Um 2010 (A)bundante de coisas boas para todos.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
"Eu quero o cheiro das manhãs da minha terra" ...
"Depois de 9 anos na Europa, aprendi sobretudo a dar valor ao que eu desprezava, às pequenas coisas da vida, às raízes locais, e senti crescer um mim um certo pendor provinciano, embora seja um provincianismo distinto de sua acepção tradicional."
Pra mim é bem curioso o caso de Juliano Mattos, um cara que foi morar na Europa e vive com saudades de Aracaju. Curioso porque convivo dia-a-dia com pessoas que morrem de vontade de sair de Aracaju. "o sentimento mais provinciano que existe é o desejo de sair da provîncia", já disse um poeta cujo nome me escapa ...
Mais Juliano Mattos em http://errocrasso19.blogspot.com
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Há 10 Anos ...
por Juliano Mattos
Quando o ponteiro do relógio saltar das 23:59 do dia 31 de Dezembro de 2009 para as 00:00 do dia 1 de Janeiro de 2010, estarão completando 10 anos do começo do ano mais incrível e surreal da minha vida.
Há 10 anos, tudo mudava. Deixei de seguir o caminho dos outros e passei a seguir o meu. Desviei-me, completamente, do mundinho do Bê a Bá das gentes normais e mergulhei no desconhecido. Um mergulho de corpo e alma, sem pestanejar, sem olhar para trás, numa busca voraz na esperança de encontrar refúgio nalgo distinto do mundo em que vivera. A minha sede era tanta, que o Rock que eu havia começado a acompanhar a partir de 1998 não me satisfazia, parecia um deserto de mais do mesmo, reprodutor que era do recheio da sociedade contra a qual eu declarava guerra. Mas foi no meio desse deserto que encontrei um oásis: o Punk.
A rebeldia insaciável do Punk condizia com o meu estado de espírito, e foi dele que me revesti para afrontar a tudo e todos, para cuspir naquilo que acompanhava a minha vida desde sempre como sendo coisas intrínsecas à existência.
Certamente os psicólogos diriam que foi resultado de uma infância difícil no seio de uma família desmembrada e nômade, da sujeição a um estilo de vida desregrado e errante que caracterizou-se por não possuir raízes devido a inúmeras mudanças de casa, de bairro, de cidade, de estado e até de país.
Que seja! O certo é que por mais difícil que possa ser enveredar por caminhos paralelos ao que se está estabelecido, não há nada pior e mais deprimente do que a futilidade e a mediocridade de toda a normalidade. No ano 2000 finalmente descobri que odiava profundamente tudo o que era normal, tudo o que caracterizava (e caracteriza) por excelência a sociedade na qual vivia. E quando descobri que existia possibilidade de seguir um rumo diferente, quando conheci rumos diferentes, não pestanejei, não fiz qualquer ponderação e mergulhei no oásis de corpo e sobretudo de alma.
No ano 2000 aconteceram mais coisas na minha vida do que em todos os anos anteriores juntos. Ao entrar prá valer na cena Punk de Aracaju, o meu mundo transformou-se, as minhas perspectivas posicionaram-se para um novo horizonte que me oferecia um leque de novidades absolutamente avassalador. Até então eu era um mero apreciador de Rock, sem grandes pretensões quanto ao papel transformador da música. Mas bastou ir ao primeiro show da minha vida, na ATPN em Aracaju, para sentir a transformação me consumir as entranhas. O ambiente era mágico, lavava-me a alma e dotava-me de energia para afrontar a sociedade e buscar a afirmação da minha personalidade.
Entre 2000 e 2001 foram dezenas de shows, praticamente não havia semana em branco. Em 1 ano apenas, conheci mais pessoas do que todas aquelas que conhecera até então, fiz as amizades mais marcantes e sinceras da minha vida - algumas delas ainda hoje perduram graças ao advento da internet -, arranjei um trabalho escravo para ganhar 50 reais por mês somente para poder ir a todos os shows e para alugar discos de Punk na locadora CD Club, formei bandas de garagem que nunca dela saíram, mas que representaram momentos inesquecíveis de pura pujança juvenil. Tomei os meus primeiros porres de verdade, arranjei as minhas primeiras namoradas, abandonei o futebol para andar de skate, sobretudo depois da perda do meu saudoso avô, grande companheiro de jornadas futebolísticas. Abandonei a escola em nome da rebeldia, deixei o cabelo crescer, levantei moicano, rasguei as roupas, conheci as fanzines, entrei verdadeiramente no underground e comecei a pensar pela própria cabeça. Troquei os vícios e costumes banais e corriqueiros pela Freedom, pela Little Music Underground, pela ATPN e pelo Rock na esquina com os amigos, troquei a televisão pela vida real, comecei a tocar guitarra, abracei o vegetarianismo para não mais o largar, afirmei o meu ateísmo até então auto-reprimido, dinamitei toda e qualquer moralidade religiosa e conservadora, questionei a autoridade, conheci Bakunin e abri-me para o mundo em detrimento do provincianismo limitador.
Todas as estruturas da minha vida foram abaladas. O Punk tornara-se na minha tectônica. O ano 2000 representou a minha orogenia hercínica pessoal, numa analogia geográfica (mais geológica) com o fenômeno responsável pelo período mais ativo da dinâmica da Terra, durante o qual as massas continentais dispersas se uniram numa só (Pangea) e cadeias montanhosas foram erguidas.
Isso tudo resultou numa nova personalidade que me remetia ao experimento. Eu mergulhava profundamente em tudo aquilo que me atraía, algumas vezes sem conseguir suportar o peso das consequências, mas em geral sempre desvendando novos horizontes, sempre buscando aventuras como se fosse o meu último ano de vida. E foi, de certa forma.
Em Março de 2001, após mais de 1 ano em suspenso, finalmente chega a hora da partida para Portugal. Era a interrupção de uma festa em seu apogeu. Após quase 14 anos, sou arrancado de Aracaju como as raízes de uma árvore são arrancadas da terra. As amizades são cortadas, os sonhos desfeitos, todo esse novo mundo se desfazia em seu auge, quando eu vivia aquele que foi o momento mais feliz, satisfatório, surreal e enriquecedor da minha vida. Essa mudança de cidade, de país, de continente, representou também o fim da minha adolescência e me obrigou a ser adulto. 10 anos depois dessa epopeia começar, ainda não vivi nada semelhante. Aquele ano foi tão surreal que os meus flashbacks de costume o remetem à ilusão, ao mito, ao épico, à fantasia. Ele aconteceu, mas não parece, sobretudo quando faço um apanhado em ordem cronológica dos meus 27 anos. O ano 2000 foi um marco, e sempre tenho a sensação de que ele durou tanto quanto todos os outros 26 anos juntos. Se um dia eu escrever uma biografia, o ano 2000 deverá ter não só um capítulo dedicado a ele, mas um volume inteiro.
