25 filmes nos últimos 10 anos – só em 2008 foram 6! Ano passado, mesmo doente, participou da série Crash, versão televisiva do filme homônimo vencedor de 3 Oscar. “Eu fui abençoado por sua paixão e amizade”, lamentou Peter Fonda, após a notícia do falecimento do amigo: “Juntos, rodamos pelas estradas dos Estados Unidos e mudamos a forma como filmes eram feitos.”
“A produção foi uma bagunça", escreveu João Solimeo no blog Câmera Escura, “Hopper não tinha idéia de como se fazia um filme, era extremamente violento e egocêntrico e tão viciado que tinha marcado, no roteiro, que tipo de droga usaria para interpretar cada cena.“ As informações são do livro Easy Riders Raging Bulls, de Peter Biskind, traduzido no Brasil p/ 'Como a Geração Sexo, Drogas & Rock'n'Roll Salvou Hollywood': “Hopper não conseguia finalizar o filme e os financiadores tiveram que tirá-lo dele, cortando-o para uma duração apropriada. O filme acabou sendo um sucesso inesperado e deixou os estúdios sem saber o que fazer.“
“As últimas fotos dele que eu tinha visto mostravam quase um cadáver ambulante, terrível mesmo”, comentou Allan Sieber em seu blog: “Um cavalo selvagem & louco desse naipe não merecia passar pelo papelão de definhar em público. Era hora de sair de cena mesmo. Lembrei de Paris Trout, filme pouco citado onde ele simplesmente destrói.”
Easy Rider é um dos poucos road movies autênticos já feitos. Toda a equipe de filmagem viajou junto c/ Wyatt e Billy pelas cidades de Needles, na Califa, Selingman, no Arizona, Morganza, na Louisianna, etc. A caminho do Texas, a produção foi ‘aconselhada’ pelos nativos a não gravar nada, mas Hopper estava decidido a rodar algumas cenas em Taos, onde morou por 15 anos. Após 1 dia de estrada e 1 acampamento, conseguiram filmar convencendo os caipiras de que compartilhavam de suas idéias racistas. Os ‘rednecks’ chegaram a participar do filme, mas a paz acabou quando o xerife flagrou o grupo de cabeludos californianos bebendo num bar p/ negros. “A música e a diversão eram bem melhores!”
Dennis Hopper foi o fotojornalista de Apocalipse Now, o Frank Booth de Veludo Azul, o terrorista de Velocidade Máxima e o vilão caolho de Waterworld, mas será lembrado sempre como o motoqueiro fora-da-lei inspirado em Billy The Kid, de Sem Destino. “As pessoas fumavam maconha e tomavam LSD em todo o país, mas no cinema continuavam vendo Doris Day e Rock Hudson. Não havia sido feito nada até então. Eu queria que Easy Rider fosse como uma cápsula do tempo sobre aquele período.”
...“Like a true nature’s child/ We were born, born to be wild/ We can climb so high/ I never wanna die.” [Born To Be Wild, Steppenwolf]
por Adolfo Sá
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Lourenço Mutarelli
Fato: Lourenço Mutarelli é o melhor AUTOR de quadrinhos do Brasil. Pelo menos no meu ranking pessoal, ele é o número 1, posição conquistada por obras seminais como "Transubstanciação", "O Dobro de 5" e "Eu te amo, Lucimar". O Cara consegue ser MUITO bom tanto no traço quanto nos argumentos, algo raro em se tratando de quadrinhos nacionais (os badalados irmãos Moon e Bá, por exemplo, que estiveram inclusive dia desses no Roda Viva da TV Cultura, são muito bons no traço mas fraquinhos no argumento). Recentemente se revelou também um bom ator, ao participar da excelente adaptação de seu romance - sim, romance, o cara enveredou de vez pela literatura propriamente dita e, infelizmente, abandonou as grphic novels - "O cheiro do ralo". Não deixe, sob hipótese nenhuma, de ver este filme, é uma verdadeira obra-prima do cinema nacional, além de ser, provavelmente, o melhor papel do sempre excelente Selton Melo.
Abaixo, algo sobre Mutarelli - via Maringá, Paraná.
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O quadrinhista brasileiro mais premiado tem duas fases distintas. Depois de títulos mais agressivos, influência da síndrome de pânico, Mutarelli encontrou nas graphic novels policiais o sucesso internacional.
Nascido em abril de 1964, o paulista Lourenço Mutarelli é um dos mais conceituados artistas dos quadrinhos brasileiros, dentro do estilo quadrinhos de autor. Graças à uma doença chamada síndrome do pânico, também conhecida como psicose maníaco depressiva, sua carreira está dividida em duas fases.
A primeira, no início dos anos 90, com crises de ansiedade e depressão, criou obras mais agressivas, num estilo mordaz, cínico e que não traz muito orgulho ao artista atualmente. A segunda, no final da década de 90, com a doença sem tanta influência sobre o trabalho, envolve uma narrativa policial. Uma nova perspectiva de relação vida/trabalho ocasionada justamente pelas oportunidades oferecidas pelo mundo dos quadrinhos.
DESTINO PREMIADO - As personagens do universo de Mutarelli não são heróis. São pessoas comuns que sofrem das desgraças da vida como solidão, tem deficiências físicas, distúrbios de comportamento, desilusões amorosas e morrem. Afinal, ninguém foge de seu destino.
Como se não bastasse, Lourenço faz questão de explicitar a condição humana dando contornos bizarros e cruéis ao enredo. As histórias tem várias citações bíblicas e poéticas, além de referências de arte surreal e impressionista de pintores como Dali, Munch e Doré. E, também, de literatura, música latina, Velvet Underground e fatos banais do dia-a-dia, incluindo amigos como personagens.
Mutarelli começou como todo artista que trabalha fora dos padrões comerciais. Publicando suas histórias através dos fanzines, Lourenço conquistou respeito e admiração. Mas, ao apresentar seu trabalho em alguma editora do mercado, era comum ser recusado pela aparência "estranha" que conceituavam sua arte.
E foi justamente essa qualidade estranha que fez de Lourenço Mutarelli o quadrinhista brasileiro mais premiado. Além dos tradicionais prêmios Angelo Agostini e HQ Mix, também faturou a premiação de melhor obra na 1º Bienal de Quadrinhos do RJ.
FANZINES - Formado em Belas Artes em 1983, trabalhou no estúdio de Maurício de Sousa entre 1996 a 1998 e, depois, lançou seu primeiro fanzine batizado de " Over 12". A partir daí, entrou de cabeça no mercado alternativo, fazendo parceria com Marcatti e publicando em revistas como Tralha, Porrada, Pau-Brasil, Animal e Mil Perigos. Em 1991, lançou sua primeira graphic novel, "Transubstanciação". Com o sucesso da revista que já vendeu mais de 15 mil exemplares, encontrou o reconhecimento de público e crítica através das histórias em formato de livros.
Como influência, os clássicos Tintin, Flash Gordon e Spirit, passando pelo underground americano de Robert Crumb até os refinados europeus como Moebius e Hugo Pratt. O processo de trabalho é assim mesmo, como uma fermentação de várias coisas ao mesmo tempo, onde abusa da observação para captar seus roteiros e desenhos.
Considerando seu desenho sujo, questiona o recebimento de tantos prêmios, mas é meticuloso em criar ambientes fotografando cenas e praticando desenho de observação. Já a elaboração das personagens é estruturada através de livros de psicologia.
INTERNACIONAL - Depois de tantas personagens negativas, com rancor e melancolia, a narrativa policial da trilogia "O Dobro de Cinco", "O Rei do Ponto" e "A Soma de Tudo" do detetive Diomedes, levou a obra do quadrinhista até Portugal e Espanha.
Além dos quadrinhos, o artista também já fez capas de discos, ilustrações para livros de músicas e para Role Playing Games. Mas, o trabalho mais curioso é a série "Está Um Lindo Dia", onde refaz os traços de quadrinhistas famosos como Herge, Art Spielgmann, Angeli, Marcatti, Fernando Gonsales, entre outros, colocando bico de patos nas personagens.
Com uma carreira e estilo completamente diferente de qualquer outro autor brasileiro, Lourenço Mutarelli é mais original exemplo de merecido reconhecimento pela obra. Fazendo quadrinhos sem se importar com o mercado, o artista viciado em remédios sempre quis sobreviver, apesar de tantas crises depressivas. E, felizmente, Mutarelli foi salvo pelos quadrinhos.
Andhye Iore
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14:50 horas. Desço do metrô na estação Ana Rosa. É sábado, não há trânsito nas ruas nem tumulto nas escadas rolantes: São Paulo não se parece com São Paulo. A passos céleres, caminho alguns quarteirões rumo ao apartamento do cartunista, escritor e agora também ator Lourenço Mutarelli, 46, um dos meus autores brasileiros prediletos.
O primeiro desafio? Preparar-me para conviver, por alguns instantes, com seus cinco gatos - nutro um ódio descomunal, no meu interior, por esses animais. O segundo desafio? Não atrasar. Mutarelli tem o costume de ser pontual em seus encontros. Como marquei a entrevista para as 15 horas, ainda tenho 10 minutos.
