sábado, 12 de março de 2016

Viva La Brasa, Ano 2

Necro "Na Brasa"
“Viva La Brasa”, o livro, foi lançado há pouco mais de um ano em uma festa “de arromba” na finada Caverna do Jimmi Lennon, com apresentações de alguns dos melhores nomes do cenário “undeground” local. Na seqüência, Adolfo Sá caiu na estrada pra promover sua “cria” e com a ajuda de amigos – sempre! – marcou presença em Maceió, Recife e João Pessoa. No último sábado, dia 05 de março, ele retribuiu a gentileza convidando algumas das bandas que o ajudaram para uma nova celebração, desta vez com uma produção mais bem cuidada. Pena que o público não correspondeu à altura: pouca gente foi ao “Rancho”, simpática casa de praia localizada na Aruana, para conferir a pernambucana Catarina Dee Jah, os alagoanos da Necro e os renegados do punk sergipano. Azar de quem não foi! Foi tudo feito no capricho: som, iluminação, bar, cantina e até redes estendidas entre os cajueiros ...

Renegades abriu a noite no palco depois de uma discotecagem bacana de Inês Reis, “a garota da capa”. Matando a pau, como sempre. Na seqüência a Necro, que é, provavelmente, a banda “de fora” que mais bate ponto por aqui – e isso é ótimo! Apresentaram mais uma vez para um público diminuto o impressionante repertório de seu novo disco, já gravado mas ainda não lançado. Como com eles não tem tempo ruim, foi um show épico, acachapante e chapante, dividido em duas partes: na primeira, com Lillian na guitarra e Pedrinho no baixo, mandaram um set já conhecido de todos, com músicas dois dois primeiros álbuns lançados em glorioso vinil pela gravadora norteamericana Hydrophonic Records e em CD pela Baratos Afins, de São Paulo. Foi bom, mas meio desleixado – dá pra notar que eles já não estão mais muito a fim de tocar aquele material.

O bicho pega pra valer quando Pedrinho empunha a guitarra e começa a debulhar as novas composições, absolutamente sensacionais! A pegada é outra, mais ágil, menos “doom” e arrastada, mas ainda exalando um delicioso cheiro de mofo oriundo dos confins do que de melhor foi feito no rock “brazuca” das décadas de 1960 e 70 por nomes como Mutantes, O Peso, Módulo 1000 e O Som Nosso de Cada dia. Opção estética “retrô” vitaminada por uma energia contagiante, coroada pelo imenso talento do trio – Lillian segue destruindo nas 4 cordas enquanto divide os vocais com Pedrinho e ambos são conduzidos pela percussão poderosa de Thiago Allef. Sério: eu sinto até pena de quem ainda não os viu ao vivo, nesta nova fase. É impressionante – e difícil de descrever ...

Ficou difícil também pra Catarina Dee Jah segurar a onda, mas ela não se fez de rogada e, metida num figurino “colante” e estiloso, mandou ver numa outra “vibe”, bem mais dançante e flertando com ritmos populares. Aos poucos, foi conquistando os que sobreviveram ao massacre sonoro das bandas de abertura, com a ajuda de sua competente banda, os ”Radicais Livres”, que ela mesma informou nunca ter visto tocar com tanto “punch”. Encerrou com um inusitado “pout-pourri” de músicas dos Garotos Podres recriadas no seu estilo “guerrilheira cultural”, sem medo de ser feliz.

“Eu tento, mas Aracaju não facilita”, foi a resposta de Adolfo à minha admiração pelo capricho da produção – em parceria com a “Então Pronto”. Por isso mesmo é preciso louvar quem, como ele, não se deixa abater pelas dificuldades e corre atrás dos seus sonhos. Na raça, com a cara e a coragem.