10 anos depois, boa parte daquela energia, daquela vontade de desvendar, daquele impulso incontrolável, foi desfeita pelas desilusões e pelo desgaste psicológico de viver contrariado. Nunca aceitei a minha vinda para a Europa, e quanto mais penso nisso, mais vontade tenho de regressar a um período onde tudo era magia.
Depois de 9 anos na Europa, aprendi sobretudo a dar valor ao que eu desprezava, às pequenas coisas da vida, às raízes locais, e senti crescer um mim um certo pendor provinciano, embora seja um provincianismo distinto de sua acepção tradicional.
Depois de percorrer a Europa, conhecer gente de todos os países, aprender a falar outras línguas, crescer culturalmente e aprofundar-me no underground europeu, cheguei a um ponto em que nada mais pode ser novidade, nada mais me toca e me empolga, nada mais me suscita tanto interesse e vontade incontrolável. Desde 2001 que a tendência é decrescente, não apenas porque no ano 2000 eu ainda não havia me "desvirginado" culturalmente, mas sobretudo porque a Europa não é o meu habitat e eu, alóctone desde sempre, nunca tive o dom da adaptação, tão só do improviso temporal.
A minha incessante busca pelo resgatar da epopeia é o meu revivalismo, a minha utopia pessoal. Há 10 anos a minha alma adentrava no dito oásis para nunca mais sair. Desde então, vivo sem ela. Porque eu vim para a Europa e ela ficou em Aracaju, que por ter sido a cidade dos meus sonhos, hoje é a cidade dos meus pesadelos.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Há 10 Anos ...
O que você estava fazendo na noite do dia 31 de dezembro de 1999 ? Uma data "cabalística". Passei minha infância inteira ouvindo falar que o mundo iria acabar no ano 2000. "Dos mil passarás, dos dois mil não", decretavam todos solenemente ao proferir essa profecia que, segundo eles, constava da Bíblia. Pois bem, chegou a data fatídica e fora o tal "bug do milênio" (que por sinal se revelou também uma farsa) nada de muito retumbantemente apocalíptico parecia se desenhar no horizonte. Para espantar o tédio, resolvi que alguma coisa precisava acontecer naquela noite. Convoquei alguns amigos, digamos, pouco sociáveis, com a recomendação para que chamassem seus outros amigos também pouco sociáveis para uma pequena comemoração em meu apartamento. Para sinalizar o local do evento, repaginei o pisca-písca de minha mãe na forma de um pentagrama e voilá ... Uma noite inesquecivel, em todos os sentidos (bons e ruins), que infelizmente não teve registro nem em video nem em fotos. Restou apenas o hilário relatorio que foi feito pelo síndico da época e posteriormente publicado no fanzine BODEGA, do Rio de janeiro. Em minhas memórias restam também algumas lembranças, mas as criaturas envolvidas podem não curtir ter suas aventuras relatadas publicamente em um blog da internet, então fica por conta de sua imaginação ...
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terça-feira, 22 de dezembro de 2009
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Knights do mal ...
Clostridium perfringens é o nome da bactéria causadora da gangrena gasosa, uma infecção que produz gás entre os tecidos do corpo. Geralmente ocorre em áreas traumatizadas e feridas cirúrgicas, evolui rápido e é caso grave. Se não for tratada a tempo, o enfermo entra em estado de hipotensão, insuficiência renal, choque, coma e, por fim, óbito.
Ronaldo de Souza Lima é o nome do ‘Chorão 3’, um dos vocalistas da Gangrena Gasosa, banda que comemora 20 anos c/ o 4º disco: SE DEUS É 10, SATANÁS É 666, prestes a ser lançado pela gravadora Freemind. O grupo surgiu nos anos ’90 em meio a uma onda do rock nacional em que novas bandas eram associadas a um determinado ritmo ou movimento: Chico Science liderava o manguebeat, os Raimundos vinham c/ o forró-core, e o Planet Hemp cantava a maconha. A Gangrena falava de macumba, e sua música foi batizada como 'SARAVÁ METAL'. Lançaram seu 1º disco em 1994, Welcome to Terreiro, ainda na época do vinil, pelo selo Rock It!, do ex-Legião Dado Villa-Lobos. Participaram de 2 coletâneas emblemáticas, No Major Babes, do jornalista Marcel Plasse, e Traidô!! - Tributo ao Ratos de Porão, produzido pelo Phú, da banda de HC de Brasília DFC [Distrito Federal Caos].
Em 2000 saiu Smells Like a Tenda Spirita, pelo selo Tamborete do amigo Leonardo Panço, e em 06 de junho de 2006 foi a vez do EP independente 6/6/6. Nascida sob o signo de Satã [ou do Exú, como preferirem], a Gangrena Gasosa passou por várias fases e formações, c/ algumas baixas resultantes da energia pesada c/ que a banda trabalha – o vocalista Paulão, ex-Seletores de Freqüência e atualmente em carreira solo, deixou o grupo depois de sofrer um atentado nas mãos de devotos fundamentalistas do Candomblé: “Isso é p/ aprender a não brincar c/ coisa séria”, teria dito um deles após aplicar-lhe algumas facadas [REZA A LENDA, pois Chorão não gosta de comentar o episódio].
“Metaleiro, gótico que anda de preto em cemitério, nego dá conselho: ‘Larga disso meu filho, fica direitinho’... Mas ninguém vê um adolescente entrar no mundo da macumba achando que isso é uma fase que vai passar quando crescer. Macumba é coisa mais séria, e ninguém gosta de mexer c/ essas coisas, não. Neguinho se borra mesmo”, diz Chorão. Conheci o ‘Omulú’ em ‘96, durante um Hollywood Rock no Rio. O White Zombie tinha acabado de tocar e rolava a apresentação do Smashing Pumpkins, e Ronaldo bradava: “Porra, esse The Cure é chato pra caralho!” Haha!.. Chorão [o ‘3’ ele acrescentou depois, por haver outros 2 Chorões mais famosos que ele] é tosco, suburbano, sinistrão. Mas também é culto, inteligente, engraçado – e acima de tudo verborrágico.
É o que você confere em 3 entrevistas feitas em tempos diferentes clicando aqui.
por Adolfo Sá
vlb
Ronaldo de Souza Lima é o nome do ‘Chorão 3’, um dos vocalistas da Gangrena Gasosa, banda que comemora 20 anos c/ o 4º disco: SE DEUS É 10, SATANÁS É 666, prestes a ser lançado pela gravadora Freemind. O grupo surgiu nos anos ’90 em meio a uma onda do rock nacional em que novas bandas eram associadas a um determinado ritmo ou movimento: Chico Science liderava o manguebeat, os Raimundos vinham c/ o forró-core, e o Planet Hemp cantava a maconha. A Gangrena falava de macumba, e sua música foi batizada como 'SARAVÁ METAL'. Lançaram seu 1º disco em 1994, Welcome to Terreiro, ainda na época do vinil, pelo selo Rock It!, do ex-Legião Dado Villa-Lobos. Participaram de 2 coletâneas emblemáticas, No Major Babes, do jornalista Marcel Plasse, e Traidô!! - Tributo ao Ratos de Porão, produzido pelo Phú, da banda de HC de Brasília DFC [Distrito Federal Caos].