Entre o metrô e a residência de Lourenço Mutarelli existem duas boas livrarias. Não resisto. Entro na primeira. Procuro. Olho. Não encontro. Chamo o atendente.
Quero uma edição de “O Cheiro do Ralo”. Ele me diz que está esgotada, não tem um exemplar há muito tempo. Saio decepcionado. Estou com os quatro livros de Mutarelli na bolsa, menos “O Cheiro do Ralo”.
Na segunda livraria, minha esperança novamente é despertada. Uma mulher responde que sim, tem a obra para me vender. E vai procurar. E volta de mãos vazias. Desisto. Saio da livraria. Caminho mais um pouco. Paro na frente do prédio, cujo número consigo lembrar muito vagamente.
Mas não é necessário conferir o papel que levo no bolso. No segundo andar do edifício, a prova de que o autor reside ali: um gato descansa na janela, como um suicida hesitando se arremessar. Entro no prédio ao som de fortes trovões. Olho para o céu. Nem havia reparado: é o começo da chuva.
Mutarelli abre a porta, estende a mão, me dá um sorriso. Com os pés, segura um dos gatos que tenta desertar corredor afora. Entro. Desvio de um outro gato. A sala é dominada pelos felinos e por uma absurda quantidade de livros. Sentamos. Ele, no sofá encostado na janela; eu, no outro sofá.
Tiro da bolsa meus livros, um bloco de notas e duas canetas. Antes que eu dispare a primeira pergunta, Mutarelli sugere um café. Vamos para cozinha, dois viciados em cafeína.
Infelizmente, eu digo, tive um problema com meu gravador e não vou registrar a nossa conversa. Eu gostaria tanto de guardar um registro, confesso. “Pôxa, que pena”, ele lamenta, enquanto prepara a bebida. Para o escritor, o gravador tem sido um recurso de extrema importância ultimamente.
“Minha memória é muito ruim. Esses dias, eu estava no carro e surgiu uma ideia muito boa. Mas esqueci. Lembro, apenas, que era muito boa. Agora, sempre saio de casa com o gravador”, diz, explicando a diferença existente entre o tradicional bloquinho de notas: “Quando eu gravo os textos, eles ficam mais espontâneos”. A outra função do gravador é auxiliá-lo a decorar as falas das peças teatrais que encena. Em cartaz com “Música para ninar dinossauros”, escrita e dirigida por Mário Bortolotto, Mutarelli teve apenas dois meses para decorar suas falas. Nesse período, quem foi seu maior companheiro? O gravador.
Além dos gatos, Mutarelli divide seu apartamento com a mulher – com quem está casado há 17 anos – e seu filho. A vida conjugal modificou a organização de sua produção artística. Ele adaptou sua rotina à de sua mulher e, enquanto ela saía de casa para o trabalho, Mutarelli retomava seus textos e desenhos.
Compartilhando a mesma opinião de Jorge Amado, o período matutino é o mais produtivo para o autor de “O Cheiro do Ralo”. Curiosamente, Lourenço Mutarelli não lê nenhum dos jornais espalhados na mesa da sala de jantar. À sua disposição, os exemplares da Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo permanecem intocados. “Minha mulher é assinante e separa os meus assuntos prediletos: medicina e página policial”.
A crítica - Quanto aos textos publicados sobre suas obras, o escritor enfatiza: “Não leio as críticas sobre meus livros”. Esse afastamento da produção crítica, segundo ele, deve-se ao fato de ser constantemente atacado pelos jornalistas e especialistas em literatura.
“É burrice achar que eu sempre vou fazer um livro melhor do que o outro. A Folha de S. Paulo, desde que recusei um trabalho que a empresa me ofereceu, sempre me ironiza, me ataca e desvaloriza a influência dos quadrinhos que eu levo para os livros”, diz.
E a Folha pegou pesado mesmo. Lembro Mutarelli da forte crítica publicada pelo jornal no lançamento de “A Arte de Produzir Efeito sem Causa”, publicado em 2008 e que venceria o 3º lugar do Prêmio Portugal Telecom no ano seguinte.
Na resenha veiculada, Alcir Pécora, professor de literatura da Unicamp, considerava o livro como “um gibi sem desenho”, classificou o enredo como “bobo” e ainda afirmou compreender a situação do leitor que, impaciente, “deixasse de lado o livro”. “Aquela crítica me travou. Eu estava no meu primeiro bloqueio criativo quando li, e não consegui escrever mais nada por um tempo”, lembra Mutarelli.
O primeiro bloqueio criativo aconteceu em 2008, durante o período de um mês que passou nos Estados Unidos, a convite da Companhia das Letras, para escrever uma história de amor que se passa na cidade. “O livro que eu fiz para a série ‘Amores Expressos’ é um livro de muitas divergências. Os editores acharam a obra muito confusa, me pediram para mexer no original e eu aceitei. Sinto, no entanto, que as mudanças prejudicaram a história. Eu não gosto desse livro”, diz, ressaltando que, no ano que vem, quando a editora pretende lançá-lo, voltará ao texto para modificá-lo. O motivo da crise?
“Acho que a falta de grana me tirou do foco do livro”, arrisca. No difícil mercado editorial brasileiro, mesmo já sendo um autor respeitado, Mutarelli não consegue viver apenas de literatura. “Com a grana que eu ganho vendendo livros, daria apenas para eu e minha família vivermos um mês”.
Ao mesmo tempo em que ignora as críticas negativas, Mutarelli também não se sente confortável ao ler os comentários que enaltecem suas obras: “Eu me sinto supervalorizado quando falam bem sobre meus livros”, conta. Na última edição da Festa Literária de Parati, a Flip, em 2009, o cantor, compositor e também escritor Chico Buarque elogiou, durante sua palestra, o estilo narrativo de Mutarelli, que carrega a influência dos quadrinhos para a literatura.
O escritor paulistano já sabia que Chico havia lido “O Cheiro do Ralo”. Um amigo em comum dos dois, que trabalha com produção de shows, apresentou os textos de Mutarelli ao escritor e mito vivo da MPB. “Foi bacana saber a opinião do Chico. Ele é um cara que eu respeito muito, mas isso não me deixou mais seguro no que faço”.
O escritor - O texto de Mutarelli é conciso, veloz, desesperado. Em diversos momentos, o autor escreve apenas uma palavra em uma linha, o que dá uma dinâmica bem mais rápida na condução da história. “Eu escrevo de ouvido. É um ritmo. Gosto de como a imagem se transforma no texto, mas quero fugir disso”.
Concernente à própria escrita, algumas coisas mudaram para Mutarelli entre 2004 e hoje. “Escrever era fácil. Agora, não é mais”, revela. Felizmente, para nós, leitores, não é uma crise de criatividade ou algo do gênero. Seguindo as manias e as neuroses incomuns de seus personagens, o escritor revela ter dificuldades em escrever, simplesmente, porque o teclado de seu novo laptop é irritante. “O teclado é pequeno, sempre erro ao digitar o texto, tudo isso me incomoda muito”.
Observando sua escrita de seu último livro, “Miguel e os Demônios” (2009) e “O Cheiro do Ralo” (2004), há algumas diferenças. Nas suas primeiras obras, “O Cheiro do Ralo” e “Jesus Kid” (2004), o autor usa, por exemplo, a expressão “viado”. Em outras obras recentes, publicadas pela Companhia das Letras, a expressão está de acordo com a norma culta da língua portuguesa: “veado”. Pergunto a Mutarelli sobre a mudança e ele fica surpreso. “Nunca prestei atenção nisso!”, diz. Sobre a troca realizada pela editora, ele afirma não se importar, embora considere “veado” uma expressão muito “afrescalhada”.
Outra mudança pode ser percebida na prosa poética apropriada pelo autor. “No começo, meu texto era muito mais poético”, reconhece. Em “O Natimorto” (2004), por exemplo, há passagens compostas basicamente por poesia, e é um romance. “Hoje, estou buscando uma escrita sem efeito”, diz.
Pergunto, então, para Mutarelli, a razão de nunca ter escrito um poema. A resposta do escritor revela o cuidado com sua proposta artística inovadora. “A poesia está tão desgastada, saturada, que é difícil dizer algo que já não foi dito. É difícil trazer algo novo”. Curiosamente, ele não se considera um escritor: “Acho que eu preciso me profissionalizar, ter uma rotina para escrever, publicar um livro por ano”, diz.
O Cheiro - Quando recebeu a proposta para vender os direitos de “O Cheiro do Ralo” para o cinema, Mutarelli nunca imaginou que a versão das telonas pudesse arrebanhar uma nova legião de fãs interessados por suas histórias e pela própria obra: “Achei que ninguém mais fosse atrás do livro”, confessa.
Nesse momento da conversa, ele sugere que peguemos mais um café. Vamos para a cozinha. Enquanto ele se dedica ao preparo, digo ao escritor que ler suas obras é observar, em cada enredo, a repetição constante da rotina de seus personagens.