“Viva La Brasa”, o livro, é uma coletânea de textos publicados originalmente no blog de mesmo nome, na revista Cumbuca e no Cabrunco, um fanzine da década de 1990. A edição é caprichada, em papel de qualidade e com uma diagramação que, de tão boa, pode ser considerada, por si só, uma obra de arte – de Gabi Ettinger, também responsável pela capa e pelo projeto gráfico. Fala de tudo, ou do que der na telha do autor: do surf, uma de suas paixões, ao rock, passando por acidentes de moto, mordidas de cachorro – “caiu da moto?” -, terrorismo editorial “Tarja preta”, sua amizade com Allan Sieber - com quem já dividiu um muquifo na cidade “maravilhosa”; Bezerra da Silva, Joacy jamys, Pitty (“porra, Adolfo, “menina dos olhos do rock baiano”?”); fanzines, B-Negão, Planet Hemp e Marcelo D-2, Mundo Livre S/A e Zenilton (“Eu quero mais é morrer de AIDS e emaconhado, comendo essas menininhas novas”); Luiz Eduardo; Lauro; as conturbadas passagens do Ratos de Porão por Aracaju; Mônica Mattos – “produto nacional tipo exportação”; Grande Hotel – “Nostalgia turva e futurismo estridente”; Nação Zumbi “na hora da zona morta”; puteiros e putarias do centro da cidade; Jaguar; Merda, Leptospirose e ossos quebrados e Joana Côrtes ...

E Mudhoney no Pelourinho, Plástico Lunar no Abril pro rock, Eddie na Sessão Notívagos; Lacertae; Fúria – CARALHO!; SHA-LA-LA (Snooze); Thiago Neumman “Cachorrão”; Jamson Madureira; Rick Griffin; Ellen Roche & The Black Keys; Reação reggae roots; Música Popular Brasileira, Adelvan Barbosa (eu!) e o programa de rock; Condomínio Jardim Imperial (Ofício no. 02/2000, 04 de janeiro); Michael Menezes e os Ramones; Flavio Flock; Marcos “Meleka” e o Plano B da Lapa; Marcha da maconha; Scarlett Johansson nua; punk indonésio; Cabaret dos Insensatos; Marcha das Vadias; “Buceta Treta”(Pussy Riot); Leptospirose no Clandestino; The Baggios na estrada; Adilson Lima e os quadrinhos sergipanos; a Avenida Oceânica da Barra dos Coqueiros; passagens de sua vida pessoal, como o emocionante texto em que conta sua relação com o irmão, falecido, e as peças plásticas com formato de cruz que assustam os donos das motos CG 150 Titan.

Há também muitas – e boas – Histórias em quadrinhos – algumas delas escritas e desenhadas por ele mesmo! – e muitas – algumas muito boas – entrevistas: com Schiavon – o cartunista, não o o tecladista do RPM -; Binho Nunes, o “corvo surfista”; com a Gangrena Gasosa (por Marcio Sno); Stephan Figueiredo – outro surfista; Adão Iturrusgarai, Daniela Rodrigues, Gabriel Thomaz, Júlio Adler – mais um surfista; Eduk, do DeFalla – a mais insana, claro; Leonardo Panço, Julico da The Baggios, Silvio da Karne Krua (e da Máquina Blues, Logorréia, Casca Grossa, Cruz da Donzela, Words Guerrilla e ETC), Pablo Carranza e Catarina Dee Jah – “Conhece Aracaju?” “Ainda não. É uma pena que seja tão difícil tocar nos estados vizinhos com estrutura profissional e equipe. Mas a noite é curta e a vara é longa. Se você me perguntar se aquela pirralha que atravessava as pontes do Recife sozinha para ver Chico e sua gangue tocando imaginava aonde a música a levaria, eu digo com certeza que ela não fazia idéia. Viva a música feita de coração e fúria!”

“Viva La Brasa”, o livro, pode ser encontrado por aí, nas melhores lojas e banquinhas de material alternativo de shows underground. Nas piores também, talvez, mas só quando Adolfo resolver queimar o estoque. Em Itabaiana na TNT, no fundo do Murilo Braga. Em Aracaju na Freedom – Rua Santa Luzia, 151 – centro, próximo à Catedral.

Ou em http://vivalabrasa.com/

A.

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TUDO AO MESMO TEMPO AGORA

Patricia Piccinini "Com Ciência"
O melhor filme do ano passado foi “Mad Max: Estrada da Fúria”, mas o favorito para levar o oscar era “O Regresso”. Ganhou “Spotlight”, que joga luz sobre os casos de pedofilia envolvendo padres católicos. Menos mal: nem um, nem outro. Fez-se a justiça de Salomão. /////////////// Em todo caso, Mad Max sagrou-se como o grande vencedor em números absolutos, com a conquista de seis estatuetas, em sua maioria nos quesitos técnicos, como som e montagem. Justíssimo! Só acho que deveria ter levado também, pelo menos, o prêmio de direção: George Miller, aos 71 anos, deu uma verdadeira aula. Seu filme é cinema de ação como há muito tempo não se via – nunca mais tinha tido aquela curiosa sensação de satisfação e desconforto por perceber que a projeção estava chegando ao fim. Queria mais! Tomara que tenha continuação.