Em 2000 saiu Smells Like a Tenda Spirita, pelo selo Tamborete do amigo Leonardo Panço, e em 06 de junho de 2006 foi a vez do EP independente 6/6/6. Nascida sob o signo de Satã [ou do Exú, como preferirem], a Gangrena Gasosa passou por várias fases e formações, c/ algumas baixas resultantes da energia pesada c/ que a banda trabalha – o vocalista Paulão, ex-Seletores de Freqüência e atualmente em carreira solo, deixou o grupo depois de sofrer um atentado nas mãos de devotos fundamentalistas do Candomblé: “Isso é p/ aprender a não brincar c/ coisa séria”, teria dito um deles após aplicar-lhe algumas facadas [REZA A LENDA, pois Chorão não gosta de comentar o episódio].
“Metaleiro, gótico que anda de preto em cemitério, nego dá conselho: ‘Larga disso meu filho, fica direitinho’... Mas ninguém vê um adolescente entrar no mundo da macumba achando que isso é uma fase que vai passar quando crescer. Macumba é coisa mais séria, e ninguém gosta de mexer c/ essas coisas, não. Neguinho se borra mesmo”, diz Chorão. Conheci o ‘Omulú’ em ‘96, durante um Hollywood Rock no Rio. O White Zombie tinha acabado de tocar e rolava a apresentação do Smashing Pumpkins, e Ronaldo bradava: “Porra, esse The Cure é chato pra caralho!” Haha!.. Chorão [o ‘3’ ele acrescentou depois, por haver outros 2 Chorões mais famosos que ele] é tosco, suburbano, sinistrão. Mas também é culto, inteligente, engraçado – e acima de tudo verborrágico.
É o que você confere em 3 entrevistas feitas em tempos diferentes clicando aqui.
por Adolfo Sá
vlb
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
NO SENSE By Escarro Napalm
No alto, No Sense Hoje. Abaixo, uma das primeiras fotos de divulgação.
ESCARRO NAPALM ENTREVISTA “NO SENSE”
NO SENSE é possivelmente a banda mais radical que eu conheço. Radical no sentido correto da palavra, o de identificar alguém que vai até o fim naquilo em que acredita. E não há outro adjetivo para apresentar a banda que gravou um disco como “ CEREBRAL CACOPHONY ”. Começaram ainda no fim dos anos 80, chamando a atenção no meio alternativo por ter no vocal uma garota de apenas 13 anos de idade. Os mais atentos, no entanto, viram além: perceberam que eles tinham algo mais, algo que os transformou na melhor banda de grindcore do país (sem querer desmerecer as demais é claro!!) e numa promessa de nível internacional. Apresentamos aqui uma entrevista feita em outubro de 1993 com Angelo, então guitarrista e principal compositor do grupo, e publicada na versão xerocada (internet na época era ficção científica) do fanzine Escarro Napalm.
NO SENSE é: ANGELO: guitarra, MARLY nos vocais, MORTO no baixo e PAULO na bateria. Já gravaram: “CONFUSED MIND” (demotape caseira), “OUT OF REALITY” (EP 7” FUCKER REC.) e “CEREBRAL CACOPHONY” (LP COGUMELO REC.).
Atualmente a banda está de volta à ativa, ensaiando novos sons, inclusive, com a formação original, com a diferença de que Morto agora toca guitarra e Ângelo assumiu o baixo.
http://www.myspace.com/nosensegrindcore
Ouça, é deliciosamente horrivel!!
1. COMO ESTÁ SENDO A REPERCUSSÃO DE “CEREBRAL CACOPHONY” NO EXTERIOR? EXISTEM PLANOS PARA O LANÇAMENTO DE UM CD DO NO SENSE? (A COGUMELO VISA BASTANTE O MERCADO EXTERNO E EU ACREDITO QUE A BANDA TEM CACIFE PARA TANTO)
NO SENSE: A repercussão tem sido boa, temos recebido varias cartas de lá. Ainda não sabemos se a COGUMELO lançará um CD nosso, mas talvez seja uma coisa natural, já que o CD no exterior já domina o mercado.
2. COMO ESTÁ A RELAÇÃO ENTRE BANDA E GRAVADORA? VOCÊS ESTÃO SATISFEITOS COM O TRATAMENTO QUE TEM RECEBIDO?
NO SENSE: A COGUMELO é uma gravadora independente que deu certo, afinal o dinheiro entra consideravelmente nela. Quanto ao nosso tratamento, é o mais formal do mundo. Se você não ligar, eles não ligam. As pessoas acreditam que se você entra para a COGUMELO, você se vendeu. Se nós nos vendemos, não ganhamos nada com isso até hoje.
3. É VERDADE QUE A CAPA DO LP ESTAVA PLANEJADA PARA SER A MESMA DO DISCO “HOW THE GODS KILL” DO DANZING?
NO SENSE: É sim, coincidência acontecem, por sorte não aconteceu e, além disso, gostamos da capa atual.
4. EXISTE PLANOS PARA O RELANÇAMENTO DO EP “OUT PF REALITY” VIA COGUMELO?
NO SENSE: Sobre isto ainda não sei, gostaria que sim, muita gente pede pelo 7” até hoje, quem sabe entre em um CD?
5. COMO ESTÁ A VIDA DO NOSENSE HOJE? MUITOS SHOWS, CONTATOS, ENTREVISTAS?
NO SENSE: Nós estamos parados no momento, mas breve voltaremos às atividades. Entrevistas temos tido algumas, contatos vários. Temos viajado por aí, indo a shows de outras bandas e se divertindo.
6. NO SENSE TEM PLANOS PARA TOCAR NO NORDESTE?
NO SENSE: Claro que sim, seria demais. As pessoas daí são legais temos muitos correspondentes por aí. Quando acontecer isso, vai ser demais.
7. MARLY AGORA É MÃE, ASSUME COM ISSO NOVAS TAREFAS E RESPONSABILIDADES. EM QUE ESTE FATO INTERFERIU NA VIDA DA BANDA COMO UM TODO?
NO SENSE: Até agora interferiu um pouco, desde que Marly estava com 8 meses paramos de tocar e ensaiar. Daqui pra frente, não sei como vai ser, mas tenho certeza que tudo irá dar certo.
8. O QUE VOCÊS MAIS GOSTAM E O QUE MAIS DETESTAM EM TERMOS DE SOM?
NO SENSE: Nós gostamos de tudo o que é bom, o que é ruim não gostamos. Curtimos HEAVY, DEATH, PUNK, H.C., DOOM, BLUES, JAZZ, NOISE, EXPERIMENTAL, GRIND. Só não gostamos de coisa que é feita pra vender, oportunista. Pode estar dentro de qualquer estilo já citado, mas se for feito pra vender e agradar a mídia, não iremos curtir.