Por quê? “A rotina é importante para mim. Ela é ruim, ela escraviza e mostra o quanto somos ridículos”, diz. A repetição das atividades diárias de seus personagens funciona, nos livros, como um recurso cômico muito peculiar de Mutarelli. Para o leitor, é impossível não contemplar as irascíveis ações do dia a dia sem esboçar um sorriso. “É um humor meio negro. Quando escrevo, também dou risadas”, confessa.
Outro tema recorrente em seus livros é o relacionamento familiar conturbado vivido pelos personagens. Com exceção de Jesus Kid, todas as histórias revelam as brigas, os desentendimentos e o desgaste da relação familiar. A estrutura da família, conturbada, foi, curiosamente, vivida pelo narrador, durante a infância.
“Hoje, com a minha nova família, nossa relação é muito melhor”. Então, é recorrendo a alguns aspectos autobiográficos que Mutarelli consegue retratar os problemas conjugais que, por sua vez, justificam a profundidade psicológica dos personagens de seus enredos, geralmente rocambolescos. O café já está quente. Ele serve a bebida na minha xícara. Mutarelli caminha equilibrando sua caneca nas mãos. Eu ando com o bloco de notas, a caneta e a xícara. Quem se dá mal no trajeto entre a cozinha e a sala é um de seus gatos, que acaba tingido por um tanto de café derramado. Mutarelli pede perdão ao felino.
Tomo o último gole da minha bebida. O café acabou. Encerro a entrevista. Pego os quatro volumes que trouxe, entrego a Mutarelli e “exijo” que sejam assinados. Na dedicatória, ele faz um autorretrato na minha dedicatória: raridade de colecionador. Enquanto Mutarelli assina os livros, lembro de uma questão importante, que quase esqueço num canto isolado da minha fraca memória. Você acha que sua obra vai resistir ao tempo? Lourenço Mutarelli para.
“Nunca tinha pensado nisso”, responde. Olha para São Paulo, talvez à procura de mais uma resposta, com a serenidade de um monge tibetano. Noto, pela primeira vez, a semelhança dele com o “homem da propaganda do Bom Bril”, como ele mesmo descreve o protagonista de “O Cheiro do Ralo”.
Para Mutarelli, que há poucos minutos atrás afirmou jamais ter tido “a pretensão de escrever uma obra de arte”, a resposta é sim, sua arte resistirá ao tempo: “‘Transubstanciação’ foi relançado em 2004, uma década depois da primeira edição e fez mais sentido na época”, recorda.
Mutarelli encerra a sessão de autógrafos e me entrega os volumes. Coloco tudo na bolsa. Agradeço. Agradeço o café. Agradeço a entrevista. Agradeço os livros escritos e as boas horas de literatura que ele me proporcionou. Já estou em frente ao elevador. Agradeço novamente. Volto para apertar sua mão. Deixo o edifício com alguns pingos de chuva molhando-me a cabeça. Caminho. Paro um instante. Volto para a frente do prédio: o gato branco, gordo, continua contemplando São Paulo do 2º andar.
Publicada em O Diário do Norte do Paraná.
por Alexandre Gaioto
Abaixo, algo sobre Mutarelli - via Maringá, Paraná.
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O quadrinhista brasileiro mais premiado tem duas fases distintas. Depois de títulos mais agressivos, influência da síndrome de pânico, Mutarelli encontrou nas graphic novels policiais o sucesso internacional.
Nascido em abril de 1964, o paulista Lourenço Mutarelli é um dos mais conceituados artistas dos quadrinhos brasileiros, dentro do estilo quadrinhos de autor. Graças à uma doença chamada síndrome do pânico, também conhecida como psicose maníaco depressiva, sua carreira está dividida em duas fases.
A primeira, no início dos anos 90, com crises de ansiedade e depressão, criou obras mais agressivas, num estilo mordaz, cínico e que não traz muito orgulho ao artista atualmente. A segunda, no final da década de 90, com a doença sem tanta influência sobre o trabalho, envolve uma narrativa policial. Uma nova perspectiva de relação vida/trabalho ocasionada justamente pelas oportunidades oferecidas pelo mundo dos quadrinhos.
DESTINO PREMIADO - As personagens do universo de Mutarelli não são heróis. São pessoas comuns que sofrem das desgraças da vida como solidão, tem deficiências físicas, distúrbios de comportamento, desilusões amorosas e morrem. Afinal, ninguém foge de seu destino.
Como se não bastasse, Lourenço faz questão de explicitar a condição humana dando contornos bizarros e cruéis ao enredo. As histórias tem várias citações bíblicas e poéticas, além de referências de arte surreal e impressionista de pintores como Dali, Munch e Doré. E, também, de literatura, música latina, Velvet Underground e fatos banais do dia-a-dia, incluindo amigos como personagens.
Mutarelli começou como todo artista que trabalha fora dos padrões comerciais. Publicando suas histórias através dos fanzines, Lourenço conquistou respeito e admiração. Mas, ao apresentar seu trabalho em alguma editora do mercado, era comum ser recusado pela aparência "estranha" que conceituavam sua arte.
E foi justamente essa qualidade estranha que fez de Lourenço Mutarelli o quadrinhista brasileiro mais premiado. Além dos tradicionais prêmios Angelo Agostini e HQ Mix, também faturou a premiação de melhor obra na 1º Bienal de Quadrinhos do RJ.
FANZINES - Formado em Belas Artes em 1983, trabalhou no estúdio de Maurício de Sousa entre 1996 a 1998 e, depois, lançou seu primeiro fanzine batizado de " Over 12". A partir daí, entrou de cabeça no mercado alternativo, fazendo parceria com Marcatti e publicando em revistas como Tralha, Porrada, Pau-Brasil, Animal e Mil Perigos. Em 1991, lançou sua primeira graphic novel, "Transubstanciação". Com o sucesso da revista que já vendeu mais de 15 mil exemplares, encontrou o reconhecimento de público e crítica através das histórias em formato de livros.
Como influência, os clássicos Tintin, Flash Gordon e Spirit, passando pelo underground americano de Robert Crumb até os refinados europeus como Moebius e Hugo Pratt. O processo de trabalho é assim mesmo, como uma fermentação de várias coisas ao mesmo tempo, onde abusa da observação para captar seus roteiros e desenhos.
Considerando seu desenho sujo, questiona o recebimento de tantos prêmios, mas é meticuloso em criar ambientes fotografando cenas e praticando desenho de observação. Já a elaboração das personagens é estruturada através de livros de psicologia.
INTERNACIONAL - Depois de tantas personagens negativas, com rancor e melancolia, a narrativa policial da trilogia "O Dobro de Cinco", "O Rei do Ponto" e "A Soma de Tudo" do detetive Diomedes, levou a obra do quadrinhista até Portugal e Espanha.
Além dos quadrinhos, o artista também já fez capas de discos, ilustrações para livros de músicas e para Role Playing Games. Mas, o trabalho mais curioso é a série "Está Um Lindo Dia", onde refaz os traços de quadrinhistas famosos como Herge, Art Spielgmann, Angeli, Marcatti, Fernando Gonsales, entre outros, colocando bico de patos nas personagens.
Com uma carreira e estilo completamente diferente de qualquer outro autor brasileiro, Lourenço Mutarelli é mais original exemplo de merecido reconhecimento pela obra. Fazendo quadrinhos sem se importar com o mercado, o artista viciado em remédios sempre quis sobreviver, apesar de tantas crises depressivas. E, felizmente, Mutarelli foi salvo pelos quadrinhos.
Andhye Iore
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14:50 horas. Desço do metrô na estação Ana Rosa. É sábado, não há trânsito nas ruas nem tumulto nas escadas rolantes: São Paulo não se parece com São Paulo. A passos céleres, caminho alguns quarteirões rumo ao apartamento do cartunista, escritor e agora também ator Lourenço Mutarelli, 46, um dos meus autores brasileiros prediletos.
O primeiro desafio? Preparar-me para conviver, por alguns instantes, com seus cinco gatos - nutro um ódio descomunal, no meu interior, por esses animais. O segundo desafio? Não atrasar. Mutarelli tem o costume de ser pontual em seus encontros. Como marquei a entrevista para as 15 horas, ainda tenho 10 minutos.
Entre o metrô e a residência de Lourenço Mutarelli existem duas boas livrarias. Não resisto. Entro na primeira. Procuro. Olho. Não encontro. Chamo o atendente.
Quero uma edição de “O Cheiro do Ralo”. Ele me diz que está esgotada, não tem um exemplar há muito tempo. Saio decepcionado. Estou com os quatro livros de Mutarelli na bolsa, menos “O Cheiro do Ralo”.
Na segunda livraria, minha esperança novamente é despertada. Uma mulher responde que sim, tem a obra para me vender. E vai procurar. E volta de mãos vazias. Desisto. Saio da livraria. Caminho mais um pouco. Paro na frente do prédio, cujo número consigo lembrar muito vagamente.
Mas não é necessário conferir o papel que levo no bolso. No segundo andar do edifício, a prova de que o autor reside ali: um gato descansa na janela, como um suicida hesitando se arremessar. Entro no prédio ao som de fortes trovões. Olho para o céu. Nem havia reparado: é o começo da chuva.