Fury road
“O Regresso” mereceu muito o prêmio pela fotografia, realmente primorosa. E só. O filme é bom, tem um bom ritmo, mas convenhamos: é “clicheroso” e, em termos de roteiro, praticamente se resume a mostrar DiCaprio correndo, arfando, sendo atacado e fugindo por duas horas e cacetada. Se bem que o ataque do urso é realmente um espetáculo, daquelas cenas que ficarão marcadas nas retinas dos olhos de quem viu no cinema, em tela grande - como deve ser – para sempre. /////////// O que não quer dizer que eu ache que a academia tenha sido injusta ao dar o oscar de melhor atuação para Leo, só acho que demorou. Ele devia ter recebido por “O Lobo de Wall Street”. /////// Foi muito bom também ver a belíssima animação brasileira “O Menino e o mundo” no páreo. Uma grande vitória. Ganhar, mesmo, era uma missão praticamente impossível, já que “Divertida Mente” é uma obra-prima. Mais uma, da Pixar. Que andava patinando. Tomara que tenha voltado aos trilhos.

O carioca Leonardo “Panço” é gente que faz: compositor e guitarrista, tocou nas bandas Soutien Xiita e Jason, com a qual rodou a Europa e o todo o Brasil, de norte a sul, inúmeras vezes, com direito a várias passagens por solo sergipano, onde tocou até no interior, em Itabaiana – feito raro para bandas “de fora”.Com sua gravadora “Tamborete” lançou um catálogo de respeito, com direito a alguns nomes de peso do underground, como o Zumbi do Mato e a Gangrena Gasosa. Hoje se dedica à escrita e a uma promissora carreira solo que começou com “Tempos”, de 2014, e segue firme com “Superfícies”, do ano passado. “Superfícies” une música e literatura: é um livro, ilustrado por fotos do próprio autor, com um disco de trilha sonora. O livro é, na verdade, uma espécie de “encarte de luxo”, já que, a meu ver, não funciona muito bem, isoladamente. Mas o disco, totalmente instrumental, é uma pequena obra-prima! Belas melodias em texturas e arranjos riquíssimos. Foi todo gravado, como sempre, na base da “brodagem”, com a ajuda dos amigos – dentre eles os sergipanos Thiago “Babalu”, nas baquetas, e Rafael Findas, nas quatro cordas. Vale muito a pena conhecer. É vendido diretamente pelo autor, que pode ser encontrado no facebook no seguinte endereço: https://www.facebook.com/leonardo.p...

Renegades of punk "na brasa", por David Doria
Ainda há público para shows de rock em Aracaju? Fecharam dois espaços que abriam para o estilo, a Caverna e a Casa Rua da Cultura. Sábado passado apenas alguns gatos pingados foram ao Rancho da Aruana ver a segunda festa Viva La Brasa, enquanto um samba no CHE tava lotado, com tanta gente que a rua em frente ficou praticamente interditada. Nada contra o samba, evidentemente. Só acho uma pena que uma banda como a Necro tenha tido tão pouco público nas duas últimas vezes que vieram tocar por aqui. Em todo caso, o rock segue em frente, porque é teimoso: ontem, dia 11/03/2016, rolou o lançamento do novo disco da excelente Penny Mocks. Próxima sexta tem Punk rock e Hard Core na pista de skate Cara de Sapo, com os paulistas da Mar Morto, os pernambucanos da Johnny 13 e os sergipanos Ideal e The Renegades of punk. Amanhã, dia 13, tem o SOS UNDERGROUND 2 no Conj. Marcos Freire, em Nossa Senhora do Socorro, com Rasga Mortalha, Mophinum, Anhan e outra que não consegui ler o nome no cartaz. Já dia 20/03, em São Cristóvão – terra da The Baggios, que acabou de tocar no Lollapalooza, em sp – rola Executor, Casca Grossa, Suicídio Coletivo, Pôdi pa caraio, Toxofobia e Enterrados de Forma Banal. Por fim, dia 16/04 tem UNDEGROUND ATTACK no parque dos cajueiros, com Cruz da Donzela, Executor, Serial, Eyeless e Mentes suicidas.