9. NO FANZINE “VIA SKALA” ANGELO DECLAROU QUE SE UM DIA O NO SENSE FICASSE TÃO FAMOSO QUANTO O SEPULTURA, COM MAURICINHOS E GRUNGES DE PLANTÃO USANDO SUAS CAMISAS, A BANDA ACABARIA. VOCÊS NÃO ACHAM ESTA DECLARAÇÃO UM TANTO PERIGOSA? EXPLICO. SE UM DIA A FAMA VIESSE E VOCÊS ESTIVESSEM NO AUGE DA EMPOLGAÇÃO E CRIATIVIDADE, ACABARIAM COM TUDO ASSIM MESMO? O NO SENSE TEM MEDO DO SUCESSO?
NO SENSE: Não acho a declaração perigosa. Se estivéssemos no auge entre pessoas que realmente gostam do que fazemos continuaríamos, lógico, mas no auge com um bando de mauricinhos, isso seria desanimador. O NO SENSE acabaria e levaríamos nossa criatividade para outras bandas e coisas. Não, o NO SENSE não teme o sucesso, apenas não quer isso.
10. “GRIND IS PROTEST”. NO SENSE SE IDENTIFICA MAIS COM CENA HARD CORE OU COM O DEATH METAL? COMO VOCÊS VEEM A RIVALIDADE ENTRE ESTAS DUAS TRIBOS? EXISTE MOTIVO PARA TANTO?
NO SENSE: Nós nos identificamos com os dois estilos, existe espaço para todo mundo, não existe motivo para isso, como pra qualquer espécie de rivalidade.
11. QUAL A OPINIÃO DA BANDA SOBRE OS SEGUINTES TEMAS:
RACISMO: Idiotice, ninguém é melhor do que ninguém. Igualdade acima de tudo
MACHISMO: O homem se acha superior, mas vive precisando da mulher. Se ele é tão bom assim, porque não ele não transa com outros homens?
VEGETARIANISMO: Bom, nesse caso falo por mim e não pela banda, já que sou o único vegetariano no NO SENSE. As pessoas precisam se esclarecer mais sobre os malefícios da carne e sobre a fome no mundo. A floresta amazônica é devastada para criar gado, toneladas de grãos são gastos para alimentar o gado enquanto pessoas morrem de fome no mundo, pessoas que não irão nunca comer um bife.
MÍDIA: Ela tem o toque de Midas, transforma tudo que toca em ouro, se quiser, mas também transforma muita coisa em merda (a grande maioria, ou toda ela).
POLITICA: Não deveria existir pra ser político não se estuda, mas se ganha bem. O povo deveria tomar o poder, anular o voto e se conscientizar que está sendo usado e enganado.
12. NO PONTO DE VISTA DE VOCÊS, ATÉ QUE PONTO AS BANDAS DE ROCK PODEM INTERFERIR NA REALIDADE QUE AS CERCA PARA, USANDO UM EUFEMISMO BASTANTE POPULAR, “MUDAR O MUNDO”? É POSSIVEL? FOI O ROCK QUE MUDOU O MUNDO OU O SURGIMENTO DO ROCK FOI UMA CONSEQUENCIA DAS MUDANÇAS PELAS QUAIS PASSOU A SOCIEDADE HUMANA NESTE SÉCULO?
NO SENSE: Mudar o mundo é impossível, mas quem sabe lançar idéias, conscientizar as pessoas que ouvem os discos e vão aos shows... Um dia estas pessoas terão filhos e podem passar algo a eles. O não conformismo é o mais importante. O rock não mudou o mundo, senão estaríamos melhor hoje. Mas ele surgiu como mudança de padrão e isso é importante: mudar os padrões e ao criar outros, sempre renovar e nunca se acomodar.
13. ESPAÇO ABERTO. VOMITEM ALGUMA COISA, ALGUM ASSUNTO QUE VOCÊS QUEIRAM FALAR E QUE NÃO FOI CITADO?
NO SENSE: Queríamos pedir mais união, menos clichês, menos rótulos, música pode se rotular, mas pessoas não. Espero que as coisas mudem que o país cresça em todos os sentidos, que toquemos por aí em breve para podermos tomar uma pinga aí com você, Adelvan, e dar muitas risadas juntos. Afinal de contas, o importante é ser feliz!!
NOTA: O No Sense nunca tocou na região nordeste.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Um sergipano ( de coração ) no Velho Mundo
Há algum tempo me deparei com um cara que mora na Europa, em Portugal ( mas que está sempre em Praga, Republica Checa, lar de sua namorada ), perguntando sobre a Karne Krua e os shows na ATPN numa comunidade do orkut. Respondi suas perguntas e acabamos nos tornando amigos virtuais. Foi quando soube que ele morou por muito tempo em Aracaju, e tem saudades daqui, apesar de viver no chamado " primeiro mundo ".
Recentemente, em seu blog, ele publicou a postagem que reproduzo abaixo, fazendo uma interessante analogia entre o Muro de Berlin ( 20 Anos da queda ) e os muros do condominio onde vivia.
Com vocês, Juliano Mattos:
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O Muro de Berlin, 20 Anos depois
por Juliano Mattos
Em 1989 eu era um guri desfrutando ao máximo da minha feliz infância em Aracaju. Uma criança como qualquer outra, que passava a vida jogando futebol, cheio de ilusões e borrifando-se para o mundo.
Nessa época eu vivia num condomínio fechado de classe média chamado Flamboyant. Nele havia uma piscina grande, uma quadra poliesportiva, um salão de jogos, com bilhar e tênis de mesa, e um parquinho de diversão infantil. A minha vida resumia-se ao perímetro do condomínio e dali eu só saia para ir à escola, situada ao lado do Flamboyant. Desde 1987 ali, eu vivia entre dois apartamentos, o dos meus pais e o dos meus avós. No 11º andar do Bloco A, na porta número 1104, viviam os meus avós e a minha tia Mina, e no 2º andar do Bloco E, na porta 204, viviam os meus pais. Eu gostava mais do apartamento dos meus avós porque ele me proporcionava uma vista para fora do condomínio, da fortaleza. De lá eu conseguia ver, a jusante, o emaranhar de prédios que começava a se configurar na Treze de Julho, o Rio Sergipe, a Barra dos Coqueiros e atrás dela o mar.
Já para oeste, eu costumava contemplar os contornos da Serra de Itabaiana que se desenhava ao fundo, uma das mais belas atrações para turismo de natureza do estado de Sergipe. Hoje arrependo-me de nunca a ter visitado. Quem diria que 20 anos depois eu estaria estudando Geografia e me debateria no estudo da geomorfologia?
Mas olhar pela janela do apartamento dos meus avós era uma forma de imaginar o mundo fora do Flamboyant, de avistar coisas diferentes e as fantasiar. Eu imaginava a Serra de Itabaiana como uma cadeia montanhosa gigantesca, embora seu ponto mais alto atinja apenas os 600 metros de altura. Quando mudei-me definitivamente para o Bloco A devido ao divórcio dos meus pais, passei a observar cada vez mais o mundo fora do condomínio.