Mutarelli abre a porta, estende a mão, me dá um sorriso. Com os pés, segura um dos gatos que tenta desertar corredor afora. Entro. Desvio de um outro gato. A sala é dominada pelos felinos e por uma absurda quantidade de livros. Sentamos. Ele, no sofá encostado na janela; eu, no outro sofá.
Tiro da bolsa meus livros, um bloco de notas e duas canetas. Antes que eu dispare a primeira pergunta, Mutarelli sugere um café. Vamos para cozinha, dois viciados em cafeína.
Infelizmente, eu digo, tive um problema com meu gravador e não vou registrar a nossa conversa. Eu gostaria tanto de guardar um registro, confesso. “Pôxa, que pena”, ele lamenta, enquanto prepara a bebida. Para o escritor, o gravador tem sido um recurso de extrema importância ultimamente.
“Minha memória é muito ruim. Esses dias, eu estava no carro e surgiu uma ideia muito boa. Mas esqueci. Lembro, apenas, que era muito boa. Agora, sempre saio de casa com o gravador”, diz, explicando a diferença existente entre o tradicional bloquinho de notas: “Quando eu gravo os textos, eles ficam mais espontâneos”. A outra função do gravador é auxiliá-lo a decorar as falas das peças teatrais que encena. Em cartaz com “Música para ninar dinossauros”, escrita e dirigida por Mário Bortolotto, Mutarelli teve apenas dois meses para decorar suas falas. Nesse período, quem foi seu maior companheiro? O gravador.
Além dos gatos, Mutarelli divide seu apartamento com a mulher – com quem está casado há 17 anos – e seu filho. A vida conjugal modificou a organização de sua produção artística. Ele adaptou sua rotina à de sua mulher e, enquanto ela saía de casa para o trabalho, Mutarelli retomava seus textos e desenhos.
Compartilhando a mesma opinião de Jorge Amado, o período matutino é o mais produtivo para o autor de “O Cheiro do Ralo”. Curiosamente, Lourenço Mutarelli não lê nenhum dos jornais espalhados na mesa da sala de jantar. À sua disposição, os exemplares da Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo permanecem intocados. “Minha mulher é assinante e separa os meus assuntos prediletos: medicina e página policial”.
A crítica - Quanto aos textos publicados sobre suas obras, o escritor enfatiza: “Não leio as críticas sobre meus livros”. Esse afastamento da produção crítica, segundo ele, deve-se ao fato de ser constantemente atacado pelos jornalistas e especialistas em literatura.
“É burrice achar que eu sempre vou fazer um livro melhor do que o outro. A Folha de S. Paulo, desde que recusei um trabalho que a empresa me ofereceu, sempre me ironiza, me ataca e desvaloriza a influência dos quadrinhos que eu levo para os livros”, diz.
E a Folha pegou pesado mesmo. Lembro Mutarelli da forte crítica publicada pelo jornal no lançamento de “A Arte de Produzir Efeito sem Causa”, publicado em 2008 e que venceria o 3º lugar do Prêmio Portugal Telecom no ano seguinte.
Na resenha veiculada, Alcir Pécora, professor de literatura da Unicamp, considerava o livro como “um gibi sem desenho”, classificou o enredo como “bobo” e ainda afirmou compreender a situação do leitor que, impaciente, “deixasse de lado o livro”. “Aquela crítica me travou. Eu estava no meu primeiro bloqueio criativo quando li, e não consegui escrever mais nada por um tempo”, lembra Mutarelli.
O primeiro bloqueio criativo aconteceu em 2008, durante o período de um mês que passou nos Estados Unidos, a convite da Companhia das Letras, para escrever uma história de amor que se passa na cidade. “O livro que eu fiz para a série ‘Amores Expressos’ é um livro de muitas divergências. Os editores acharam a obra muito confusa, me pediram para mexer no original e eu aceitei. Sinto, no entanto, que as mudanças prejudicaram a história. Eu não gosto desse livro”, diz, ressaltando que, no ano que vem, quando a editora pretende lançá-lo, voltará ao texto para modificá-lo. O motivo da crise?
“Acho que a falta de grana me tirou do foco do livro”, arrisca. No difícil mercado editorial brasileiro, mesmo já sendo um autor respeitado, Mutarelli não consegue viver apenas de literatura. “Com a grana que eu ganho vendendo livros, daria apenas para eu e minha família vivermos um mês”.
Ao mesmo tempo em que ignora as críticas negativas, Mutarelli também não se sente confortável ao ler os comentários que enaltecem suas obras: “Eu me sinto supervalorizado quando falam bem sobre meus livros”, conta. Na última edição da Festa Literária de Parati, a Flip, em 2009, o cantor, compositor e também escritor Chico Buarque elogiou, durante sua palestra, o estilo narrativo de Mutarelli, que carrega a influência dos quadrinhos para a literatura.
O escritor paulistano já sabia que Chico havia lido “O Cheiro do Ralo”. Um amigo em comum dos dois, que trabalha com produção de shows, apresentou os textos de Mutarelli ao escritor e mito vivo da MPB. “Foi bacana saber a opinião do Chico. Ele é um cara que eu respeito muito, mas isso não me deixou mais seguro no que faço”.
O escritor - O texto de Mutarelli é conciso, veloz, desesperado. Em diversos momentos, o autor escreve apenas uma palavra em uma linha, o que dá uma dinâmica bem mais rápida na condução da história. “Eu escrevo de ouvido. É um ritmo. Gosto de como a imagem se transforma no texto, mas quero fugir disso”.
Concernente à própria escrita, algumas coisas mudaram para Mutarelli entre 2004 e hoje. “Escrever era fácil. Agora, não é mais”, revela. Felizmente, para nós, leitores, não é uma crise de criatividade ou algo do gênero. Seguindo as manias e as neuroses incomuns de seus personagens, o escritor revela ter dificuldades em escrever, simplesmente, porque o teclado de seu novo laptop é irritante. “O teclado é pequeno, sempre erro ao digitar o texto, tudo isso me incomoda muito”.
Observando sua escrita de seu último livro, “Miguel e os Demônios” (2009) e “O Cheiro do Ralo” (2004), há algumas diferenças. Nas suas primeiras obras, “O Cheiro do Ralo” e “Jesus Kid” (2004), o autor usa, por exemplo, a expressão “viado”. Em outras obras recentes, publicadas pela Companhia das Letras, a expressão está de acordo com a norma culta da língua portuguesa: “veado”. Pergunto a Mutarelli sobre a mudança e ele fica surpreso. “Nunca prestei atenção nisso!”, diz. Sobre a troca realizada pela editora, ele afirma não se importar, embora considere “veado” uma expressão muito “afrescalhada”.
Outra mudança pode ser percebida na prosa poética apropriada pelo autor. “No começo, meu texto era muito mais poético”, reconhece. Em “O Natimorto” (2004), por exemplo, há passagens compostas basicamente por poesia, e é um romance. “Hoje, estou buscando uma escrita sem efeito”, diz.
Pergunto, então, para Mutarelli, a razão de nunca ter escrito um poema. A resposta do escritor revela o cuidado com sua proposta artística inovadora. “A poesia está tão desgastada, saturada, que é difícil dizer algo que já não foi dito. É difícil trazer algo novo”. Curiosamente, ele não se considera um escritor: “Acho que eu preciso me profissionalizar, ter uma rotina para escrever, publicar um livro por ano”, diz.
O Cheiro - Quando recebeu a proposta para vender os direitos de “O Cheiro do Ralo” para o cinema, Mutarelli nunca imaginou que a versão das telonas pudesse arrebanhar uma nova legião de fãs interessados por suas histórias e pela própria obra: “Achei que ninguém mais fosse atrás do livro”, confessa.
Nesse momento da conversa, ele sugere que peguemos mais um café. Vamos para a cozinha. Enquanto ele se dedica ao preparo, digo ao escritor que ler suas obras é observar, em cada enredo, a repetição constante da rotina de seus personagens.
Por quê? “A rotina é importante para mim. Ela é ruim, ela escraviza e mostra o quanto somos ridículos”, diz. A repetição das atividades diárias de seus personagens funciona, nos livros, como um recurso cômico muito peculiar de Mutarelli. Para o leitor, é impossível não contemplar as irascíveis ações do dia a dia sem esboçar um sorriso. “É um humor meio negro. Quando escrevo, também dou risadas”, confessa.
Outro tema recorrente em seus livros é o relacionamento familiar conturbado vivido pelos personagens. Com exceção de Jesus Kid, todas as histórias revelam as brigas, os desentendimentos e o desgaste da relação familiar. A estrutura da família, conturbada, foi, curiosamente, vivida pelo narrador, durante a infância.
“Hoje, com a minha nova família, nossa relação é muito melhor”. Então, é recorrendo a alguns aspectos autobiográficos que Mutarelli consegue retratar os problemas conjugais que, por sua vez, justificam a profundidade psicológica dos personagens de seus enredos, geralmente rocambolescos. O café já está quente. Ele serve a bebida na minha xícara. Mutarelli caminha equilibrando sua caneca nas mãos. Eu ando com o bloco de notas, a caneta e a xícara. Quem se dá mal no trajeto entre a cozinha e a sala é um de seus gatos, que acaba tingido por um tanto de café derramado. Mutarelli pede perdão ao felino.