Chega a ser comovente a verdadeira saga da Editora Conrad para completar, no Brasil, a publicação do emocionante mangá “Gen:Pés descalços”, um clássico que conta a história de um sobrevivente da bomba de Horoshima. Os quatro primeiros volumes foram lançados nos anos 2000 e 2001, mas a publicação só foi retomada recentemente e atualmente está no volume nove, de um total de 10. Um sinal de que, apesar da ótima fase, a publicação de quadrinhos no Brasil segue sendo uma atividade de risco. /////// Ótima fase que foi coroada este ano com a premiação do niteroiense Marcelo Quintanilha no Festival Internacional de Angoulême, na França – uma espécie de Festival de Cannes da “banda desenhada”. O oscar é o “Eisner Awards”, americano. Ganhou por “Tungstênio”, um bom conto policial curiosamente ambientado em Salvador, Bahia, mas sua obra-prima é “Talco de Vidro”, uma verdadeira “tour-de- force” pela mente de uma dentista de classe média alta de sua cidade natal, Niterói, corroída pela inexplicável inveja que sente de sua prima suburbana. Impressionante! Lembra “Crime e Castigo”, de Tolstoi. Angustiante. Nem um pouco divertida, esta mente.

Shine on, you crazy diamond
A passagem dos anos de 2015 para 2016 vai ficar na história do rock and roll - de forma negativa, infelizmente. O baixo astral por aqui, nas terras do Cacique, começou com a notícia do falecimento de Levi Marques, que desistiu da vida no fim do ano passado e deixou sem chão uma legião de amigos. Era um jovem talentoso, cantor e compositor, “performer” de primeira. E, acima de tudo, um cara “do bem”. Faz muita falta e nunca será esquecido. O mal-estar prossegue com a passagem “desta para melhor” (???!!!) de Flavio Basso, o eterno Júpiter Maçã, astro do rock underground tupiniquim que fez história em carreira solo e com a seminal banda gaúcha Os Cascavelletes e parecia ter chegado ao auge com o falecimento de Lemmy, do Motorhed, quando nos chega a notícia, nos primeiros dias do mês de janeiro do ano corrente, de que David Bowie não era, afinal, um ser imortal! Pelo menos não no plano físico, biológico. Já era difícil imaginar um mundo sem Lemmy. Sem David Bowie, é tarefa quase impossível. Seguimos vivendo, claro, mas não é mais a mesma coisa. Não mesmo.

Em todo caso, e apesar da crise, consegui fazer uma viagem a São Paulo no fim do ano. Foi por motivos de família – levar minha mãe para fazer uma visita a uma tia querida - mas aproveitei, evidentemente, para tomar um “banho de cultura” daqueles que só grandes metrópoles são capazes de proporcionar: Vi o show de David Gilmour, maravilhoso, no estádio do palmeiras – e lembrei de Levi quando recebi um telefonema de sua namorada querendo saber se o programa de rock poderia render-lhe alguma homenagem justo na hora em que o sublime guitarrista homenageava Syd Barret, o falecido fundador do pink Floyd, com a música “Shine on you crazy Diamond” – e vi as exposições de Zé do Caixão no Museu da Imagem e do Som – as montagens das exposições do MIS são sempre um espetáculo à parte: aqui, em formato de labirinto expressionista – e da australiana Patrícia Piccinini no Centro Cultural Banco do Brasil. “ComCiência” é uma impressionante exposição de esculturas ultrarealistas feitas de silicone, fibra de vidro e cabelo humano apresentando, em sua maioria, criaturas bizarras porém simpáticas, afetadas por mutações genéticas. Patricia, que se considera mãe de todos esses seres e se ofende quando os criticam, diz que se preocupa com eles e pode contar com precisão a origem de cada um. Ela cresceu acompanhando a progressão do câncer de sua mãe, morta em 1992, e sonhava que a ciência pudesse ajudá-la com a cura. "Não me importo se a medicina é natural ou se usa órgãos de porcos, por exemplo. Só quero que funcione". Nasceu daí sua fascinação pelo tema. O realismo de suas obras e o material que utiliza para confeccioná-las a aproxima do australiano Ron Mueck, cuja exposição no início deste ano na Pinacoteca de São Paulo atingiu 400 mil – eu vi e contei como foi aqui*, lembram? "Nós usamos o mesmo material, mas não estamos interessados nas mesmas coisas", diz a artista, que se diz mais surrealista do que realista. A exposição está atualmente em Brasília e depois segue para o Rio, sempre no CCBB. Se tiver a oportunidade, não deixe de ver.

* publicado originalmente no jornal Folha da Praia

A.

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