Em Novembro de 1989 eu tinha 7 anos de idade. Não tenho nenhuma lembrança marcante de acontecimentos ligados à Guerra Fria. A minha única grande lembrança envolvendo política está ligada à enorme frustração pela vitória de Collor nas eleições daquele ano. Minha mãe e tia eram militantes moderadas do PT e dentro do Flamboyant era muito frequente ouvir aquela emblemática música da campanha eleitoral petista, intitulada "Lula lá". Todos os dias de manhã eu punha-me na varanda para ouvi-la ser ecoada de algum outro apartamento. Eu tinha uma fitinha K7 com ela e não a parava de tocar. Foi certamente a primeira vez que senti-me emocionalmente ligado a uma ideia política, a letra da música soava-me bem, justa, e com aquela idade eu achava que a prática política era fiel à teoria.
No seio da minha família, algumas posições sempre foram mais explicitamente assumidas. Lembro-me das camisetas alusivas às Diretas Já, os quadros de Che Guevara na parede de casa e os comícios do Lula, aos quais eu era levado por minha mãe e tia e adorava. Não pela política em si, mas pela festa.
Tenho muito mais recordações acerca da derrota de Lula para Collor no segundo turno das eleições, em Dezembro de 1989, do que dos acontecimentos na Alemanha. Lembro-me da enorme tristeza que pairou sobre o Flamboyant com a vitória de Collor. Na verdade acredito que a maior parte dos habitantes do condomínio fazia festa, mas a minha lembrança resume-se ao rosto das pessoas mais próximas a mim e à minha família.
Todavia, tenho algumas recordações, bastante diluídas, sobre uma tal grande mudança no mundo, sobre o anunciar de uma nova Era, etc. Para mim, Alemanha, URSS e EUA eram tão longes que eu os encarava como sendo outros planetas. Eu não podia ver nenhum desses países olhando da janela do Flamboyant.
Hoje, a sensação de saber que vivi os 7 primeiros anos da minha vida numa outra "Era", num outro contexto geopolítico, causa-me estranheza. Geralmente a Guerra Fria só existe nos anais da História para as gerações mais novas, e saber que ainda assim vivi um período que hoje é pura história faz-me sentir que presenciei duas fases diferentes e que fui contemporâneo a um dos momentos mais importantes do século XX.
Aquele menininho ruivo, inocente, medroso e acanhado jamais imaginou que duas décadas depois encontraria refúgio no leste europeu ao arranjar uma namorada checa e apaixonar-se por Praga, e que a partir dali visitaria 8 países que estavam "do outro lado", além do próprio centro da Cortina de Ferro, Berlim.
A vida é estranha e dá voltas inacreditáveis. Quando visitei Berlim, em Setembro de 2008, eu só pensava em ver o muro. A capital da Alemanha unificada possui dezenas, centenas de atrações, mas eu queria era ver as ruínas de um paredão cinzento. Para mim era muito mais impactante do que quaisquer outras coisas por mais interessantes que fossem.
Durante o meu primeiro contato visual e físico com o muro a minha mente remetia-me para a minha infância e para os tempos de Aracaju, como se automaticamente estabelecesse um paralelismo temporal de eventos tão distantes um do outro em espaço.
Eu só conseguia pensar que nunca imaginara ser possível estar ali. O mesmo se sucedeu no último mês de Agosto, quando visitei Auschwitz. Mas o Muro de Berlim tem um peso histórico maior, porque simbolizou todo um período iniciado no pós-guerra.
Ver e tocar o muro foi uma das experiências mais impressionantes pelas quais já passei. A confusão de sentimentos que emanam em simultâneo é perturbador.
A primeira vez que vi o muro foi na Postdamer Platz, na área central da cidade. Dois blocos permanecem ali como os únicos vestígios do muro numa praça que já foi um autêntico deserto e hoje é rodeada por arranha-céus modernos. Mas o maior impacto deu-se quando deparei-me com a East Side Gallery, um pedaço de quase 1Km do muro que foi preservado e hoje é uma galeria a céu aberto, repleto de pinturas alusivas ao próprio muro.
A foto ao lado mostra a Martina e eu no ponto de partida da East Side Gallery. Na época em que lá estivemos as pinturas encontravam-se vandalizadas por pichações e mensagens idiotas de turistas igualmente idiotas. Recentemente as pinturas foram restauradas.
Desde que o muro foi destruído, as suas milhares de pequenas partes transformaram-se em sourvenirs para os turistas. Há cartões postais com supostos pedaços do muro à venda em lojas, e muita gente aproveita para depreda-lo para obter pedaços originais dele. Além de desrespeito a um monumento histórico, é um desrespeito à cidade de Berlim e sua memória.
Mas é claro que é tentador estar ali ao lado do muro. Passou-me pela cabeça levar um pedacinho para casa, mas em momento algum eu pensei em quebrar partes do muro. Então, fiquei procurando pelo chão pedacinhos soltos, mas não encontrei nada. Até que lembrei-me de reparar no início do muro, onde ele havia sido cortado, deixando seu material interior exposto. Foi ali, num buraquinho, que encontrei quatro pedacinhos semi-soltos e consegui chegar lá com um dedo.
Pronto! Não foi preciso imitar os turistas idiotas para conseguir uma recordação idiota. São quatro pedacinhos pequenos de cimento, quatro pedrinhas cinzentas, daquelas que abundam nas ruas de qualquer cidade, mas que revestem-se de um simbolismo muito forte por serem parte de Muro de Berlim e, consequentemente, da História.
Bem, depois de exibir-me com um pedacinho do muro, nessa foto horrível devido à falta de talento do meu irmão, passarei para o lado político do Muro de Berlim e da Guerra Fria.
Costuma-se dizer que o acontecimento representou o fim do Comunismo. É certo que foi o fim da União Soviética e do bloco de leste. Eu diria que findou o imperialismo russo. A União Soviética era um império que controlava os demais países do leste europeu, que eram satélites à sua mercê.
Até aí tudo bem, a questão é mais ou menos pacífica, a não ser para os nostálgicos defensores do totalitarismo soviético, que conseguem justificar o injustificável apelando a uma série de fantasmas e desculpismos ridículos.
Mas a queda do Muro de Berlim não representou o fim do Comunismo. O Comunismo nunca existiu nem na União Soviética e nem em qualquer país do mundo. O Comunismo como é concebido em teoria nunca foi posto em prática à escala nacional ou continental. Os dias seguintes à Revolução Russa, com a queda do Czar, já configuravam uma ditadura de partido único, com censura, perseguição e burocracia estatal. Aqueles que ficaram conhecidos como os mais importantes marxistas, Lenin e Trotsky, ao apoderarem-se de forma oportunista do processo revolucionário em curso, trataram de fundar a estrutura basilar de uma ditadura que não tinha nada de proletária, internacionalista e socialista. Fundaram um regime escravista, imperialista, e incrementaram a burocracia estatal ao capitalismo.