Tomo o último gole da minha bebida. O café acabou. Encerro a entrevista. Pego os quatro volumes que trouxe, entrego a Mutarelli e “exijo” que sejam assinados. Na dedicatória, ele faz um autorretrato na minha dedicatória: raridade de colecionador. Enquanto Mutarelli assina os livros, lembro de uma questão importante, que quase esqueço num canto isolado da minha fraca memória. Você acha que sua obra vai resistir ao tempo? Lourenço Mutarelli para.
“Nunca tinha pensado nisso”, responde. Olha para São Paulo, talvez à procura de mais uma resposta, com a serenidade de um monge tibetano. Noto, pela primeira vez, a semelhança dele com o “homem da propaganda do Bom Bril”, como ele mesmo descreve o protagonista de “O Cheiro do Ralo”.
Para Mutarelli, que há poucos minutos atrás afirmou jamais ter tido “a pretensão de escrever uma obra de arte”, a resposta é sim, sua arte resistirá ao tempo: “‘Transubstanciação’ foi relançado em 2004, uma década depois da primeira edição e fez mais sentido na época”, recorda.
Mutarelli encerra a sessão de autógrafos e me entrega os volumes. Coloco tudo na bolsa. Agradeço. Agradeço o café. Agradeço a entrevista. Agradeço os livros escritos e as boas horas de literatura que ele me proporcionou. Já estou em frente ao elevador. Agradeço novamente. Volto para apertar sua mão. Deixo o edifício com alguns pingos de chuva molhando-me a cabeça. Caminho. Paro um instante. Volto para a frente do prédio: o gato branco, gordo, continua contemplando São Paulo do 2º andar.
Publicada em O Diário do Norte do Paraná.
por Alexandre Gaioto
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Artes Plásticas em Sergipe
Teoricamente falando, eu não entendo nada de artes plásticas, mas sei que acho algumas imagens bonitas, ou diferentes, ou surpreendentes, e outras não. Costumava frequentar bastantes as galerias de arte daqui de Aracaju no embalo de meus amigos roqueiros vagabundos que costumavam (alguns continuam por lá) ficar de bobeira ali pelas escadarias da catedral. "Vernissage" era sinônimo de comida e birita de graça, então lá íamos nós. Entre um canapé e outro, já vi muita merda, mas muita coisa boa também, além de ter passado por algumas situações bizarras, como na época em que pessoas vestindo camisetas pretas com estampas de bandas de rock estavam proibidas de entrar na Galeria de Arte Álvaro Santos, que fica próximo à catedral. Até entenderia a proibição, pois a galera escaldava mesmo, assediava o garçon sem dó nem piedade, um verdadeiro vexame, só que proibissem os mal-educados (e eles não são tão difíceis assim de se identificar), e não generalizassem o veto para todos os "roqueiros". Foi ridículo. Outra noite antológica foi a da inauguração da Galeria AMA (Ana Maria Alves), na orla. Era época de eleição e o governador de então, disputando mais um mandato, quis fazer bonito na estréia do espaço que levava o nome de sua filha (mesmo que a mesma, que eu saiba, não tivesse nada a ver com o universo das artes plásticas). Por conta disso, o "buffet" foi nota 10 - muita comida, e muita, muita bebida, tudo do bem e do melhor. Meus amigos "do mal" começaram a dar vexame, pra variar, colocando os copos em cima das obras de arte (reproduções de projetos de Leonardo Da Vinci) e assediando de maneira, digamos, pouco sutil, estrelas da música sergipana, então passaram a ser visados pela segurança e eu saí pela tangente. No dia seguinte, um deles me liga perguntando se tinha sido eu que tinha levado ele em casa, pois tinha amanhecido na porta de sua residencia todo arrebentado e não fazia a menor ideia do que tinha acontecido nem como tinha chegado lá.
Abaixo, uma matéria sobre o panorama (desolador) das artes plásticas locais, e algumas reproduções de obras de artistas sergipanos.
A.
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Artistas plásticos de Sergipe não têm reconhecimento real de suas obras
Cinform, 01/10/2009
“Não existe uma linha de evolução das artes plásticas em Sergipe. Ela é feita de muitos acasos, de uma contrafacção de valores, subestimação da qualidade artística e da ausência de um curso de artes verdadeiro que prepare o aluno”. As palavras do artista plástico Leonardo Alencar, um dos mais respeitáveis de Sergipe, explica e introduz uma problemática existente no Estado: o mercado decadente das artes plásticas, uma das vertentes de artes que tem uma nobre valorização no país inteiro. Mas aqui...
Para Leonardo, o problema aqui precisa começar do zero. E ele tem razão: as obras dos artistas sergipanos quase não têm espaço para ser expostas ao grande público que, por sua vez, não tem conhecimento do real valor delas. Falta galeria que fomente público e artista, e falta público que fomente artes plásticas. É um ciclo vicioso perigoso. “A ideia da valorização da obra de arte não passa pela mente do sergipano. O artista era visto como um marginal, como alguém que estava sempre precisando de dinheiro, um boêmio, um dissoluto”, lamenta Leonardo Alencar. Um solitário.
Para o artista sergipano nascido em Estância, que completa 50 anos de artes plásticas em abril do ano que vem, é preciso força política dentro do mercado das artes em terras sergipanas – mercado este que não existe. “A arte é um ser político. Como não existe apoio, ficamos atrasados. E isso é grave”, explica Leonardo Alencar. Como há pouca cultura na sociedade sergipana no aspecto de compreender a real dimensão da pintura e, também, não há galerias que exponham as peças constantemente, criou-se a prática de vendas em moldurarias que, segundo Alencar, não foi proposital, mas é péssimo. “Os artistas iam colocar moldura nas peças, alguém via, gostava e comprava. O moldureiro acabava sendo o entreposto, mesmo sem querer”, explica Leonardo. Essa prática foi intensificada no Estado na década de 1980 e teve como grande tutor Osvaldo José dos Santos, da Molduraria e, depois também Galeria, José de Dome.
NO PAREDÃO - Seu Osvaldo foi um grande colecionador e quando morreu, há 11 anos, passou o bastão para os filhos. Teodoro Fonseca Santos, 36, é um dos herdeiros que comanda a tradicional Molduraria e Galeria José de Dome que está há 39 anos ativada. Teodoro, assim como Leonardo, não é um otimista deste setor. De acordo com ele, o sergipano valoriza apenas o dinheiro. “Eles procuram os quadros mais baratos e que sejam de artistas que não tenham um grande nome. Não valorizam a arte”, constata Teodoro. Ainda segundo Teodoro Fonseca Santos, o mercado é tão decadente que nem as molduras de qualidade são mais valorizadas, e o que é pior, pelos próprios artistas que, já sabendo como o público sergipano é, não querem encarecer ainda mais a obra. “A nossa moldura é de madeira e dura 100 anos. Mas as pessoas daqui preferem as molduras que vêm de fora e que duram de cinco a seis anos”, explica ele. Uma moldura de qualidade para um quadro que mede 80 cm x 80 cm, por exemplo, custa em média R$ 50. É barata.
Para Leonardo Alencar o problema se origina no berço. O sergipano vive dissociado da cultura e por isso não credita valor à arte. “Vender mais barato ou mais caro é uma questão cultural. Como as pessoas daqui não lêem sobre arte, tornam-se desinformadas e acabam confundindo arte com artesanato. Então vendem a suposta obra de arte como uma mera peça artesanal. E quando é uma arte, o cliente oferece o preço de uma peça de artesanato. Ele não está acostumado a respeitar o critério do mercado”, teoriza Alencar, numa tradução exata da realidade cultural sergipana, excluindo a culpa das moldurarias e dos pintores. Para se ter uma ideia do quanto a mentalidade cultural do sergipano é deficiente nesta área, Alencar exemplifica que suas peças, por exemplo, são vendidas para pessoas de outros Estados que vão até seu atelier porque já ouviram falar em seu nome. “Essas pessoas são as que têm um conhecimento mais descortinado, mais amplo”, justifica Alencar. E são geralmente as que lhe salvam a condição de artista, dando o real valor ao que ele produz.
Pela visão de Alencar, que é um ícone sergipano, um outro problema é a falta de apoio estatal. É aqui onde entram os espaços públicos para recepção da pintura de qualidade. “As galerias não têm verba e por isso não formam acervo para atrair o público. Não compram obra de arte dos artistas daqui. O Governo não tem um programa de aquisição de obra de arte. Por isso Sergipe é um Estado pobre. Se dependesse da aquisição do Governo, não sobreviveríamos. É como se estivéssemos mendigando algo que temos mérito e direitos. É meio humilhante para o artista. Para vender uma arte ao Governo, temos que pagar os 37% de imposto antes. O artista não tem condições disso”, continua Leonardo Alencar.
