sexta-feira, 3 de julho de 2009

2009 - 10 Anos sem Stanley Kubrick



Kubrick, o Iluminado

A aurora do homem. Bandos de animais simiescos numa paisagem deserta são despertados pelo súbito aparecimento de um objeto gigantesco nunca antes visto. O monólito negro lhes desperta a curiosidade. Esta mesma curiosidade faz com que um deles tenha a luminosa idéia de usar um osso como extensão do braço na luta pela sobrevivência. Mais um pequeno passo na lenta porém inexorável marcha da evolução que levaria os símios ao homo sapiens, e estes às estrelas.

Década de oitenta, século XX da era cristã.Um pirralho de sua poltrona assiste à conquista do universo pela tela da televisão. O ritmo lento do filme não o incomoda, pois a beleza das imagens e a curiosidade para saber o objetivo da onipresença do monolito afastam o sono. Após uma viagem fantástica na qual é apresentado ao supercomputador HAL 9000, uma das maiores criações da história da sétima arte, a tela é subitamente arremessada em um turbilhão de sons e imagens que culmina no nascimento de um novo homem ao som de “Assim falava Zaratustra”, poema sinfônico de Richard Strauss. O pirralho vai dormir atordoado, sem entender nada, porém com a certeza de haver visto o melhor filme de sua vida.



Foi assim meu primeiro contato com a obra de Stanley Kubrick: Na tela da Globo, entre comerciais de shampoo e sabão em pó. Apenas recentemente tive a oportunidade de ver “2001 - Uma Odosséia no Espaço” como ele deve ser visto: no cinema, e numa ocasião muito especial, pois caia um temporal sobre a cidade e poucos se arriscaram a colocar o pé para fora de casa. Estas circunstâncias me proporcionaram uma tranquila e deliciosa sessão, com o toque especial do barulho de chuva ao fundo. Sempre havia ouvido dizer que aquele era um filme para se ver no cinema, e agora posso atestar a veracidade dessa afirmação. Arrisco dizer que o trecho que mais se perde em vídeo é a parte final, tendo em vista que no escuro da sala de projeção fui tomado por uma sensação de medo que só havia sentido quando ouvi a assustadora trilha sonora sozinho, no escuro, alguns anos atrás. É o medo do desconhecido, ou da morte, tendo em vista que uma das muitas especulações sobre o significado do final do filme é justamente a de que o astronauta David Bowman havia morrido ao chegar a Jupiter. . “Anyway”, este é apenas um dos mistérios desta obra fascinante que há anos povoa minha imaginação. Basta dizer que na única vez em que fui assaltado, o fui porque andava distraído por ruas desertas, imerso em meus pensamentos, tentando decifrar o enigma do monólito.

Desisti. Entendi que 2001 era uma obra aberta às mais variadas interpretações, muito embora seu autor, o escritor Arthur C. Clarcke, tenha dado pistas em seus livros posteriores, 2010, 2060 e 3001. Na visão de muitos, a história trata do encontro do homem com Deus, consequência inevitável da busca pelo conhecimento à medida que a humanidade se lança na vastidão infinita do espaço. Para Clarck, os imensos monolitos seriam fruto de uma tecnologia incompreensível para os seres humanos, encarregados de enviar sinais a seres cuja função era a de monitorar a evolução da vida nos mais distantes confins das galáxias. Estes seres, aparentemente, tinham sua consciência de alguma forma unida ao universo, e poderiam se manifestar fisicamente da maneira que desejassem para que fossem compreendidos por seus interlocutores. E assim o astronauta da nave Discovery foi incorporado ao monólito, sendo usado por eles para avisar aos homens que deveriam se manter distantes da lua de Júpiter Europa, onde a vida, ao que tudo indica, tem possibilidades de germinar. “Eram os Deuses Astronautas?” O que o cientista/escritor parece querer nos dizer é que, no campo das especulações sobre o desconhecido, nenhuma hipótese pode ser previamente descartada.

Além da impressionante saga metafísica de 2001, a obra de Kubrick precisa ser conhecida por inteiro. Entre todos os itens de sua filmografia (felizmente, totalmente disponível em DVD), destaca-se “A LARANJA MECÂNICA”, cujo tema gerou uma polêmica tão grande à época de seu lançamento que a fita encontra-se banida das telas de TV e cinema em muitos paises até os dias atuais. Trata-se de um tratado sobre a violência no qual, em um futuro indefinido, o estado usa meios pouco ortodoxos para conter a brutalidade de gangues de jovens ensandecidos cuja única diversão é espancar, estuprar e ouvir Beethoven. O filme foi acusado de glamourizar a violência e, com isso, incitar os jovens.