Durante o século XX há registro de algumas experiências mais ou menos profundas de socialismo. Alguns exemplos são a Revolução Mexicana de 1910 com a aclamada Republica Socialista de Baja California, ou com os Kibutz de Israel, a Makhnovtchina da Ucrânia, que resistiu como pôde à tirania dos bolcheviques, ou a Revolução Espanhola, que ocorreu em simultâneo à Guerra Civil de 1936-39 e representou a maior e mais profunda experiência de comunismo do século XX e talvez de toda a história da civilização, e que, não por acaso, foi esmagada pelo stalinismo. Isso para não falar nas experiências do século XIX, inclusive no Brasil, como a Colônia Cecília.
A União Soviética configurava um regime totalitário, opressor, era a materialização do terror de George Orwell. Na verdade o 1984, sua obra prima, foi concebida com inspiração no terror stalinista que Orwell presenciou quando combateu na Guerra Civil Espanhola.
Hoje, os meios de comunicação, meros propagandistas do sistema que vigora, difundem a ideia de que a URSS representava não apenas um sistema político e económico, mas era a materialização fiel de uma ideia, o socialismo, para assim difamarem um modelo alternativo ao liberalismo selvagem. Um grupo muito restrito de grandes empresas muito poderosas controla os meios de comunicação, e todos os dias nos impingem com comentadores e especialistas que propagandeiam as ideias do modelo instituído. As diferenças que existem são partidárias, não ideológicas, salvo raríssimas exceções.
Nas esferas da comunicação social das massas, diz-se que o Comunismo falhou e acabou com o colapso da URSS. Dizem que o Comunismo é intrinsecamente tirânico e que o Capitalismo é a única solução para o mundo.
Anunciaram o triunfo do Capitalismo e com o colapso soviético o economista e ideólogo do reaganismo e do neoconservadorismo, Francis Fukuyama, chegou a anunciar o fim da história.
Bastaram poucos anos para essas profecias patéticas serem desmentidas. O mundo continuou em constante mudança, e revezou momentos de evolução com momentos de regresso. Vários novos conflitos se iniciaram, novas rivalidades surgiram, as crises financeiras sucederam-se e novos paradigmas afloraram. Hoje temos o terrorismo islâmico e o aquecimento global (embora este último eu considere uma enorme farsa).
Francis Fukuyama e todos os que o seguiram na profecia do fim da história contemplam hoje um mundo mais complexo do que aquele que existiu durante a Guerra Fria. Até então, tudo era muito claro, duas grandes potências, inimigas uma da outra, dividiam a influência no mundo. Hoje, temos um contexto geopolítico extremamente diversificado e pouco se pode dizer sobre o futuro.
O Capitalismo não vingou, continuou spobrevivendo sob crises sistemáticas e sistêmicas. Suas maravilhas não foram cumpridas. Recentemente, com a última crise, o paradigma neoliberal sofreu o mesmo processo de colapso que a URSS, mas não há alternativa formada. O Capitalismo substitui-se a si próprio porque, infelizmente, a esquerda é burra e tapada.
Os que não se deixam reciclar politicamente pela democratura plutocrática do Capitalismo, continuam alimentando a fantasia macabra de que a União Soviética era um paraíso na Terra. Os PCs, mundo afora, continuam seguindo a cartilha stalinista, continuam defendendo atrocidades, justificando assassinatos e fantasiando regimes atrozes, como a Coreia do Norte ou Cuba.
Os propagandistas do Capitalismo gostam de falar em Socialismo Real e Socialismo Utópico para afirmarem, como roupagem de conveniência ideológica, que o único socialismo que existe é o totalitário, é a tirania, a opressão, e que somente os tolos e sonhadores podem acreditar nalgo diferente disso.
A queda do Muro de Berlim foi a melhor coisa que aconteceu para o Socialismo no mundo, mas a esquerda não soube aproveitar a oportunidade que lhe surgiu. Boa parte até lamentou o fim do monstro jurássico. Se a esquerda socialista tivesse compreendido o que a União Soviética representou, poderia tirar partido do colapso do monstro e assumir uma nova posição perante o Capitalismo. Poucos o fizeram, poucos abriram mão de status partidários e ideológicos para o fazerem.
20 anos depois, a esquerda continua burra e tapada, e o Capitalismo vai se arrastando e sobrevivendo por não haver um inimigo que lhe espete a estaca no coração. A última crise colapsou importantes pilares da ideologia dominante e não houve nenhuma alternativa pronta para a substituir.
20 anos depois, espera-se que os fantasmas do passado deixem de assombrar a lucidez das mentalides presentes. Espera-se que o futuro consiga concretizar todo um pacote ético que tem o socialismo como essência. Será que existirão pessoas suficientemente éticas para o fazerem? A evolução ética da sociedade tende a chocar-se cada vez mais com as estruturas do Capitalismo, de forma que a evolução das mentalidades e, consequentemente, dos comportamentos, poderá chegar a uma sociedade socialista mais rapidamente do que revoluções violentas que acabem por fazer toda uma estrutura ética desmoronar e voltar ao ponto inicial.
Não há lugar para mais muros, embora os EUA e Israel pensem o contrário. Sobretudo, não há lugar para regimes que, alavancados por distorções grotescas de ideais sublimes, configurem o mais puro terror e a mais opressiva tirania.
20 anos depois da queda do Muro de Berlim, o Socialismo continua inédito à escala nacional, continua sendo um ideal demasiado avançado para o nível de desenvolvimento atual, e caberá à humanidade conseguir atingi-lo, apesar de todas as forças contrárias e retrógradas que depois de anunciarem o fim da história, tratam de travar a evolução e manter tudo como está, num eterno presente que é a cada dia mais insuportável perante uma humanidade que reclama para ela a modernidade ética sem no entanto estar disposta a coloca-la em prática.
Recentemente, em seu blog, ele publicou a postagem que reproduzo abaixo, fazendo uma interessante analogia entre o Muro de Berlin ( 20 Anos da queda ) e os muros do condominio onde vivia.
Com vocês, Juliano Mattos:
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O Muro de Berlin, 20 Anos depois
por Juliano Mattos
Em 1989 eu era um guri desfrutando ao máximo da minha feliz infância em Aracaju. Uma criança como qualquer outra, que passava a vida jogando futebol, cheio de ilusões e borrifando-se para o mundo.
Nessa época eu vivia num condomínio fechado de classe média chamado Flamboyant. Nele havia uma piscina grande, uma quadra poliesportiva, um salão de jogos, com bilhar e tênis de mesa, e um parquinho de diversão infantil. A minha vida resumia-se ao perímetro do condomínio e dali eu só saia para ir à escola, situada ao lado do Flamboyant. Desde 1987 ali, eu vivia entre dois apartamentos, o dos meus pais e o dos meus avós. No 11º andar do Bloco A, na porta número 1104, viviam os meus avós e a minha tia Mina, e no 2º andar do Bloco E, na porta 204, viviam os meus pais. Eu gostava mais do apartamento dos meus avós porque ele me proporcionava uma vista para fora do condomínio, da fortaleza. De lá eu conseguia ver, a jusante, o emaranhar de prédios que começava a se configurar na Treze de Julho, o Rio Sergipe, a Barra dos Coqueiros e atrás dela o mar.
