terça-feira, 2 de junho de 2009

DOSSIÊ ROCK SERGIPANO - versão compacta

NOTA: O texto reproduzido abaixo é antigo, foi publicado numa edição da Revista Laboratório Pop há aproximadamente 5 anos. Por isso não são citados nomes como The Baggios, The Renegades of Punk, Daysleepers, Nautilus, Sign of Hate, Litania Ater, Berzerkers, Impact, Finitide, AliquiD, Urublues, Psicosônicos, Dr. Garage Experience e Karranca, entre outros que surgiram ou passaram a se tornar mais ativos no cenário posteriormente. Algumas informaçẽs desatualizadas foram corrigidas em notas ao longo do texto.

snooze
O rock sergipano como um movimento, uma entidade oriunda da existência de um grupo de bandas com origens em comum que tocam juntas e dão suporte umas às outras, começou a se formar aos olhos do publico (pequeno, porém sempre fiel) no inicio dos anos 80, de carona na grande onda do rock nacional, que por sua vez pegou carona na onda new wave que tomava conta do mundo. Por essa época, começavam a se formar bandas de garagem que tinham na precariedade de recursos compensada por uma vontade de criar e se comunicar através de uma musicalidade marginal, assumidamente “underground”, sua principal característica. Capitaneadas pelas figuras de verdadeiros agitadores culturais dos subterrâneos roqueiros da cidade, como Sylvio “Suburbano” e Vicente “Coda”, surgiram nomes como SEM FREIO NA LINGUA, FOME AFRICANA E THE MERDAS. Esta ultima contava em suas fileiras, então como baterista, com o hoje internacionalmente conhecido DJ Dolores, que na época se assumia como punk e atendia pela alcunha de Helder “podre”. Ficaram célebres as chamadas “rockadas”, festas regadas a muito álcool, rock e algum sexo, algumas inclusive realizadas nas residências dos organizadores e animadas por bandas ao vivo. Consta inclusive que Vicente Coda, então guitarrista e membro-fundador da banda KARNE KRUA (a mais antiga em atividade na cidade), chegou a organizar um festival em sua casa, com a cozinha servindo de palco, o quintal de camarim e o restante do ambiente tomado pelo publico.

Na esteira desses verdadeiros pioneiros, outros grupos foram nascendo, e de diversas matrizes, como a new wave propriamente dita, com CROVE HORRORSHOW, LULU VIÇOSA E ALICE, o punk rock/hardcore, com MANICÔMIO, FORCAS ARMADAS, CONDENADOS, LOGORRÉIA e a já citada Karne Krua, entre outros, e correndo por fora, numa cena à parte, o mundo do metal, cujo maior nome era o já lendário GUILHOTINA. Algumas dessas bandas, como o Crove Horrorshow, tiveram uma certa longevidade, chegando a se apresentar regularmente até meados dos anos noventa, mas a esmagadora maioria teve vida breve. A grande exceção é a Karne Krua, que este ano (2005) completa 20 anos de atividades ininterruptas. Foram inclusive a primeira banda de rock do estado a ter sua musica prensada em um álbum de vinil, no que viria a ser seu primeiro disco “oficial”, auto-intitulado e precedido por inúmeras fitas-demo em k7 como as já clássicas "As Merdas do sistema", “Labor operário” e “suicídio”. Sua discografia conta ainda com um cd, “Em carne viva”, no qual repassam toda a sua carreira, a essa altura emoldurada por uma notável influência da musica regional.

Os espaços para apresentações na cidade sempre foram precários, ainda mais nos idos da década de 80. Mas as tribos tinham seus pontos de encontro, notadamente as lojas especializadas DISTURBIOS SONOROS e LOKAOS, e inclusive contaram, durante um certo período, com o apoio de um programa especializado no estilo em uma radio de grande audiência, o ROCK REVOLUTION. A mesma radio, já por volta do ano 2000, voltou a abrir suas portas por um curto período ao segmento alternativo com outro programa, PLAYGROUND, capitaneado por Rafael Jr., da banda SNOOZE.

Década de 1990
O Snooze pertence a uma segunda geração do rock sergipano, por assim dizer, aquela que surgiu na primeira metade dos anos 90 trilhando o caminho pavimentado pelos bravos desbravadores da década anterior. É um dos grupos locais de maior repercussão nacional. Fazem uma musica que remete à melhor sonoridade alternativa “indie”, chegando inclusive a lançar dois CDs por selos respeitados e de projeção nacional, Short Records e Monstro Discos. E sempre se caracterizou por uma notável preocupação em sair do estado, levar seu som ao maior publico possível país afora, se apresentando em festivais renomados como o Goiânia Noise, de Goiânia, e o Circadélica, em São Paulo, entre outros. Apesar de desfalcado de todos os seus integrantes originais, com exceção do baterista Rafael Jr., segue firme, a caminho do terceiro cd. (Nota: atualmente a banda conta novamente com outro membro fundador, Fabinho, no baixo e vocal, e já lançou há algum tempo o tão esperado terceiro CD).