Temas polêmicos nunca assustaram este diretor. É dele a primeira versão para o cinema do clássico de Vladimir Nabokov, LOLITA, que trata da obsessão de um homem de meia idade por sua enteada pré-adolescente. É dele também aquele que pode ser considerado, ao lado de “O Bebê de Rosemary”, de Roman Polansky, o mais aterrorizante filme de horror psicológico da história do cinema, “O ILUMINADO”. Nele, Jack Nicholson enlouquece (ou é possuído?) ao se ver isolado com a mulher e o filho num hotel cercado de neve. Imperdível também “DOUTOR FANTÁSTICO OU COMO PAREI DE ME PREOCUPAR E APRENDI A AMAR A BOMBA”, uma parábola sobre a guerra fria, “GLORIA FEITA DE SANGUE”, um épico situado durante a primeira guerra mundial, “SPARTACUS”, a historia de uma rebelião de escravos no império romano, e “NASCIDO PARA MATAR”, um libelo contra o militarismo e a pressão psicológica sofrida pelos soldados para que se tornem maquinas de matar a serviço do sistema.

Stanley Kubrick morreu de ataque cardíaco aos 70 anos de idade no dia 7 de março de 1999. O mundo, é claro, ficou mais burro. Foi, na minha modesta opinião de leigo e admirador, o maior cineasta de todos os tempos. Encerrou sua carreira em pleno vigor intelectual com “EYES WIDE SHUT”, seu ultimo testamento, que gerou expectativas exageradas no final do século passado devido ao enorme intervalo de tempo em relação a sua obra anterior, “Full Metal Jacket”. Para aguçar ainda mais a curiosidade de todos, o ousado primeiro treiler mostrava 90 segundos de nu frontal do casal Tom Cruise e Nicole Kiedman. O resultado, porém, ficou abaixo do esperado, muito embora esteja a anos luz de distancia da esmagadora maioria das produções exibidas nos cinemas em sua época e mesmo hoje, sejam elas destinadas ao grande publico ou não. No filme Cruise e Kiedman vêem a estabilidade de seu casamento ultraconvencional ameaçada pelo súbito aflorar de desejos obscuros emergidos de seus respectivos subconscientes, o que os faz enveredar por uma perigosa “tour de force” de perversão sexual. É a provocação final de um dos únicos diretores que conseguiram confrontar Hollywood e se impor pelo talento. Feito não conseguido, por exemplo, por Orson Welles, que iniciou sua carreira batendo de frente com o maior magnata da industria do entretenimento americana, o que marcou para sempre seu destino na industria cinematográfica. Kubrick, ao contrário, filmava quando quisesse, da maneira que quisesse. O grande intervalo de tempo entre seus filmes devia-se unicamente a seu perfeccionismo doentio, não a nenhuma espécie de pressão ou boicote dos produtores. É a mais acabada comprovação de que qualidade é mais importante do que quantidade. Fez pouco, mas tudo que fez se tornou clássico. Será lembrado para sempre!

por Adelvan Kenobi






















6 comentários:

  1. boa lembrança...
    meu top 5:

    - Laranja Mecânica
    - 2001
    - Dr. Strangelove
    - O Iluminado
    - Nascido para Matar

    ResponderExcluir
  2. Pra mim, o melhor filme de Kubrick é a farsa da chegada do homem na lua...
    Gênio total, maior diretor de todos os tempos.

    ResponderExcluir
  3. tenho inclusive me surpreendido com a quantidade de gente que não acredita, de verdade, que o homem foi à lua. Só queria saber como eles explicam a cumplicidade da União Soviética em plena guerra fria no que foi a maior rasteira que levaram na corrida espacial. Ou a mesma cumplicidade de todo os cientistas ao redor do mundo que examinam até hoje as amostras de material lunar e nunca questionaram (pelo menos não seriamente) sua origem.

    ResponderExcluir
  4. Nah, foi uma piada.
    Essas teorias conspiratórias da internet são tão malucas que algumas delas parecem plausíveis.
    Mas aí, qual a maior farsa, o homem na Lua ou o substituto de Paul MacCartney, morto em 66?
    "Let me introduce to you/ the only one Billy Shears..."

    ResponderExcluir
  5. Eu entendi que foi uma piada. Mas aproveitei pra comentar meu espanto com a quantidade de gente que não acredita que aconteceu e que tem aproveitado a data (40 anos da ida do Homem à lua) pra se manifestar - muitos deles jovens, inclusive. Antigamente só os mais velhos duvidavam.

    ResponderExcluir
  6. É bom lembrar que a famosa trilha sonora de 2001: Uma Odisseia no Espaço ficou a encargo de um brasileiro, Eumir Deodato.

    ResponderExcluir