Já para oeste, eu costumava contemplar os contornos da Serra de Itabaiana que se desenhava ao fundo, uma das mais belas atrações para turismo de natureza do estado de Sergipe. Hoje arrependo-me de nunca a ter visitado. Quem diria que 20 anos depois eu estaria estudando Geografia e me debateria no estudo da geomorfologia?
Mas olhar pela janela do apartamento dos meus avós era uma forma de imaginar o mundo fora do Flamboyant, de avistar coisas diferentes e as fantasiar. Eu imaginava a Serra de Itabaiana como uma cadeia montanhosa gigantesca, embora seu ponto mais alto atinja apenas os 600 metros de altura. Quando mudei-me definitivamente para o Bloco A devido ao divórcio dos meus pais, passei a observar cada vez mais o mundo fora do condomínio.
Em Novembro de 1989 eu tinha 7 anos de idade. Não tenho nenhuma lembrança marcante de acontecimentos ligados à Guerra Fria. A minha única grande lembrança envolvendo política está ligada à enorme frustração pela vitória de Collor nas eleições daquele ano. Minha mãe e tia eram militantes moderadas do PT e dentro do Flamboyant era muito frequente ouvir aquela emblemática música da campanha eleitoral petista, intitulada "Lula lá". Todos os dias de manhã eu punha-me na varanda para ouvi-la ser ecoada de algum outro apartamento. Eu tinha uma fitinha K7 com ela e não a parava de tocar. Foi certamente a primeira vez que senti-me emocionalmente ligado a uma ideia política, a letra da música soava-me bem, justa, e com aquela idade eu achava que a prática política era fiel à teoria.
No seio da minha família, algumas posições sempre foram mais explicitamente assumidas. Lembro-me das camisetas alusivas às Diretas Já, os quadros de Che Guevara na parede de casa e os comícios do Lula, aos quais eu era levado por minha mãe e tia e adorava. Não pela política em si, mas pela festa.
Tenho muito mais recordações acerca da derrota de Lula para Collor no segundo turno das eleições, em Dezembro de 1989, do que dos acontecimentos na Alemanha. Lembro-me da enorme tristeza que pairou sobre o Flamboyant com a vitória de Collor. Na verdade acredito que a maior parte dos habitantes do condomínio fazia festa, mas a minha lembrança resume-se ao rosto das pessoas mais próximas a mim e à minha família.
Todavia, tenho algumas recordações, bastante diluídas, sobre uma tal grande mudança no mundo, sobre o anunciar de uma nova Era, etc. Para mim, Alemanha, URSS e EUA eram tão longes que eu os encarava como sendo outros planetas. Eu não podia ver nenhum desses países olhando da janela do Flamboyant.
Hoje, a sensação de saber que vivi os 7 primeiros anos da minha vida numa outra "Era", num outro contexto geopolítico, causa-me estranheza. Geralmente a Guerra Fria só existe nos anais da História para as gerações mais novas, e saber que ainda assim vivi um período que hoje é pura história faz-me sentir que presenciei duas fases diferentes e que fui contemporâneo a um dos momentos mais importantes do século XX.
Aquele menininho ruivo, inocente, medroso e acanhado jamais imaginou que duas décadas depois encontraria refúgio no leste europeu ao arranjar uma namorada checa e apaixonar-se por Praga, e que a partir dali visitaria 8 países que estavam "do outro lado", além do próprio centro da Cortina de Ferro, Berlim.
A vida é estranha e dá voltas inacreditáveis. Quando visitei Berlim, em Setembro de 2008, eu só pensava em ver o muro. A capital da Alemanha unificada possui dezenas, centenas de atrações, mas eu queria era ver as ruínas de um paredão cinzento. Para mim era muito mais impactante do que quaisquer outras coisas por mais interessantes que fossem.
Durante o meu primeiro contato visual e físico com o muro a minha mente remetia-me para a minha infância e para os tempos de Aracaju, como se automaticamente estabelecesse um paralelismo temporal de eventos tão distantes um do outro em espaço.
Eu só conseguia pensar que nunca imaginara ser possível estar ali. O mesmo se sucedeu no último mês de Agosto, quando visitei Auschwitz. Mas o Muro de Berlim tem um peso histórico maior, porque simbolizou todo um período iniciado no pós-guerra.
Ver e tocar o muro foi uma das experiências mais impressionantes pelas quais já passei. A confusão de sentimentos que emanam em simultâneo é perturbador.
A primeira vez que vi o muro foi na Postdamer Platz, na área central da cidade. Dois blocos permanecem ali como os únicos vestígios do muro numa praça que já foi um autêntico deserto e hoje é rodeada por arranha-céus modernos. Mas o maior impacto deu-se quando deparei-me com a East Side Gallery, um pedaço de quase 1Km do muro que foi preservado e hoje é uma galeria a céu aberto, repleto de pinturas alusivas ao próprio muro.
A foto ao lado mostra a Martina e eu no ponto de partida da East Side Gallery. Na época em que lá estivemos as pinturas encontravam-se vandalizadas por pichações e mensagens idiotas de turistas igualmente idiotas. Recentemente as pinturas foram restauradas.
Desde que o muro foi destruído, as suas milhares de pequenas partes transformaram-se em sourvenirs para os turistas. Há cartões postais com supostos pedaços do muro à venda em lojas, e muita gente aproveita para depreda-lo para obter pedaços originais dele. Além de desrespeito a um monumento histórico, é um desrespeito à cidade de Berlim e sua memória.
Mas é claro que é tentador estar ali ao lado do muro. Passou-me pela cabeça levar um pedacinho para casa, mas em momento algum eu pensei em quebrar partes do muro. Então, fiquei procurando pelo chão pedacinhos soltos, mas não encontrei nada. Até que lembrei-me de reparar no início do muro, onde ele havia sido cortado, deixando seu material interior exposto. Foi ali, num buraquinho, que encontrei quatro pedacinhos semi-soltos e consegui chegar lá com um dedo.
Pronto! Não foi preciso imitar os turistas idiotas para conseguir uma recordação idiota. São quatro pedacinhos pequenos de cimento, quatro pedrinhas cinzentas, daquelas que abundam nas ruas de qualquer cidade, mas que revestem-se de um simbolismo muito forte por serem parte de Muro de Berlim e, consequentemente, da História.
Bem, depois de exibir-me com um pedacinho do muro, nessa foto horrível devido à falta de talento do meu irmão, passarei para o lado político do Muro de Berlim e da Guerra Fria.