O médico e escritor Marcelo Ribeiro é um dos poucos sergipanos que sabem dar valor a uma obra de pintura de qualidade. Uma boa parte dos quadros de seu acervo, de mais de 70 peças, foi comprada na mão de particulares em péssimo estado de conservação. Marcelo Ribeiro concorda que os sergipanos de uma maneira geral não costumam valorizar a arte plástica. “Mesmo a classe média, sem generalizar, acha que não há diferença entre um quadro de um grande pintor sergipano e uma gravura”, salienta Ribeiro. Para ele, a iniciativa teria que partir do Governo do Estado para que investisse e conscientizasse o povo do devido valor das artes plásticas.
A Galeria Ana Maria Alves, na Orla de Atalaia, é a que melhor exemplifica o desleixo com esta vertente da cultura em Sergipe. Desde que foi fundada, em junho de 2006, no Governo de João Alves Filho – está aí o motivo pelo qual o espaço ganhou este nome, da filha do político –, a Galeria Ana Maria Alves, uma das maiores do Estado, teve apenas uma exposição, no dia da sua inauguração. “O espaço está sendo usado apenas para eventos. Esta semana, por exemplo, vai acontecer a festa das crianças”, informa o vigilante ‘solitário’ da galeria, Germino Alves Santos, que há dois anos trabalha no local. Para a artista plástica Hortência Barreto, o problema não é tanto dos espaços, são os valores culturais. “O Estado não vê como uma coisa importante. Falta compromisso do povo e das instituições”, opina Hortência.
Outra galeria de artes que caiu no esquecimento do poder público é a J. Inácio, anexa a Biblioteca Pública Epifânio Dória. A galeria, que leva o nome de um grande artista plástico sergipano, falecido em 1º de agosto de 2007, não tem acervo e até agora, faltando menos de três meses para acabar o ano, só fez três exposições em 2009. Será que por falta de artista querendo mostrar seu trabalho aos poucos sergipanos que conhecem e sabem dar o devido valor à arte? Certamente não. Ruteh Gomes Oliveira, funcionária da Galeria J. Inácio desde 1982 e diretora de lá há 11 anos, revela que o problema é a burocracia imposta pelo Estado para viabilizar uma mostra. “O próprio sistema dificulta. O convite, por exemplo, demora muito para ser confeccionado. Só chega em cima da hora. Deveria existir um maior apoio ao artista. Se houvesse incentivo a produção seria mais rica. A vida do artista é muito sofrida”, lamenta Ruteh com autoridade. Ela é filha de J. Inácio – o artista sergipano que insistia em fixar bananeiras e mangueiras em suas telas e que dá nome à galeria – e sabe bem o que está falando.
“A coisa mais triste é viver de arte em Aracaju. Os que conseguem são vitoriosos. Obra de arte é um suplício. Só compra quem tem dinheiro sobrando. Os novos ricos preferem comprar algo, uma gravura, em São Paulo. Uma minoria de sergipanos consome obra de arte”, pontua Ruteh Oliveira, uma outra vertente que impede que as artes plásticas sergipanas ocupem o lugar que merece.
De fato o sergipano não valoriza a cultura local. Mas para reverter esse quadro seria necessário haver vitrine para essa atividade. Sem recursos próprios, as galerias públicas sergipanas não têm poder de fomentar a arte e atrair o público. A Galeria de Artes Álvaro Santos – GAAS –, fundada em 26 de setembro de 1966, na administração do prefeito Godofredo Diniz Gonçalves, é uma das poucas no Estado que expõe constantemente e que oferece ao artista o apoio mínimo necessário. “Dentro do regimento oferecemos o espaço, funcionários para a montagem e para tomar conta das peças, divulgação e cerca de 500 convites”, argumenta Aldeci Lima Freire, secretária da GAAS. Mas isso não é o bastante.
A realidade das artes plásticas no mercado sergipano pode ser comparada a uma tela vazia, sem a vida das cores. Ruteh Oliveira, diretora da J. Inácio, diz que há quatro ou cinco anos o mercado teve uma forte queda e isso prejudicou ainda mais os artistas. “De fato houve uma crise econômica que prejudicou este segmento. Mas em Aracaju também não existe um mercado de colecionadores. As artes plásticas não dão visibilidade para investimentos nem do poder público nem do povo”, argumenta Hortência Barreto, artista plástica há 20 anos.
Abaixo, uma matéria sobre o panorama (desolador) das artes plásticas locais, e algumas reproduções de obras de artistas sergipanos.
A.
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Artistas plásticos de Sergipe não têm reconhecimento real de suas obras
Cinform, 01/10/2009
“Não existe uma linha de evolução das artes plásticas em Sergipe. Ela é feita de muitos acasos, de uma contrafacção de valores, subestimação da qualidade artística e da ausência de um curso de artes verdadeiro que prepare o aluno”. As palavras do artista plástico Leonardo Alencar, um dos mais respeitáveis de Sergipe, explica e introduz uma problemática existente no Estado: o mercado decadente das artes plásticas, uma das vertentes de artes que tem uma nobre valorização no país inteiro. Mas aqui...
Para Leonardo, o problema aqui precisa começar do zero. E ele tem razão: as obras dos artistas sergipanos quase não têm espaço para ser expostas ao grande público que, por sua vez, não tem conhecimento do real valor delas. Falta galeria que fomente público e artista, e falta público que fomente artes plásticas. É um ciclo vicioso perigoso. “A ideia da valorização da obra de arte não passa pela mente do sergipano. O artista era visto como um marginal, como alguém que estava sempre precisando de dinheiro, um boêmio, um dissoluto”, lamenta Leonardo Alencar. Um solitário.
Para o artista sergipano nascido em Estância, que completa 50 anos de artes plásticas em abril do ano que vem, é preciso força política dentro do mercado das artes em terras sergipanas – mercado este que não existe. “A arte é um ser político. Como não existe apoio, ficamos atrasados. E isso é grave”, explica Leonardo Alencar. Como há pouca cultura na sociedade sergipana no aspecto de compreender a real dimensão da pintura e, também, não há galerias que exponham as peças constantemente, criou-se a prática de vendas em moldurarias que, segundo Alencar, não foi proposital, mas é péssimo. “Os artistas iam colocar moldura nas peças, alguém via, gostava e comprava. O moldureiro acabava sendo o entreposto, mesmo sem querer”, explica Leonardo. Essa prática foi intensificada no Estado na década de 1980 e teve como grande tutor Osvaldo José dos Santos, da Molduraria e, depois também Galeria, José de Dome.
NO PAREDÃO - Seu Osvaldo foi um grande colecionador e quando morreu, há 11 anos, passou o bastão para os filhos. Teodoro Fonseca Santos, 36, é um dos herdeiros que comanda a tradicional Molduraria e Galeria José de Dome que está há 39 anos ativada. Teodoro, assim como Leonardo, não é um otimista deste setor. De acordo com ele, o sergipano valoriza apenas o dinheiro. “Eles procuram os quadros mais baratos e que sejam de artistas que não tenham um grande nome. Não valorizam a arte”, constata Teodoro. Ainda segundo Teodoro Fonseca Santos, o mercado é tão decadente que nem as molduras de qualidade são mais valorizadas, e o que é pior, pelos próprios artistas que, já sabendo como o público sergipano é, não querem encarecer ainda mais a obra. “A nossa moldura é de madeira e dura 100 anos. Mas as pessoas daqui preferem as molduras que vêm de fora e que duram de cinco a seis anos”, explica ele. Uma moldura de qualidade para um quadro que mede 80 cm x 80 cm, por exemplo, custa em média R$ 50. É barata.
Para Leonardo Alencar o problema se origina no berço. O sergipano vive dissociado da cultura e por isso não credita valor à arte. “Vender mais barato ou mais caro é uma questão cultural. Como as pessoas daqui não lêem sobre arte, tornam-se desinformadas e acabam confundindo arte com artesanato. Então vendem a suposta obra de arte como uma mera peça artesanal. E quando é uma arte, o cliente oferece o preço de uma peça de artesanato. Ele não está acostumado a respeitar o critério do mercado”, teoriza Alencar, numa tradução exata da realidade cultural sergipana, excluindo a culpa das moldurarias e dos pintores. Para se ter uma ideia do quanto a mentalidade cultural do sergipano é deficiente nesta área, Alencar exemplifica que suas peças, por exemplo, são vendidas para pessoas de outros Estados que vão até seu atelier porque já ouviram falar em seu nome. “Essas pessoas são as que têm um conhecimento mais descortinado, mais amplo”, justifica Alencar. E são geralmente as que lhe salvam a condição de artista, dando o real valor ao que ele produz.
Pela visão de Alencar, que é um ícone sergipano, um outro problema é a falta de apoio estatal. É aqui onde entram os espaços públicos para recepção da pintura de qualidade. “As galerias não têm verba e por isso não formam acervo para atrair o público. Não compram obra de arte dos artistas daqui. O Governo não tem um programa de aquisição de obra de arte. Por isso Sergipe é um Estado pobre. Se dependesse da aquisição do Governo, não sobreviveríamos. É como se estivéssemos mendigando algo que temos mérito e direitos. É meio humilhante para o artista. Para vender uma arte ao Governo, temos que pagar os 37% de imposto antes. O artista não tem condições disso”, continua Leonardo Alencar.