Junto ao snooze, na mesma época, surgiu, desta vez no interior, aquela que talvez seja a mais peculiar, improvável e experimental formação do rock sergipano, o LACERTAE. Oriundos de Lagarto, região centro-sul do estado, começaram fazendo um som que remetia ao Pantera e demais ícones trash do momento. Contudo, após uma temporada parados, absorveram novas influencias, notadamente do emergente movimento mangue-beat, e ressurgiram como um trio com uma sonoridade própria e instigante, ao ponto de chamarem a atenção, através de sua demo “100km com um sapato”, da gravadora Rock it, do Rio de Janeiro, então capitaneada pelo guitarrista da Legião Urbana Dado Villa-Lobos, que os lançou em sua célebre coletânea “Brasil Compacto”, com o que de melhor era feito no rock brasileiro àquela altura. Depois reduzido a um duo minimalista, apenas guitarra e bateria, o grupo, com sua musica hipnótica, angariou o respeito e foi tema de matérias em publicações especializadas de todo o Brasil, o que os levou a se apresentar em alguns dos melhores palcos nacionais, como os do Abril pro rock, em Recife, e o do Sesc Pompéia, em São Paulo. Lançaram dois discos independentes e continuam firmes em atividade. (Nota: atualmente andam sumidos)

Mas o rock sergipano dos anos 90 não se resumia a esses dois nomes de maior projeção. O “underground” estava mais fervilhante do que nunca, e novos nomes surgiam a todo momento, especialmente nas searas do metal e do punk/hardcore. Nomes ainda hoje (2005) em atividade, como SUBLEVAÇÃO, WARLORD e ANAL PUTREFACTION, e outros que marcaram época mas se foram, como CLEPTOMANIA, OLHO POR OLHO, LECTOSPINOISE, LIPROFENIA, REFUGOS DE BELSEN, EXPLICIT SEX, DEUTERONOMIO, MUCOUS SECRETION, DEVILRY, de Itabaiana, e CAMBOJA. Esta última, uma “one man band”, personificada na figura de Jamson Madureira, tinha também uma sonoridade única, porém, ao contrário do Lacertae, mais calcada no rock industrial de nine inch nails, ministry e afins, o que se fazia refletir em seus riffs minimalistas e repetitivos e letras intimistas que se resumiam à repetição “ad nausea” de uma única frase.

Camboja, Jamson Madureira
Vale ressaltar que também por essa época, numa fase pré-popularização da internet, era grande a produção de fanzines no estado. Alguns ainda oriundos dos anos 80, como o BURACAJU, o CENTAURO SEM CABÊÇA e o ESCARRO NAPALM, e outros nascidos já na década de 90, como o SINAGOGAS BUTTERFLY e especialmente o CABRUNCO, que é considerado por muitos como um dos melhores zines já produzidos no Brasil, vindo a ser resenhado com grande destaque na imprensa nacional.

Os shows se multiplicavam, ainda de forma precária, mas já contavam com o apoio decisivo de alguns abnegados proprietários de bares e casas noturnas, como Jajá, do MAHALO DISCO CLUB, onde ocorreram as mais memoráveis apresentações daquele período, inclusive de grupos de fora do estado, alguns até com uma certa projeção nacional, como o Concreteness, brincando de deus, Living In the Shit, Inkoma (da hoje rockstar Pitty) e Discarga Violenta.

A precariedade das produções só seria superada (pelo menos em parte) no final de 1998, quando aconteceu o festival ROCK-SE, um verdadeiro divisor de águas. Nele, as bandas locais tiveram pela primeira vez, em larga escala, a oportunidade de se apresentar ao lado de grandes nomes do rock nacional, algumas inclusive suas assumidas influências, como O Rappa, Marcelo D2, Eddie, Dois Sapos e Meio, Mechanics e Pin Ups. Uma pena que o futuro atestou que a cidade ainda não estava preparada para eventos desse porte, o que deixou o Rock-se restrito a duas edições.

