sábado, 20 de março de 2010

Jamson Madureira - perfil de um artista "underground"

Lá pelos idos de 1996 o nome Jamsom Madureira aparecia na cena artística underground sergipana como líder de uma banda industrial/ minimalista chamada Camboja. A banda já existia desde o inicio da década, e foi formada por amigos que moravam no conjunto Marcos Freire, em Nossa Senhora do Socorro, região metropolitana de Aracaju, com o intuito de fazer um som grindcore. Os shows dos caras eram um caos, mas o que chamava mesmo a atenção (além da perfomance alucinada do vocalista Fúria) era a arte que emoldurava o material “promocional” da banda, releases e capinhas da fitas demo. Era um traço estilizado, com uma excelente utilização do contraste claro/escuro e óbvia inspiração no que de melhor existia nos quadrinhos alternativos da época. A arte de Jamson Madureira aparecia para o mundo, via circuito “alternativo” ( leia-se troca de zines e demos pelo correio ).

A formação da banda começou a mudar, mas isso não importava. Era a típica banda-de-um-homem-só. Ecos de grindcore nos vocais berrados e a guitarra velha extremamente suja e desafinada, tocada “com vontade”, era o que importava. Após a saída de todos os primeiros componentes, depois do lançamento da primeira demo, “Grind to grind”, Jamson abandonou as baquetas e passou a assumir vocais e guitarras, revelendo-se um exímio criador de riffs matadores e de melodias grudentas que compunham uma musica minimalista ao extremo, na maioria das vezes se resumindo à repetição de uma frase pro cima de um riff de guitarra. Isso após um breve período acompanhado por uma bateria eletrônica primitiva e tosca, que ele abandonou para recrutar, para as baquetas, Wesley, já velho conhecido de bandas punk/hc/grind como ETC e Lipofrenia, e o “velho guerreiro” Sylvio Suburbano, fundador da Karne Krua, para a outra guitarra. Sem contrabaixo, “pra não atrapalhar”, nas palavras de Madureira. Gravaram mais uma demo caseira que se tornou um pequeno clássico “udigrudi”, intitulada “Lies about freedom”, e em seguida entraram finalmente em estúdio paras uma terceira demo, dessa vez acompanhados por um baixista, por pura insistência do mesmo, que vinha a ser Marlio, baixista da Karne Krua e outro fiel colaborador, sempre colocando sua casa a disposição nos fins de semana para os ensaios.

Seguiram tocando e gravando por aproximadamente 4 anos, shows no volume Maximo, com bateria cadenciada marcando os espasmos guitarristicos e vocais gritados de Madureira emoldurados por pelos efeitos sonoros da guitarra de Sylvio que, espertamente, captou no ar que a sinfonia repetitiva de riffs criada por Madureira não precisava de mais do que isso para preencher os naturais vazios que a formação pra lá de enxuta produzia.

Mais tarde, por volta de 1998, Madureira revelou-se também artista plástico. Seus quadros foram exibidos durante o festival Rock-SE, realizado no fim de outubro daquele ano. O estilo arrojado e altamente influenciado por quadrinhos deixou muita gente de queixo caído. Como assim esse cara é de Sergipe, aquele mesmo doido do Camboja? Bananeiras, retratos de igreja e natureza morta, além de cavalos, muitos cavalos, eram a idéia que a maioria tinha de arte sergipana. Porém, a arte de Jamson não tem raiz alguma com o que já se fez no Estado. Como já disse, quadrinhos são a grande referência. Nada no estilo super-herói, é claro. As reverberações vão de Bill Sienkiewicz (da clássica mini-série Elektra Assassina), a viagens quadrinísticas em forma de graphic novel, como “Blood” ou “Ás Inimigo – Um Poema de Guerra”, este último de George Pratt. Mesmo assim, essa tentativa de aproximação em nada resume a dimensão da arte de Jamson. O caos de 68, poemas dadaístas e a música de John Cage talvez ajude. Ou melhor, não é nada disso. Não há nada tão abstrato num elefante. Ou uma colher. O que importa é o traço, ou garrancho, ou simplesmente as partes do quadro perfuradas por algum instrumento estranho aos manuais de artes plásticas. Sua arte pintada seguia de um certo modo a mesma concepção de sua musica, minimalista, feita de signos e de imagens urbanas, paranóias e fixações. Experimentalismo, talvez seja por aí.

Aos poucos, mesmo sem nenhum esforço pessoal do artista, a arte de Madureira foi chamando a atenção de mais e mais pessoas, inclusive daaquelas distantes do mundinho do rock onde vivia, o que o levou a produzir de capa de disco pra banda de rock (snooze, “waking up waking down) a ilustrações de livros de poesia (de Araripe Coutinho e do hoje ministro do Supremo Tribunbal Federal Carlos Ayres de Brito). Depois de um tempo pintando sem parar, cansou dessa vida de exposições conjuntas em Assembléias Legislativas, galerias de arte convencionais e “mercados pop”. Parou de pintar. Assim como o Camboja se dissolveu bem antes, com três demo-tapes servindo de legado. Eventualmente ele apareceu com outra banda, a Madame Tubarão, com um som meio “surf garageiro”. No mínimo, autêntico.Madureira voltou a exibir seu talento distribuindo fanzines – mesmo sendo já coisa do passado, da era pré-Internet –, apresentando sua criação para o mundo dos quadrinhos. Automazo e a Amante do Mutante foi feita e desenhada a mão, xerocada e distribuída pra quem ele bem entendesse. Sortudos os que guardam suas cópias. Uma versão em html chegou a ser feita, mas não tenho notícia de ter sido posta na net. O estilo apresentado é típico Madureira, versão HQ. O texto, uma linguagem solta e inspirada, em cima de argumento beirando o surrealismo. A série perdura até hoje. Quando você menos espera lá vem Madureira com mais algumas historinhas em quadrinhos simples e ao mesmo tempo herméticas, rebuscadas e rabiscadas, xerocadas e distribuidas sem nenhum compromisso a não ser o mais nobre, a necessidade de se comunicar, mesmo que de forma torta, enviezada e deliciosamente anacrônica. Camisas foram feitas com o personagem. Jamsom até voltou a exibir em galeria de arte, usando os originais dos fanzines, foi tema de matéria em jornal local e foi, inclusive, esse ano, convidado a participar, como único representante do estado de Sergipe, de uma mostra nacional de novos (novos? Melhor dizer “desconhecidos”) talentos na Funarte, no Rio de janeiro. Resta a nós, pobres mortais, esperar e torcer pelo próximo passo do mestre.

Publicado originalmente no site "overmundo"

por Adelvan “kenobi” e Maira Ezequiel









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