O médico e escritor Marcelo Ribeiro é um dos poucos sergipanos que sabem dar valor a uma obra de pintura de qualidade. Uma boa parte dos quadros de seu acervo, de mais de 70 peças, foi comprada na mão de particulares em péssimo estado de conservação. Marcelo Ribeiro concorda que os sergipanos de uma maneira geral não costumam valorizar a arte plástica. “Mesmo a classe média, sem generalizar, acha que não há diferença entre um quadro de um grande pintor sergipano e uma gravura”, salienta Ribeiro. Para ele, a iniciativa teria que partir do Governo do Estado para que investisse e conscientizasse o povo do devido valor das artes plásticas.
A Galeria Ana Maria Alves, na Orla de Atalaia, é a que melhor exemplifica o desleixo com esta vertente da cultura em Sergipe. Desde que foi fundada, em junho de 2006, no Governo de João Alves Filho – está aí o motivo pelo qual o espaço ganhou este nome, da filha do político –, a Galeria Ana Maria Alves, uma das maiores do Estado, teve apenas uma exposição, no dia da sua inauguração. “O espaço está sendo usado apenas para eventos. Esta semana, por exemplo, vai acontecer a festa das crianças”, informa o vigilante ‘solitário’ da galeria, Germino Alves Santos, que há dois anos trabalha no local. Para a artista plástica Hortência Barreto, o problema não é tanto dos espaços, são os valores culturais. “O Estado não vê como uma coisa importante. Falta compromisso do povo e das instituições”, opina Hortência.
Outra galeria de artes que caiu no esquecimento do poder público é a J. Inácio, anexa a Biblioteca Pública Epifânio Dória. A galeria, que leva o nome de um grande artista plástico sergipano, falecido em 1º de agosto de 2007, não tem acervo e até agora, faltando menos de três meses para acabar o ano, só fez três exposições em 2009. Será que por falta de artista querendo mostrar seu trabalho aos poucos sergipanos que conhecem e sabem dar o devido valor à arte? Certamente não. Ruteh Gomes Oliveira, funcionária da Galeria J. Inácio desde 1982 e diretora de lá há 11 anos, revela que o problema é a burocracia imposta pelo Estado para viabilizar uma mostra. “O próprio sistema dificulta. O convite, por exemplo, demora muito para ser confeccionado. Só chega em cima da hora. Deveria existir um maior apoio ao artista. Se houvesse incentivo a produção seria mais rica. A vida do artista é muito sofrida”, lamenta Ruteh com autoridade. Ela é filha de J. Inácio – o artista sergipano que insistia em fixar bananeiras e mangueiras em suas telas e que dá nome à galeria – e sabe bem o que está falando.
“A coisa mais triste é viver de arte em Aracaju. Os que conseguem são vitoriosos. Obra de arte é um suplício. Só compra quem tem dinheiro sobrando. Os novos ricos preferem comprar algo, uma gravura, em São Paulo. Uma minoria de sergipanos consome obra de arte”, pontua Ruteh Oliveira, uma outra vertente que impede que as artes plásticas sergipanas ocupem o lugar que merece.
De fato o sergipano não valoriza a cultura local. Mas para reverter esse quadro seria necessário haver vitrine para essa atividade. Sem recursos próprios, as galerias públicas sergipanas não têm poder de fomentar a arte e atrair o público. A Galeria de Artes Álvaro Santos – GAAS –, fundada em 26 de setembro de 1966, na administração do prefeito Godofredo Diniz Gonçalves, é uma das poucas no Estado que expõe constantemente e que oferece ao artista o apoio mínimo necessário. “Dentro do regimento oferecemos o espaço, funcionários para a montagem e para tomar conta das peças, divulgação e cerca de 500 convites”, argumenta Aldeci Lima Freire, secretária da GAAS. Mas isso não é o bastante.
A realidade das artes plásticas no mercado sergipano pode ser comparada a uma tela vazia, sem a vida das cores. Ruteh Oliveira, diretora da J. Inácio, diz que há quatro ou cinco anos o mercado teve uma forte queda e isso prejudicou ainda mais os artistas. “De fato houve uma crise econômica que prejudicou este segmento. Mas em Aracaju também não existe um mercado de colecionadores. As artes plásticas não dão visibilidade para investimentos nem do poder público nem do povo”, argumenta Hortência Barreto, artista plástica há 20 anos.
terça-feira, 25 de maio de 2010
Luke, I Am your father ...
Que dizer que já não tenha sido dito sobre o melhor filme de aventura/fantasia (não considero a saga Star Wars como "ficção científica", já que aquilo ali não tem - quase - nada a ver com ciência) de todos os tempos ? 30 Anos se passaram, 3 novos filmes (excelentes, diga-se de passagem ... ok, "A ameaça Fantasma é fraquinho, mas tem Darth Maul - muito mal aproveitado, infelizmente - e a corrida de pods, então tá valendo) foram feitos e "O Império contra-ataca" segue absoluto como o melhor episódio da saga. É um filme perfeito, porque é completo: Tem ação, aventura, efeitos avaçadíssimos para a época (e que impressionam até hoje), design fora do comum (o que são aqueles tanques avançando na neve ? Lembro que fiquei absolutamente alucinado quando vi aquilo pela primeira vez) e o mais importante: um roteiro excelente, que te coloca dentro da história e te deixa esperando ansiosamente pelo próximo capítulo, que só viria 3 anos depois, com "O Retorno DO Jedi" (porque não corrigem de uma vez por todas esse erro idiota?). Foi o único que não vi no cinema na época do lançamento, não me lembro exatamente porque - afinal, eu tinha apenas 9 anos. Do primeiro eu lembro bem porque foi a primeira vez que frequentei a sala escura, uma experiência que marcou minha vida definitivamente.
Ok, Indiana Jones é foda, Avatar é impressionante, mas não tem pra ninguém - "Guerra nas Estrelas" (talvez por saudosismo, prefiro o nome em português) é imbatível no quesito "saga" cinematográfica.
A.
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Para muitos, que viram o filme na época ou depois, "O império contra-ataca" ("The empire strikes back"), o segundo capítulo da trilogia original de "Guerra nas estrelas", não apenas é o melhor filme de toda a série (incluindo a nova trilogia que veio depois, contando fatos anteriores) como uma das melhores continuações de todos os tempos, geralmente encabeçando listas sobre as partes 2, ao lado de "Aliens", a sequência de "Alien" feita por James Cameron. No dia 21 de maio o filme completou 30 anos, tendo ganhado nos Estados Unidos até um livro comemorativo sobre ele.
Se algum canal por aqui esqueceu de programá-lo, a boa é sacar o velho VHS ou o DVD remasterizado e rever o filme de ação mais sofrido para toda uma geração que o assistiu na idade certa. Porque, diferentemente do primeiro "Star wars", que era uma típica história do bem contra o mal e fechado em si, "ESB" (iniciais em inglês), além de ser um filme de passagem, tem momentos inimagináveis em outros filmes de ação: o herói (Luke Skywalker) tem uma das mãos arrancadas por seu arqui-rival, o vilão Darth Vader (que acaba revelando ser o seu pai) e o anti-herói Han Solo é preso e congelado, sendo levado por um caçador de recompensas no fim do filme, numa cena antológica em que vemos Luke, a princesa Leia (que ele descobre posteriormente ser a sua irmã) e os dois dróides (R2D2 e C3PO) olhando para a galáxia, com a música linda de John Williams a confortá-los. De fazer chorar até nas reprises. É um final nada feliz.
Portanto, brindemos hoje à "O império contra-ataca", uma produção que realmente levou o espectador para dentro da história, e é o mais espetacular filme de ação de todos os tempos. Esqueceram de como se faz isso.
*e nem falei da magistral sequência incial com os AT-AT walker (que são tanques, não robôs) em Hoth.
por Tom Leão
O Globo
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Lançado em 21 de maio de 1980 nos Estados Unidos, Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca está completando 30 anos. Para celebrar a ocasião, uma exibição beneficente do filme dirigido por Irvin Kershner e criado e produzido por George Lucas aconteceu esta semana em Los Angeles, no melhor cinema da cidade, o ArcLight. Para a alegria dos presentes, Harrison Ford fez uma rara aparição no evento - que tinha na plateia Jon Favreau, que está dirigindo-o em Cowboys & Aliens, e Kevin Feige da Marvel - e respondeu perguntas dos fãs depois. O Omelete esteve no evento, representado pelo nosso correspondente Steve Weintraub, editor do site parceiro Collider, e conta pra você como foi!
O intéprete de Han Solo admitiu que estava assistindo ao filme pela primeira vez em três décadas. Para ele, o fascínio com a saga Star Wars pode ser explicado pela história e pela música de John Williams - mais algum elemento etéreo que ele não consegue precisar qual é. Ford também lembrou de como foi parar em Star Wars... logo após Loucuras de Verão, primeiro sucesso de George Lucas, quando ainda trabalhava como carpinteiro e fazia dezenas de testes em Los Angeles, sem sucesso.