Mas o cenário não seria mais o mesmo depois daquele festival. Uma nova geração foi tomada de assalto pela sedução dos acordes de guitarra. Uma nova cena nasceu ali, ancorada pela difusão de mídias alternativas atravésa da internet e das TVs por assinatura. Uma nova geração que não demorou a gerar seus frutos em novos nomes como FLUSTER, GEE-O-DIE, MERDA DE MENDIGO, LLLY JUNKIE (primeira banda integralmente formada por meninas a tocar regularmente) , EXPRESSO SUBURBANO, ANTI-SOCIAL, MAQUINA DE ÓDIO, SILVER TAPE, ELOQUENTES (depois ROCKASSETES) e SONNET, entre muitos outros, todos compostos por adolescentes com os hormônios à flor da pele e bastante dispostos a se fazer ouvir.

A cena foi crescendo e se diversificando. Havia o reggae, personificado na REAÇÃO, com seu som de protesto com forte apelo popular e ampla penetração na programação das rádios locais, o regionalismo das bandas NAURÊA e MARIA SCOMBONA, e o metal, sempre o metal., cujos nomes de maior destaque atualmete, além do WARLORD, incansável, são SCARLET PEACE, com um som que oscila entre o gótico/doom e o death metal – primeira banda do segmento do estado a ter um disco oficial lançado – e a TCHANDALA, esta guardiã do que há de mais tradicional no estilo. Há também uma cena Black metal ultraradical cujo maior nome é a MYSTICAL FIRE, com seu show regado a cusparadas de fogo, cabeças de porco apodrecidas e imprecações blasfêmicas.

Houve, por esta época, um novo festival de renome, o PUNKA, que conseguiu a façanha de superar o rock-se não apenas em numero de edições, mas na quantidade e qualidade de grupos de projeção nacional apresentados. Por seus palcos passaram nomes como Los Hermanos, Autoramas, Street Bulldogs, jason, Retrofoguetes, brincando de deus, Bosta Rala, The Honkers, Torture Squad e muitos outros, sempre ao lado do que de melhor podia oferecer a produção local.

E passando ao largo de tudo isso, impassível, segue sua saga o incansável Silvio Campos, outrora autodenominado “suburbano”, que além da Karne krua é membro fundador de muitas outras bandas importantes para a cena, como A CASCA GROSSA, ETC, 120 DIAS DE SODOMA, TEMPESTUOUS, MAQUINA BLUES, LOGORREIA e WORD GUERRILLA.

Mas a banda que a meu ver sintetiza toda essa terceira geração do rock sergipano, por sua excelência técnica e talento para compor somente comparável ao que de melhor o rock brasileiro já produziu, é o PLASTICO LUNAR. São jovens (com exceção do já não tão jovem baterista, Marcos Odara, veterano dos anos 80), mas foram buscar suas influências nos anos 60 e 70, e com isso se inserem naturalmente num ambiente povoado por temas psicodélicos, viagens instumentais intermináveis e rock de primeira qualidade. A projeçao nacional (seja no mainstream ou num circuito mais alternativo porém já bastante amplo) de nomes como Cachorro Grande e Mopho, de Maceió, que rezam mais ou menos na mesma cartilha, dá a eles a oportunidade de se destacarem nacionalmente, fazendo a diferença nos futuros anais do rock brasileiro. Qualidade não lhes falta. É certamente a mais promissora das bandas sergipanas.

A sorte está lançada! Quem viver verá - mas em todo em caso adianto, desde já, que não foi em vão.

por Adelvan Kenobi

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4 comentários:

  1. Lembro dessa foto do Jamson, foi o show de gravação da fita que o Camboja lançaria pelo meu mal-fadado selo MauMau Recs...
    Foi a demotape mais mal-divulgada do mundo! Mea culpa...
    Grande Madureira, grande Camboja!

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  2. Esse show do Camboja foi SENSACIONAL. E acabou sendo o ultimo show da banda. Pra tu ter uma ideia, por vários anos, sempre que eu encontrava o Fernando do kafila do Piauí, que tocou na mesma noite, ele me perguntava sobre madureira, ficou impressionado com a pegada dele na guitarra. Era um criador de riffs matadores.

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  3. Viva Madureira!!
    Mas esse comentario é para corrigir dados snoozentos: ao invés do Bananada, tocamos no Goiânia Noise Festival (2x), e são três cds, não dois!

    cheers

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  4. opa, Fabinho, valeu as correções. Com relação ao terceiro CD é pq o texto é antigo, tinha esquecido de citar na Nota que já tinha sido lançado - faz tempo, aliás. Ressalto mais um vez que o texto é antigo, de 2004/2005, postei aqui só pra deixar registrado na net, já que nunca tizeram a consideração de mandar nem um exemplar da revista em que saiu para mim. No Brasil é assim, vc faz as coisas de graça e ainda é como se estivessem te fazendo um favor em publicar.

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