Costuma-se dizer que o acontecimento representou o fim do Comunismo. É certo que foi o fim da União Soviética e do bloco de leste. Eu diria que findou o imperialismo russo. A União Soviética era um império que controlava os demais países do leste europeu, que eram satélites à sua mercê.
Até aí tudo bem, a questão é mais ou menos pacífica, a não ser para os nostálgicos defensores do totalitarismo soviético, que conseguem justificar o injustificável apelando a uma série de fantasmas e desculpismos ridículos.
Mas a queda do Muro de Berlim não representou o fim do Comunismo. O Comunismo nunca existiu nem na União Soviética e nem em qualquer país do mundo. O Comunismo como é concebido em teoria nunca foi posto em prática à escala nacional ou continental. Os dias seguintes à Revolução Russa, com a queda do Czar, já configuravam uma ditadura de partido único, com censura, perseguição e burocracia estatal. Aqueles que ficaram conhecidos como os mais importantes marxistas, Lenin e Trotsky, ao apoderarem-se de forma oportunista do processo revolucionário em curso, trataram de fundar a estrutura basilar de uma ditadura que não tinha nada de proletária, internacionalista e socialista. Fundaram um regime escravista, imperialista, e incrementaram a burocracia estatal ao capitalismo.
Durante o século XX há registro de algumas experiências mais ou menos profundas de socialismo. Alguns exemplos são a Revolução Mexicana de 1910 com a aclamada Republica Socialista de Baja California, ou com os Kibutz de Israel, a Makhnovtchina da Ucrânia, que resistiu como pôde à tirania dos bolcheviques, ou a Revolução Espanhola, que ocorreu em simultâneo à Guerra Civil de 1936-39 e representou a maior e mais profunda experiência de comunismo do século XX e talvez de toda a história da civilização, e que, não por acaso, foi esmagada pelo stalinismo. Isso para não falar nas experiências do século XIX, inclusive no Brasil, como a Colônia Cecília.
A União Soviética configurava um regime totalitário, opressor, era a materialização do terror de George Orwell. Na verdade o 1984, sua obra prima, foi concebida com inspiração no terror stalinista que Orwell presenciou quando combateu na Guerra Civil Espanhola.
Hoje, os meios de comunicação, meros propagandistas do sistema que vigora, difundem a ideia de que a URSS representava não apenas um sistema político e económico, mas era a materialização fiel de uma ideia, o socialismo, para assim difamarem um modelo alternativo ao liberalismo selvagem. Um grupo muito restrito de grandes empresas muito poderosas controla os meios de comunicação, e todos os dias nos impingem com comentadores e especialistas que propagandeiam as ideias do modelo instituído. As diferenças que existem são partidárias, não ideológicas, salvo raríssimas exceções.
Nas esferas da comunicação social das massas, diz-se que o Comunismo falhou e acabou com o colapso da URSS. Dizem que o Comunismo é intrinsecamente tirânico e que o Capitalismo é a única solução para o mundo.
Anunciaram o triunfo do Capitalismo e com o colapso soviético o economista e ideólogo do reaganismo e do neoconservadorismo, Francis Fukuyama, chegou a anunciar o fim da história.
Bastaram poucos anos para essas profecias patéticas serem desmentidas. O mundo continuou em constante mudança, e revezou momentos de evolução com momentos de regresso. Vários novos conflitos se iniciaram, novas rivalidades surgiram, as crises financeiras sucederam-se e novos paradigmas afloraram. Hoje temos o terrorismo islâmico e o aquecimento global (embora este último eu considere uma enorme farsa).
Francis Fukuyama e todos os que o seguiram na profecia do fim da história contemplam hoje um mundo mais complexo do que aquele que existiu durante a Guerra Fria. Até então, tudo era muito claro, duas grandes potências, inimigas uma da outra, dividiam a influência no mundo. Hoje, temos um contexto geopolítico extremamente diversificado e pouco se pode dizer sobre o futuro.
O Capitalismo não vingou, continuou spobrevivendo sob crises sistemáticas e sistêmicas. Suas maravilhas não foram cumpridas. Recentemente, com a última crise, o paradigma neoliberal sofreu o mesmo processo de colapso que a URSS, mas não há alternativa formada. O Capitalismo substitui-se a si próprio porque, infelizmente, a esquerda é burra e tapada.
Os que não se deixam reciclar politicamente pela democratura plutocrática do Capitalismo, continuam alimentando a fantasia macabra de que a União Soviética era um paraíso na Terra. Os PCs, mundo afora, continuam seguindo a cartilha stalinista, continuam defendendo atrocidades, justificando assassinatos e fantasiando regimes atrozes, como a Coreia do Norte ou Cuba.
Os propagandistas do Capitalismo gostam de falar em Socialismo Real e Socialismo Utópico para afirmarem, como roupagem de conveniência ideológica, que o único socialismo que existe é o totalitário, é a tirania, a opressão, e que somente os tolos e sonhadores podem acreditar nalgo diferente disso.
A queda do Muro de Berlim foi a melhor coisa que aconteceu para o Socialismo no mundo, mas a esquerda não soube aproveitar a oportunidade que lhe surgiu. Boa parte até lamentou o fim do monstro jurássico. Se a esquerda socialista tivesse compreendido o que a União Soviética representou, poderia tirar partido do colapso do monstro e assumir uma nova posição perante o Capitalismo. Poucos o fizeram, poucos abriram mão de status partidários e ideológicos para o fazerem.
20 anos depois, a esquerda continua burra e tapada, e o Capitalismo vai se arrastando e sobrevivendo por não haver um inimigo que lhe espete a estaca no coração. A última crise colapsou importantes pilares da ideologia dominante e não houve nenhuma alternativa pronta para a substituir.
20 anos depois, espera-se que os fantasmas do passado deixem de assombrar a lucidez das mentalides presentes. Espera-se que o futuro consiga concretizar todo um pacote ético que tem o socialismo como essência. Será que existirão pessoas suficientemente éticas para o fazerem? A evolução ética da sociedade tende a chocar-se cada vez mais com as estruturas do Capitalismo, de forma que a evolução das mentalidades e, consequentemente, dos comportamentos, poderá chegar a uma sociedade socialista mais rapidamente do que revoluções violentas que acabem por fazer toda uma estrutura ética desmoronar e voltar ao ponto inicial.
Não há lugar para mais muros, embora os EUA e Israel pensem o contrário. Sobretudo, não há lugar para regimes que, alavancados por distorções grotescas de ideais sublimes, configurem o mais puro terror e a mais opressiva tirania.
20 anos depois da queda do Muro de Berlim, o Socialismo continua inédito à escala nacional, continua sendo um ideal demasiado avançado para o nível de desenvolvimento atual, e caberá à humanidade conseguir atingi-lo, apesar de todas as forças contrárias e retrógradas que depois de anunciarem o fim da história, tratam de travar a evolução e manter tudo como está, num eterno presente que é a cada dia mais insuportável perante uma humanidade que reclama para ela a modernidade ética sem no entanto estar disposta a coloca-la em prática.