Depois, o ator passou alguns minutos lembrando dos desafios das filmagens de Império Contra-Ataca, especialmente das filmagens na Noruega, onde foram gravadas as cenas na neve em Hoth. Seu figurino, afinal, havia sido desenvolvido para ser usado dentro de um estúdio - e oferecia pouca proteção contra as condições climáticas de Hardangerjøkulen, local próximo de uma geleira que enfrentava sua maior nevasca em 50 anos. A única maneira de se locomover por lá era dentro de escavadeiras adequadas para neve e o frio era tão intenso que a equipe optou por rodar atrás de seu hotel - apenas 12 metros de distância da porta!
Ford elogiou a direção de Irvin Kershner e recordou-se de como foi bom trabalhar com ele. Curiosamente, o diretor chegou a recusar o convite de George Lucas, que havia sido seu aluno na USC School of Cinema-Television, mas mudou de ideia quando seu agente praticamente o obrigou a aceitar o projeto.
Sobre a Millennium Falcon, uma das naves mais icônicas da história do cinema de ficção científica, Ford contou uma história divertida, sobre como todo o elenco estava extremamente curioso para entrar nela, mas era impedido por Lucas durante a contrução. Eles só puderam pisar na cabine de comando no primeiro dia de filmagens nesse set - quando descobriram que o espaço era apertado demais para Peter Mayhew, o Chewbacca, e adaptações de última hora tiveram que ser feitas.
Ford seguiu dizendo que a história sobre uma famosa sugestão sua, que Han Solo morresse ao ser congelado em carbonite, é totalmente verídica. Lucas, porém, não concordou - mas ainda hoje o ator acredita que isso teria criado um peso emocional extra para a trilogia.
Outra história clássica do set - o diálogo "eu te amo", "eu sei" entre Han Solo e a Princesa Leia - foi igualmente lembrado. Originalmente, o roteiro pedia que ele e Carrie Fischer dissessem "eu te amo", "eu também te amo", mas isso não estava funcionando, até que ele, cansado, disse o clássico "eu sei". As duas cenas foram levadas aos testes de público, que acabou optando pela versão que conhecemos das telas. Ford, porém, não gosta de levar o crédito pela sequência. "Filmes são esforços colaborativos", lembra.
A respeito de como foi trabalhar ao lado de sir Alec Guinness, o ator encerrou a noite comentando que o único conselho que o veterano ícone do cinema deu-lhe não foi sobre atuação, mas sobre imóveis. Ele ganhava muito pouco na época e Guinness deu dicas de onde conseguir um apartamento barato em Londres. "Aliás, ontem eu estava assistindo Star Wars pela primeira vez em décadas em preparação para este evento e percebi que hoje sou mais velho do que Alec era quando fizemos o primeiro Star Wars. Isso não me deixa nada feliz", brincou.
Por Erico Borgo
Omelete
Ok, Indiana Jones é foda, Avatar é impressionante, mas não tem pra ninguém - "Guerra nas Estrelas" (talvez por saudosismo, prefiro o nome em português) é imbatível no quesito "saga" cinematográfica.
A.
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Para muitos, que viram o filme na época ou depois, "O império contra-ataca" ("The empire strikes back"), o segundo capítulo da trilogia original de "Guerra nas estrelas", não apenas é o melhor filme de toda a série (incluindo a nova trilogia que veio depois, contando fatos anteriores) como uma das melhores continuações de todos os tempos, geralmente encabeçando listas sobre as partes 2, ao lado de "Aliens", a sequência de "Alien" feita por James Cameron. No dia 21 de maio o filme completou 30 anos, tendo ganhado nos Estados Unidos até um livro comemorativo sobre ele.
Se algum canal por aqui esqueceu de programá-lo, a boa é sacar o velho VHS ou o DVD remasterizado e rever o filme de ação mais sofrido para toda uma geração que o assistiu na idade certa. Porque, diferentemente do primeiro "Star wars", que era uma típica história do bem contra o mal e fechado em si, "ESB" (iniciais em inglês), além de ser um filme de passagem, tem momentos inimagináveis em outros filmes de ação: o herói (Luke Skywalker) tem uma das mãos arrancadas por seu arqui-rival, o vilão Darth Vader (que acaba revelando ser o seu pai) e o anti-herói Han Solo é preso e congelado, sendo levado por um caçador de recompensas no fim do filme, numa cena antológica em que vemos Luke, a princesa Leia (que ele descobre posteriormente ser a sua irmã) e os dois dróides (R2D2 e C3PO) olhando para a galáxia, com a música linda de John Williams a confortá-los. De fazer chorar até nas reprises. É um final nada feliz.
Portanto, brindemos hoje à "O império contra-ataca", uma produção que realmente levou o espectador para dentro da história, e é o mais espetacular filme de ação de todos os tempos. Esqueceram de como se faz isso.
*e nem falei da magistral sequência incial com os AT-AT walker (que são tanques, não robôs) em Hoth.
por Tom Leão
O Globo
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Lançado em 21 de maio de 1980 nos Estados Unidos, Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca está completando 30 anos. Para celebrar a ocasião, uma exibição beneficente do filme dirigido por Irvin Kershner e criado e produzido por George Lucas aconteceu esta semana em Los Angeles, no melhor cinema da cidade, o ArcLight. Para a alegria dos presentes, Harrison Ford fez uma rara aparição no evento - que tinha na plateia Jon Favreau, que está dirigindo-o em Cowboys & Aliens, e Kevin Feige da Marvel - e respondeu perguntas dos fãs depois. O Omelete esteve no evento, representado pelo nosso correspondente Steve Weintraub, editor do site parceiro Collider, e conta pra você como foi!
O intéprete de Han Solo admitiu que estava assistindo ao filme pela primeira vez em três décadas. Para ele, o fascínio com a saga Star Wars pode ser explicado pela história e pela música de John Williams - mais algum elemento etéreo que ele não consegue precisar qual é. Ford também lembrou de como foi parar em Star Wars... logo após Loucuras de Verão, primeiro sucesso de George Lucas, quando ainda trabalhava como carpinteiro e fazia dezenas de testes em Los Angeles, sem sucesso.
Depois, o ator passou alguns minutos lembrando dos desafios das filmagens de Império Contra-Ataca, especialmente das filmagens na Noruega, onde foram gravadas as cenas na neve em Hoth. Seu figurino, afinal, havia sido desenvolvido para ser usado dentro de um estúdio - e oferecia pouca proteção contra as condições climáticas de Hardangerjøkulen, local próximo de uma geleira que enfrentava sua maior nevasca em 50 anos. A única maneira de se locomover por lá era dentro de escavadeiras adequadas para neve e o frio era tão intenso que a equipe optou por rodar atrás de seu hotel - apenas 12 metros de distância da porta!
Ford elogiou a direção de Irvin Kershner e recordou-se de como foi bom trabalhar com ele. Curiosamente, o diretor chegou a recusar o convite de George Lucas, que havia sido seu aluno na USC School of Cinema-Television, mas mudou de ideia quando seu agente praticamente o obrigou a aceitar o projeto.
Sobre a Millennium Falcon, uma das naves mais icônicas da história do cinema de ficção científica, Ford contou uma história divertida, sobre como todo o elenco estava extremamente curioso para entrar nela, mas era impedido por Lucas durante a contrução. Eles só puderam pisar na cabine de comando no primeiro dia de filmagens nesse set - quando descobriram que o espaço era apertado demais para Peter Mayhew, o Chewbacca, e adaptações de última hora tiveram que ser feitas.
Ford seguiu dizendo que a história sobre uma famosa sugestão sua, que Han Solo morresse ao ser congelado em carbonite, é totalmente verídica. Lucas, porém, não concordou - mas ainda hoje o ator acredita que isso teria criado um peso emocional extra para a trilogia.
Outra história clássica do set - o diálogo "eu te amo", "eu sei" entre Han Solo e a Princesa Leia - foi igualmente lembrado. Originalmente, o roteiro pedia que ele e Carrie Fischer dissessem "eu te amo", "eu também te amo", mas isso não estava funcionando, até que ele, cansado, disse o clássico "eu sei". As duas cenas foram levadas aos testes de público, que acabou optando pela versão que conhecemos das telas. Ford, porém, não gosta de levar o crédito pela sequência. "Filmes são esforços colaborativos", lembra.
A respeito de como foi trabalhar ao lado de sir Alec Guinness, o ator encerrou a noite comentando que o único conselho que o veterano ícone do cinema deu-lhe não foi sobre atuação, mas sobre imóveis. Ele ganhava muito pouco na época e Guinness deu dicas de onde conseguir um apartamento barato em Londres. "Aliás, ontem eu estava assistindo Star Wars pela primeira vez em décadas em preparação para este evento e percebi que hoje sou mais velho do que Alec era quando fizemos o primeiro Star Wars. Isso não me deixa nada feliz", brincou.
Por Erico Borgo
Omelete